21 setembro - Quando a paixão enfurece por dentro, é preciso calar. (S 177). São José Marello
Evangelho do dia
Lucas 16,1-13
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Lucas.
— Glória a vós, Senhor!
Naquele tempo, Jesus dizia aos discípulos: 1“Um homem rico tinha um administrador que
foi acusado de esbanjar os seus bens. 2Ele o chamou e lhe disse: ‘Que é isto que
ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, pois já não podes mais
administrar meus bens’.
3O
administrador então começou a refletir: ‘O senhor vai me tirar a administração.
Que vou fazer? Para cavar, não tenho forças; de mendigar, tenho vergonha. 4Ah! Já sei o que fazer, para que alguém me
receba em sua casa, quando eu for afastado da administração’.
5Então
ele chamou cada um dos que estavam devendo ao seu patrão. E perguntou ao
primeiro: ‘Quanto deves ao meu patrão?’ 6Ele respondeu: ‘Cem barris de óleo!’ O
administrador disse: ‘Pega a tua conta, senta-te, depressa, e escreve
cinquenta!’
7Depois
ele perguntou a outro: ‘E tu, quanto deves?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de
trigo’. O administrador disse: ‘Pega a tua conta e escreve oitenta’.
8E o
senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza. Com
efeito, os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os
filhos da luz. 9E eu
vos digo: usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles
vos receberão nas moradas eternas.
10Quem é
fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas
pequenas também é injusto nas grandes. 11Por isso, se vós não sois fiéis no uso do
dinheiro injusto, quem vos confiará o verdadeiro bem? 12E se não sois fiéis no que é dos outros,
quem vos dará aquilo que é vosso?
13Ninguém
pode servir a dois senhores; porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará
a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”.
A liturgia deste vigésimo quinto domingo do tempo
comum propõe, para o evangelho, um dos ensinamentos mais surpreendentes de
Jesus – Lucas 16,1-13. Se trata da chamada “parábola do administrador desonesto
ou infiel” (vv. 1-8), seguida de algumas sentenças de caráter sapiencial (vv.
9-13) que visam tornar mais explícito o conteúdo da parábola. Esse texto,
sobretudo a parábola, é considerada uma das páginas mais difíceis e
desconcertantes de todo o Evangelho segundo Lucas, pois, pelo menos
aparentemente, Jesus apresenta um homem desonesto como modelo a ser imitado
pelos seus discípulos e discípulas. Pelo caráter embaraçante da parábola, a
maioria dos estudiosos acreditam que ela realmente saiu dos lábios de Jesus,
pois dificilmente a comunidade iria lhe atribuir um texto tão contraditório sem
ter certeza de sua origem.
É importante recordar que o texto faz parte do
amplo conjunto do caminho catequético apresentado por Jesus em sua viagem para
Jerusalém (Lc 9,51 – 19,27). No capítulo dezesseis, do qual é extraído o evangelho
de hoje, o tema central é exatamente o uso dos bens materiais, ou seja, da
riqueza. Esse tema é ilustrado por duas parábolas: a do “administrador
desonesto ou infiel” (vv. 1-8) e aquela do “pobre Lázaro e o rico avarento”
(vv. 19-31), que será lida no próximo domingo, intercaladas por algumas
sentenças de efeito prático-exortativo em estilo proverbial, que funcionam como
interpretação da primeira parábola, a de hoje, e preparação para a segunda. É
importante também recordar que as duas parábolas são exclusivas de Lucas, o
evangelista que mais combate a concentração de riquezas, propondo a partilha e
a solidariedade.
Assim, tendo já identificado o contexto da
parábola, a catequese sobre o uso dos bens materiais e riquezas, podemos, logo
de início, identificar os destinatários da mesma: os discípulos, como vem
afirmado logo no início: “Jesus dizia aos discípulos” (v. 1a). Quando o
evangelho afirma que Jesus dirige um ensinamento diretamente aos seus
discípulos, quer dizer que se trata de algo urgente e, portanto, inadiável;
quando Ele insiste com um mesmo tema, significa que se trata de algo muito
importante e, ao mesmo tempo, que os discípulos estão sendo lentos demais na
compreensão, a ponto de ser necessário repetir diversas vezes e de diferentes
maneiras. Tudo isso se verifica quando se trata do cuidado com o uso dos bens e
das riquezas. Recordemos algumas ocasiões, ao longo do “caminho”, em que Jesus
advertiu os discípulos sobre o uso dos bens materiais: na oração do Pai Nosso,
ao recomendar peçam apenas o necessário para cada dia (cf. Lc 11,3), quando
negou-se a interferir em questões relacionadas à divisão de herança, contando a
parábola do “rico insensato” (cf. Lc 12,16-21), na apresentação das exigências
para o seu seguimento, ao colocar a renúncia de todos os bens como condição
para ser seu discípulo (cf. Lc 14,33). Como se vê, há uma insistência de Jesus
ao apresentar o tema do uso das riquezas, e isso se deve à resistência dos
discípulos, ou seja, faziam pouco caso com uma questão tão fundamental, a ponto
de Jesus, por necessidade, tornar-se repetitivo.
