06 abril - Uma boa palavra vale um tesouro e o Senhor jamais
deixa sem recompensa a mais insignificante ação feita para a sua glória em
favor do próximo. (L 28). São José
Marello
Leitura do santo Evangelho segundo São João 8,1-11 06 abr 2025
"Naquele
tempo, Jesus foi para o monte das Oliveiras. De madrugada, voltou de novo ao
Templo. Todo o povo se reuniu em volta dele. Sentando-se, começou a ensiná-los.
Entretanto, os mestres da Lei e os fariseus trouxeram uma mulher surpreendida
em adultério. Colocando-a no meio deles, disseram a Jesus:
"Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério.
Moisés na Lei mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu? Perguntavam isso
para experimentar Jesus e para terem motivo de o acusar. Mas Jesus, inclinando-se,
começou a escrever com o dedo no chão.
Como persistissem em interrogá-lo, Jesus ergueu-se e disse: "Quem
dentro de vós não tiver pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra". E
eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais
velhos; e Jesus ficou sozinho, com a mulher que estava lá, no meio do
povo.
Então Jesus se levantou e disse: "Mulher, onde estão eles? Ninguém
te condenou?" Ela respondeu: "Ninguém, Senhor". Então Jesus lhe
disse: "Eu também não te condeno. Pode ir, e de agora em diante não peques
mais"."
Reflexão para o 5º domingo da
Quaresma João 8,1-11
A liturgia deste quinto domingo da quaresma dá
uma pausa na leitura do Evangelho segundo Lucas, e propõe uma passagem do
Quarto Evangelho: João 8,1-11. Esse texto, tão rico e precioso, teve uma
história bastante turbulenta, desde as suas origens. Sobre isso, acenaremos,
brevemente, apenas a nível de contexto. Dando continuidade à temática central
da espiritualidade quaresmal – o convite à conversão e sua respectiva
necessidade – é importante perceber a dinâmica e a pedagogia de Jesus: ele não
faz esse convite à partir de ameaças e ordens, mas revelando com clareza a
misericórdia e o amor de Deus, através de palavras e atitudes. No domingo
passado, essa misericórdia foi apresentada de maneira ilustrada, através da
parábola do pai misericordioso e os dois filhos (cf. Lc 15,11-32). Hoje, a
liturgia dá um passo a mais e mostra Jesus revelando a sua misericórdia, que é
a mesma de Deus-Pai, com um gesto concreto, salvando uma mulher flagrada em
adultério e prestes a ser apedrejada. Isso dá credibilidade ao seu ensinamento,
pois mostra que ele viveu e praticou tudo o que ensinou.
Antes
de olharmos diretamente para o texto, fazemos algumas breves considerações, a
nível de contexto. Começamos pelo amplo debate criado ao longo da história da
interpretação, sobre a origem e a posição desse texto no Evangelho segundo
João. Nos quatro primeiros séculos, esse texto foi omitido, por ser considerado
muito perigoso; isso se comprova pela sua ausência nos manuscritos da época.
Ora, o adultério era um dos pecados mais abomináveis, tanto no judaísmo quanto
no cristianismo das origens; na maioria das vezes, o perdão não era concedido
às mulheres que praticavam; os homens, sempre conseguiam uma saída. Por isso,
imaginavam não ser prudente mostrar Jesus perdoando esse tipo de pecado. O
perdão de Jesus a uma mulher adúltera, poderia ser visto como incentivo a essa
prática pelos líderes das primeiras comunidades, e uma relativização do pecado;
a liderança das comunidades, por sinal, era exercida por figuras masculinas, o
que facilitava a marginalização da mulher. Esse texto circulava como uma página
isolada, e poucas pessoas tinham acesso a ele. Quando as comunidades chegaram à
conclusão de que não poderiam mais escondê-lo, o colocaram no Evangelho segundo
João, embora tudo indique que seja um texto originalmente de Lucas; diversos
fatores contribuem para isso, principalmente o fato de ser Lucas o evangelho da
misericórdia, por excelência, e aquele que mais valoriza a figura da mulher,
além do vocabulário típico do Terceiro Evangelho. Porém, como nos foi
transmitido no Evangelho de João, é a partir dele que devemos lê-lo.
Jesus
se encontrava em Jerusalém, participando de uma das grandes festas dos judeus,
a festa das tendas, com duração de uma semana (cf. Jo 7,2.14.37; 8,2). Durante
o dia, ensinava no templo, e à noite se retirava para dormir fora da
cidade: “Jesus foi para o monte das Oliveiras” (v. 1). No dia
seguinte, “De madrugada, voltou de novo ao templo. Todo o povo se
reuniu em volta dele. Sentando-se, começou a ensiná-los” (v. 2). A
madrugada significa o rompimento das trevas, a aurora de um novo dia; nos
evangelhos, essa expressão é um dado teológico, mais que cronológico; é sempre
um aceno à ressurreição; é o momento em que as mulheres descobrirão o sepulcro
vazio, no domingo da ressurreição (cf. Lc 24,1); portanto, o episódio que a
liturgia propõe hoje é uma cena de ressurreição, é um texto pascal: a mulher
flagrada em adultério, prestes a ser apedrejada, faz uma experiência de vida
nova ao ser confrontada com a misericórdia, o perdão e o amor de Jesus.
