30 março - Se São José não concedesse graças, não seria mais São José. (S 173). São José Marello
Lucas 15,1-3.11-32 30 mar 2025
Naquele
tempo, os publicanos e pecadores aproximaram-se de Jesus para o escutar. Os
fariseus, porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus: “Este homem acolhe os
pecadores e faz refeição com eles”. Então Jesus contou-lhes esta parábola: “Um
homem tinha dois filhos. O filho mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da
herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, o
filho mais novo juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali
esbanjou tudo numa vida desenfreada. Quando tinha gasto tudo o que possuía,
houve uma grande fome naquela região, e ele começou a passar necessidade. Então
foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou para seu campo cuidar dos
porcos. 16O rapaz queira matar a fome com a comida que os porcos
comiam, mas nem isto lhe davam. Então caiu em si e disse: ‘Quantos empregados
do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome’. Vou-me embora,
vou voltar para meu pai e dizer-lhe: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti; já
não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’.
Então ele partiu e voltou para seu pai. Quando ainda estava longe, seu pai o
avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de
beijos. O filho, então, lhe disse: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti. Já não
mereço ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos empregados: ‘Trazei depressa
a melhor túnica para vestir meu filho. E colocai um anel no seu dedo e
sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete.
Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi
encontrado’. E começaram a festa. O filho mais velho estava no campo. Ao
voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de dança. 26Então
chamou um dos criados e perguntou o que estava acontecendo. O criado respondeu:
‘É teu irmão que voltou. Teu pai matou o novilho gordo, porque o recuperou com
saúde’. Mas ele ficou com raiva e não queria entrar. O pai, saindo, insistia
com ele. Ele, porém, respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti há tantos anos,
jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu
festejar com meus amigos. Quando chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens
com prostitutas, matas para ele o novilho cevado’. Então o pai lhe disse:
‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso
festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver;
estava perdido, e foi encontrado”’
Com o afunilamento do tempo quaresmal, o tema da
necessidade de conversão também se aprofunda. Aqui, é importante recordar que a
primeira necessidade de conversão diz respeito à imagem e à concepção de Deus.
A verdadeira conversão, em seu sentido mais profundo, enquanto mudança radical
de mentalidade é, sobretudo, a aceitação de um Deus que é pai, cheio de
misericórdia e amor, deixando de lado a imagem de um Deus patrão e vingativo
que faz distinção de pessoas. A parábola de hoje visa exatamente isso:
apresentar uma nova imagem de Deus, bem diferente daquela que os adversários de
Jesus, fariseus e mestres da lei, tinham em mente. O tema é tão importante, que
Jesus conta três parábolas seguidas, denominadas “parábolas da misericórdia”,
ocupando um capítulo inteiro, o que justifica, ainda mais, que Lucas é mesmo o
evangelho da misericórdia: “parábola da ovelha perdida e reencontrada” (cf. Lc
15,4-7), “parábola da moeda perdida e reencontrada” (cf. Lc 15,8-10), e a do
“pai e os dois filhos”. O ideal é lê-las em conjunto, e a liturgia deste ano
nos dará essa oportunidade no vigésimo quarto domingo do tempo comum. Hoje, nos
interessa somente a terceira parábola. Pela sua dimensão, não comentaremos cada
versículo; procuramos colher a mensagem central, embora seja imprescindível
comentar alguns versículos específicos.
O contexto é dado pelo próprio texto em sua
introdução, correspondente aos dois primeiros versículos: “Os
publicanos e os pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar. Os fariseus,
porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus: ‘Este homem acolhe os pecadores e
faz refeição com eles’” (vv. 1-2). Jesus está diante de dois grupos
bem distintos entre si: pessoas de má reputação (publicanos e pecadores), e
pessoas religiosas e fiéis (fariseus e mestres da lei); um grupo se destacava
pelo mau exemplo, e o outro pelo comportamento exemplar. Esses grupos também se
distinguem pelas atitudes opostas diante de Jesus: um a escuta, e outro o
critica. Os “publicanos e pecadores”, como síntese de todas as pessoas
rejeitadas, sobretudo pela religião, se aproximavam de Jesus para escutá-lo
porque, finalmente, tinham encontrado, alguém que os acolhia sem discriminações
nem preconceitos, sem julgamentos, sem apontar o dedo. Isso terminava
comprometendo a reputação de Jesus diante dos representantes e praticantes da
religião oficial, “os fariseus e os mestres da lei”, considerados justos,
devido à fiel obediência aos mandamentos. Esses identificam duas atitudes
reprováveis em Jesus: acolher e comer com os pecadores.
O mais grave no comportamento de Jesus é, sem
dúvidas, fazer refeição com os considerados pecadores; comer junto significa
entrar em comunhão; no mundo antigo oriental, as refeições eram servidas em um
único prato, que poderia ser colocado no centro da mesa, de onde todos se
serviam, ou poderia ir passando de mão em mão, entre os convivas. Logo, se
tivesse pessoas consideradas impuras na mesa, todos se contaminavam. Por isso,
o comportamento de Jesus era considerado herético pelos fiéis cumpridores dos
mandamentos, defensores fiéis da moral e dos bons costumes na época. Assim,
identificamos, de imediato, os destinatários primeiros da parábola: os
fariseus e os mestres da lei. Esses, embora fossem considerados justos,
reconhecidos pelo comportamento exemplar eram, para Jesus, os primeiros
necessitados de conversão.