Feitas as devidas considerações introdutórias,
entramos diretamente no conteúdo da parábola, cujo enredo é sintetizado logo no
primeiro versículo: “Um homem rico tinha um administrador que foi acusado de
esbanjar os seus bens” (v. 1). Embora se trate de uma parábola, alguns
estudiosos acreditam que Jesus conhecesse uma história real semelhante a essa.
Como na época havia uma forte concentração de terras em poucas mãos, esse
versículo inicial descreve uma situação muito comum. Geralmente, os
proprietários possuíam grandes latifúndios e não tinham condições de
administrarem sozinhos. Por isso, confiavam a administração a terceiros, dando
como pagamento uma comissão nos rendimentos. O administrador (em grego: οικονόμος = oikônomos),
cujo significado literal é “aquele que cuida dos bens da casa” ou “regente
da casa”, tinha total liberdade no gerenciamento dos negócios; isso significa que era uma pessoa que gozava
de plena confiança do
patrão, o que levava muitas vezes a abusos e corrupção.
Porém, é interessante que a parábola não diz como o administrador esbanjava os
bens do seu patrão. Isso poderia acontecer de diversas maneiras, inclusive
ajudando aos mais necessitados, o que na ótica da economia e da cultura do
acúmulo, ao contrário da lógica Reino de Deus, seria um modo de esbanjar.
Diante da acusação de esbanjar os bens que não lhe
pertenciam, o destino do administrador não poderia ser outro, senão a demissão
ao ser chamado pelo patrão: “Ele o chamou e lhe disse: ‘Que é isto que ouço a
teu respeito? Presta contas da tua administração, pois já não podes mais
administrar meus bens’” (v. 2). Parece que o próprio administrador aceita ser
tratado como desonesto, pois nem sequer pede perdão ou desculpas ao patrão.
Chama a atenção o fato de que o patrão não apresenta nenhum dado concreto, mas
julga o administrador apenas pelo que escuta a seu respeito, e logo decreta a
demissão. É uma atitude arrogante, típica dos poderosos deste mundo.
Consciente da demissão, o administrador se preocupa
apenas com o seu futuro. Isso o leva a uma profunda reflexão, expressa por um
pequeno monólogo interior: “O administrador então começou a refletir: ‘o senhor
vai me tirar a administração. Que vou fazer? Para cavar, não tenho forças; de
mendigar, tenho vergonha. Ah, já sei o que fazer, para que alguém me receba em
sua casa, quando eu for afastado da administração’” (vv. 3-4). O monólogo
interior era um refinado recurso literário bastante utilizado na literatura
antiga greco-romana e muito apreciado por Lucas, o único autor do Novo
Testamento que o utiliza. A função deste recurso é, antes de tudo, revelar
aspectos do caráter de um personagem; o que se revela do administrador é que se
trata de um homem calculista e prudente, consciente de suas limitações e
preocupado com o futuro. O medo do trabalho braçal e a vergonha de mendigar (v.
3) o levam a uma tomada de decisão firme e corajosa, própria de quem fez uma
ampla reflexão.
Da reflexão veio a decisão, e da decisão a atitude:
“Então ele chamou cada um dos que estavam devendo ao seu patrão. E perguntou ao
primeiro: ‘Quanto deves ao meu patrão?’ Ele respondeu: ‘Cem barris de óleo!’ O
administrador disse: ‘Pega a tua conta, senta-te, depressa, e escreve
cinquenta!’ Depois ele perguntou a outro: ‘E tu, quanto deves?’ Ele respondeu:
‘Cem medidas de trigo’. O administrador disse: ‘Pega a tua conta e escreve
oitenta’” (vv. 5-7). Temos aqui o coração da parábola. Ora, o sistema
tributário da época era bastante abusivo, contrariando, inclusive, as leis do
Antigo Testamento que proibiam a usura, ou seja, o empréstimo por juros (cf. Ex
22,19; 25,36-37; etc.). A reflexão do administrador partiu de um dilema:
agradar ao patrão ou aos devedores? Pensando no futuro, preferiu a segunda opção
e convidou os devedores a uma revisão nas contas.
Embora a parábola apresente apenas dois devedores,
supõe-se que havia um número muito grande, devido às proporções e consequências
do caso, a ponto de causar a sua demissão. Os dois casos descritos, um devedor
de azeite e outro de trigo, ajudam a compreender que, mesmo tratando-se de
quantias exorbitantes, se trata de produtos de subsistência e, embora de grande
valor, eram necessidades primárias para a alimentação no dia-a-dia, o que vem a
supor que os devedores eram pessoas pobres que se endividaram para garantir o
pão cotidiano. A revisão nas contas prova que o administrador fez uma opção
clara: escolheu o lado dos mais fracos, os endividados, tornando-se amigo deles
(cf. v. 9). Muitos intérpretes, sem base alguma nas linhas e entrelinhas da
parábola, dizem que o administrador com os supostos descontos de cinquenta por
cento para um e vinte para o outro, estava apenas abrindo mão da sua desonesta
comissão. Mas não há fundamentos claros nem na parábola e nem nos versículos
explicativos que a seguem (vv. 9-13).