Durante as festas, iam pessoas de todas as partes
da Palestina para Jerusalém; era uma oportunidade para os pregadores
itinerantes apresentarem suas doutrinas e versões na interpretação da Lei;
esses se espalhavam pelos vastos átrios do templo, e os peregrinos iam se amontoando
em círculos ao redor deles, conforme a curiosidade e a eloquência de cada
pregador. Como a pregação de Jesus era sempre polêmica e crítica, talvez
conseguisse juntar mais ouvintes que outros pregadores, pois ele não tinha medo
de desmascarar a hipocrisia dos dirigentes, principalmente as autoridades
religiosas da época. Ele dizia o que muita gente queria dizer, mas não dizia
por medo de repressão. Isso, obviamente, fazia também com que as autoridades
lhe vissem como suspeito, aumentando a vigilância sobre ele.
Enquanto
ensina, Jesus é repentinamente interrompido: “os mestres da Lei e os
fariseus trouxeram uma mulher surpreendida em adultério. Colocando-a no meio
deles” (v. 3). Os sujeitos da ação são os tradicionais adversários de
Jesus: mestres da Lei e fariseus, os fiéis observadores dos preceitos da Lei em
seus mínimos detalhes, os mesmos que no domingo passado tinham criticado Jesus
por acolher e comer com os pecadores (cf. Lc 15,2). Esses dois grupos são a
síntese do fechamento e do conservadorismo na época de Jesus; pregavam um Deus
punitivo, exigente, vingativo e, por isso, se escandalizavam com o Deus amoroso
de Jesus. Ao colocarem a mulher no centro, eles a expõem à máxima humilhação.
No Antigo Testamento, o adultério foi usado como sinônimo de idolatria, o
principal pecado de Israel. Por isso, a lei era tão rigorosa com esse pecado.
Na época de Jesus o adultério estava entre os piores pecados, comparável ao
assassinato. Como os casamentos eram verdadeiros negócios, decididos pelos
pais, às vezes os noivos só se conheciam no dia do próprio casamento, isso
tornava o adultério uma prática bastante comum, embora perigosa, pois as
relações não eram motivadas pelo amor, mas pelos interesses econômicos das
famílias; por isso, havia muita vigilância, principalmente, sobre as mulheres.
Como representantes de uma religião severa e
excludente, os mestres da Lei e os fariseus expõem somente a mulher. Eles
tinham clareza do que a Lei prescrevia, mas pedem uma pena parcial, expondo e
ridicularizando a mulher, e silenciando sobre o homem que, certamente, fora
flagrado junto. Aqui, essa mulher é imagem de todas categorias de
marginalizados e marginalizadas, por quem Jesus toma partido. Eles conheciam a
sentença prevista: “Disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi
surpreendida em flagrante adultério. Moises, na Lei, mandou apedrejar tais
mulheres. Que dizes tu?” (vv. 4-5). De acordo com a lei, o
apedrejamento era a pena para o adultério quando o casamento ainda estava na
primeira fase, a da promessa; porém, essa pena era prevista também para o homem
envolvido na relação (cf. Dt 22,23-24). Como diz o próprio texto, o que eles
queriam era colocar Jesus em situação embaraçante, pondo-o à prova (cf. v. 6a):
se Jesus confirmasse o apedrejamento, estaria negando o seu lado misericordioso
e contradizendo a sua pregação até então; se negasse o apedrejamento, estaria
transgredindo a Lei de Moisés.
Conhecedor das intenções dos seus adversários,
Jesus simplesmente os ignora, com a sua típica ironia: “Mas Jesus,
inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão” (v. 6). Sobre
esse gesto inusitado, foram levantadas diversas hipóteses sobre o que Jesus
escreveu no chão, algumas até folclóricas. São Jerônimo, por exemplo,
acreditava que Jesus escreveu os pecados dos acusadores que estavam com pedras
na mão, para deixá-los envergonhados e constrangidos. Ora, se estavam no
interior do templo, o piso ali não era de barro ou areia, mas de pedras; logo,
não tinha como escrever nada ali. Portanto, qualquer hipótese sobre o conteúdo
que Jesus escreveu nessa cena, carece de fundamento e de sentido. O gesto de
Jesus é, além de irônico, denunciador. Ele olha para o chão por indiferença aos
seus acusadores, enquanto pensa na atitude e na resposta adequada que dará. Não
escreve nada, apenas simula uma escritura em pedra denunciando a rigidez da Lei
por eles observada: uma lei escrita em tábuas de pedra, inflexível e dura como
eram os corações deles.
Com a sua ironia e indiferença, Jesus deixava seus
interlocutores impacientes: “Como persistiam em interrogá-lo, Jesus
ergueu-se e disse: ‘Quem dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a
atirar-lhe uma pedra” (v. 7). Ao levantar-se para responder, Jesus dá
um tom de solenidade à situação e, finalmente, chama para si a
responsabilidade. Tendo pensado por um tempo, sua resposta é surpreendente: não
toma posição sobre o caso, propriamente, não discute o pecado da mulher, mas
convida cada um a olhar para si próprio, apelando para o tribunal da
consciência: “Quem dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a
atirar-lhe uma pedra”. Com essa proposta, Jesus desmascara e desarma
os acusadores da mulher, e os falsos moralistas de todos os tempos. É uma
resposta que não necessita de contra-resposta nem de novas perguntas, mas
apenas da coragem de cada um olhar para si, para sua consciência. Certamente,
deixou a todos em silêncio e pensativos, admirados e sem reação. Por isso,
Jesus repete a ironia “E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever
no chão” (v. 8). Na primeira vez, simulou a escritura no chão enquanto
ele mesmo pensava na sua resposta; dessa vez, faz a simulação enquanto aguarda
uma atitude ou resposta dos acusadores.
Envergonhados, certamente, “eles, ouvindo o
que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos; e Jesus ficou
sozinho, com a mulher que estava lá, no meio do povo” (v. 9). É
interessante perceber a reviravolta na história: o objetivo dos mestres da Lei
e fariseus era colocar Jesus em situação constrangedora, “num beco sem saída”;
as coisas se inverteram e foram eles que ficaram embaraçados, em situação
desconfortável. É provável que tenham saído ainda mais furiosos com Jesus, mas
também a eles foi dirigido um convite à conversão. Jesus não os condenou; esse
detalhe é importante que seja bem recordado. Jesus deu aos seus ferrenhos
adversários uma oportunidade de conversão, convidou-os a um exame sincero de
consciência. Não sabemos se houve conversão da parte deles, mas é possível
identificar pelo menos dois sinais importantes: a vida da mulher foi poupada, e
cada um reconheceu ser pecador, uma vez que nenhum atirou a pedra.
Percebendo que todos os acusadores saíram, em
silêncio, no meio do povo que escutava seu ensinamento antes da
interrupção, “Jesus se levantou e disse: ‘Mulher, onde estão eles?
Ninguém te condenou?’. Ela respondeu: Ninguém, Senhor. Então Jesus lhe disse:
“Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais” (vv.
10-11). É a primeira vez que a mulher acusada tem oportunidade de falar, e é
Jesus quem lhe dá essa oportunidade. Essa voz da mulher é a sua própria vida
recuperada. Jesus sabia que ninguém a tinha condenado; faz a pergunta apenas
para torná-la protagonista. Todo ser humano tem direito e liberdade de
expressão. Toda voz deve ser ouvida. Diante da fúria dos acusadores, essa
mulher sentiu-se morta, com suas horas contadas. Diante de Jesus, ela se sente
uma pessoa digna, pois sabe que tem quem lhe escute.
As
palavras finais de Jesus constituem o ápice da cena e o motivo para esse texto
ter sido considerado tão perigoso: “Eu também não te condeno”. Para
uma religião segregadora, excludente e moralista, um Deus que não condena se
torna um perigo e um problema, pois tira também da religião o direito de
condenar. Não dá para pregar o Deus de Jesus fazendo ameaças, nem promovendo a
violência ou destilando ódio. Para a religião praticada e proposta por Jesus,
essa é uma das páginas mais consoladoras. Mais uma vez, se repete o esquema da
parábola do pai misericordioso e os dois filhos: assim como o Pai não condenou
o filho, Jesus não condena a mulher; a conversão vem depois: “vai e não
voltes a pecar!”; não se trata de uma ordem ou imposição, mas de um
encorajamento. Tendo se sentido acolhida e compreendida, talvez pela primeira
vez em sua vida, com certeza aquela mulher se converteu.
Sem realizar nenhum sinal extraordinário, Jesus
salvou uma vida. Apenas falando, Jesus fez aquela mulher passar da morte à
vida; da fúria dos acusadores à ternura de Deus. O impacto da palavra de Jesus
transforma situações. É essa Palavra que precisa ser ouvida, substituindo
regras e preceitos, para mudar todas as estruturas perversas que impedem o
triunfo da vida digna. Por isso, como afirmamos no início, o evangelho de hoje
é uma cena de ressurreição, é um texto pascal. Que todas as comunidades possam,
festivamente, celebrar a alegria de conhecer um Deus que não condena ninguém!
Dia 06
Dependendo
do modo como são realizadas, as atividades diárias podem se tornar um peso ou
um ato de muito amor.
Por isso,
dedique-se plenamente a seu trabalho, e verá com satisfação o resultado de seus
esforços.
“O
trabalho é amor feito presente” (K. Gibran).
“O
agricultor, que enfrenta o trabalho duro, deve ser o primeiro a participar dos
frutos”. (2Tm 2,6).
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