No final, até mesmo o patrão elogiou o
administrador: “E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu
com esperteza” (v. 8a). Na verdade, bem mais que esperteza, o termo que Lucas
utiliza equivale a prudência (em grego: φρονίμως = fronímos). Daí, também a observação conclusiva
de Jesus, na segunda parte do versículo: “Com efeito, os filhos deste mundo são
mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz” (v. 8b). A expressão
“filhos da luz” designa aqui, obviamente, os membros da comunidade cristã;
Jesus está denunciando que falta empenho e compromisso na edificação do Reino.
Se os cristãos e cristãs se empenhassem na construção do Reino com o mesmo
afinco com que os homens de negócios se empenham na obtenção de suas vantagens,
o mundo seria diferente, com certeza. Não é um convite ao uso de práticas
desonestas, obviamente, mas ao esforço contínuo para fazer o Reino de Deus
acontecer.
As sentenças que seguem à parábola são de caráter
sapiencial e visam elucidar e reforçar o seu sentido, como acenamos na
introdução. Na primeira delas, chama a atenção a recomendação de Jesus: “E eu
vos digo: usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois quando acabar, eles
vos receberão nas moradas eternas” (v. 9). Para Jesus, o dinheiro é sempre
injusto porque através dele as pessoas se apossam do que deve pertencer a
todos, os bens da criação, gerando divisão entre pobres e ricos, o que não
corresponde aos planos de Deus que criou o mundo para a igualdade e a
fraternidade. A palavra grega que o evangelista emprega como correspondente a
dinheiro (μαμωνα –
mamona) era também o
título de uma divindade cananéia, a quem se atribuíam a
prosperidade e o enriquecimento, o que justifica a denúncia de Jesus e do evangelista de que o dinheiro é fonte de idolatria; porém, na impossibilidade de
viver sem ele, que ao menos seja utilizado para coisas boas em favor do
próximo. Assim, Jesus eleva a amizade à dignidade de mandamento na sua
comunidade. É claro que Jesus não concebe a amizade como algo que possa ser
comprado; apenas recomenda que tudo o que o ser humano disponha deve ser usado
em prol de relações sinceras e amorosas com Deus e com o próximo. O
administrador foi solidário com os endividados, usando o dinheiro injusto para
fazer amigos, ou seja, preferiu bens que não passam, e a amizade é um destes
bens eternos, ao aumento dos lucros do seu patrão.
A sequência das sentenças reforça a necessidade de
uma característica imprescindível no discipulado, a fidelidade: “Quem é fiel
nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas
também é injusto nas grandes. Por isso, se vós não sois fiéis no uso do
dinheiro injusto, quem vos confiará o verdadeiro bem? E se não sois fiéis no
que é dos outros, quem vos dará aquilo que é vosso?” (vv. 10-12). Talvez essa
seja a parte mais lógica e óbvia de todo o texto. A fidelidade nas coisas de pouco
valor habilita o ser humano a ser fiel também em coisas maiores. Fidelidade a
Deus significa, na visão de Jesus, estar do lado dos pobres e necessitados,
opção feita pelo administrador da parábola quando preferiu amenizar a situação
dos endividados ao invés de aumentar os lucros do patrão.
Para concluir, juntemos algumas peças na montagem
do “quadro” pintado por Lucas: o administrador foi “acusado de esbanjar os bens
do patrão” (v. 1b) e chamado de desonesto somente pelo próprio patrão (v. 8a).
Esse dado é muito importante para compreendermos a diferença dos pontos de
vista. A visão do patrão era meramente acumulativa, pensava somente em lucros
e, à medida em que o administrador diminuísse seus lucros no repasse dos bens
administrados, não poderia ser acusado de outra coisa senão de desonestidade.
Mas, a lógica do patrão é contrária à lógica do Reino. O projeto do Reino de
Deus é incompatível com a lógica do acúmulo e do mercado. Diante dessa
incompatibilidade, o ser humano é obrigado a tomar uma decisão e optar por um
ou outro, como fica claro no último versículo: “Ninguém pode servir a dois
senhores; porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará
o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (v. 13). Por incrível que
pareça, o administrador, aparentemente, desonesto, acaba sendo o exemplo de
quem levou a sério esse ensinamento e escolheu um único senhor, diante das duas
opções: ajudando seu patrão no acúmulo, estaria servindo ao dinheiro; como
preferiu ajudar aos pobres endividados, escolheu servir a Deus.
Dia 21
A
existência humana pode ser comparada a um livro, cuja introdução vem pronta no
momento do nascimento.
Quando
ainda são crianças, os primeiros capítulos são escritos pelos pais e
educadores.
Com o
passar dos anos, cada um deve assumir a autoria da própria história.
No
entanto, ficar preso ao passado significa permanecer na introdução, sem passar
para o próximo capítulo.
Por isso,
abra o livro de sua vida e veja em que página e capítulo você está.
Seja você
mesmo o autor do livro da própria vida!
“Eu te
farei sábio, eu te indicarei o caminho a seguir; com os olhos sobre ti, te
darei conselho”. (Sl 32[31],8)



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