A parábola inicia com um dado que já identifica que
o título de “filho pródigo” não é apropriado: “Um homem tinha dois
filhos” (v. 11); esse versículo é o verdadeiro título. Com esse dado,
o evangelista já sinaliza que vai apresentar uma relação polêmica: quase
sempre, as histórias bíblicas que envolvem dois filhos (irmãos) são
conflituosas: Caim e Abel, Isaac e Ismael; Esaú e Jacó, Marta e Maria (cf. Lc
10,38-42). O grande drama desse homem, na verdade, é ter dois filhos que não se
sentem irmãos. Pelas linhas e entrelinhas, a parábola mostra que nenhum dos
dois filhos viviam uma relação de amor com o pai, nem entre si; antes, ambos o
consideravam um patrão; o mais novo, bem mais ousado, toma uma decisão
inusitada: “O filho mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da
herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles” (v. 12).
Embora não fosse comum para o mundo judeu, era possível que a herança fosse
dividida com o pai ainda em vida. Porém, isso significava o rompimento total
das relações: era como se o filho morresse para o pai e vice-versa. De acordo
com a lei, ao filho mais novo correspondia somente um terço da herança,
enquanto dois terços pertenciam ao primogênito (cf. Dt 21,17).
Além de se desligar da família, o filho mais novo
rompe também com os laços culturais e religiosos, indo para “um lugar distante”
(cf. v 13). Logo, aparece o primeiro traço que identifica o pai da parábola com
o Deus-Pai de Jesus: a concessão da liberdade aos filhos. O pai poderia opor-se
ao filho, impedindo sua partida ou negando a herança. O filho experimenta a
liberdade, mas não mede as consequências de suas escolhas e, com o tempo, sente
os efeitos dessas (cf. v. 14). A sua degradação chega ao ápice: se torna,
praticamente, escravo de um estrangeiro, submetendo-se a cuidar de porcos (cf.
v. 15); ora, o porco era um animal impuro para os judeus; cuidar desses animais
era uma verdadeira humilhação. Passando fome, tem vontade de comer, mas não tem
direito sequer à comida dos porcos (cf. v. 16). O reconhecimento da situação de
completa penúria e degradação, leva o filho mais novo a uma reflexão seguida de
uma decisão: Então caiu em si e disse: ‘Quantos empregados do meu
pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. Vou-me embora, vou voltar
para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti; Já não mereço
ser chamado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados’” (vv.
17-19). Aqui, não temos nenhum sinal de conversão, ao contrário do que afirmam
as interpretações mais tradicionais. Por isso, é inadequado o uso dessa
passagem para fundamentar o sacramento da confissão (reconciliação). As
motivações para a reflexão e decisão do rapaz voltar para casa foram meramente
materiais: ele não sentiu falta do amor do pai, mas da mesa farta. Por isso,
não pensa em reconquistar a dignidade de filho, mas a oportunidade de ser seu
escravo, pois até aos escravos, o seu pai trata dignamente.
A decisão do retorno do filho, embora não seja
ainda uma conversão, é um primeiro passo. Certamente, houve conversão, não
tenhamos dúvida; mas essa aconteceu devido à acolhida que o pai
proporcionou: “Quando ele ainda estava longe, seu pai o avistou e
sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o, e cobriu-o de beijos” (v.
20). A misericórdia e o amor de Deus precedem à conversão. Só se converte
verdadeiramente quem se sente abraçado e beijado por um pai assim. O filho faz
a sua declaração-confissão (v. 21), mas essa já não tem efeito; ele foi amado e
perdoado antes. O pai não pede garantia de arrependimento nem promessa de bom
comportamento no futuro; para ele, não importa o que o filho fez, nem o que
disse; importa apenas que esteja na sua presença, sentindo seu abraço. O pai
tem pressa em restituir a dignidade do filho e festejar o seu retorno: “O
pai disse a um dos empregados: ‘Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu
filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho
gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e
tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’. E começaram a festa” (vv.
22-24). Túnica, anel e sandália são sinais de dignidade e representam a
condição de filho reconquistada. O banquete com o novilho gordo é sinal de
grande festa e alegria.
Se a parábola fosse mesmo do “filho pródigo”,
poderia ser concluída aqui no versículo 24. De fato, esse versículo constitui o
ápice do ensinamento: a passagem da morte para a vida e do perdido para o
encontrado; essa dinâmica resume a missão e a vida de Jesus. Por isso, termina
em banquete. Assim, Jesus justifica aos seus interlocutores, fariseus e mestres
da lei, o seu comportamento e acolhida para com os pecadores e publicanos,
considerados casos perdidos pelos mais devotos judeus. A misericórdia infinita
do Pai já foi mostrada até aqui, quer dizer, o que Deus tem a oferecer a seus
filhos. Mas Jesus quer ensinar mais; não basta sabermos que Deus é Pai; é
preciso vivermos como irmãos. Por isso, a segunda parte da parábola visa o
restabelecimento da fraternidade, a começar pela denúncia e superação da
autossuficiência e do orgulho dos fariseus e mestres da lei, representados na
parábola pelo filho mais velho: “O filho mais velho estava no campo. Ao
voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de dança” (v. 25). A
presença do filho mais velho no campo significa que ele estava cumprindo seus
deveres; é a imagem dos fariseus cumprindo minuciosamente as prescrições da
lei; para esses, qualquer comportamento diferente é inaceitável. A lei, como
obrigação, é privada de alegria, por isso, o som da música, sinal de festa, o
incomoda.
Curioso, mas precavido, o filho mais velho não
enfrenta diretamente a situação, talvez com medo de se contaminar, como os
fariseus. Pede informações a um dos criados (cf. v. 26), o qual lhe deixa à par
da situação: “É teu irmão que voltou. Teu pai matou o novilho gordo,
porque o recuperou com saúde” (v. 27). Ao invés de se alegrar, o filho
mais velho fica com raiva, o que faz o Pai sair em sua procura (cf. v. 28). É
importante como Jesus e o evangelista reforçam os traços do Pai: ele sai em
busca de todos, pois a sua casa pertence a todos os seus filhos. A queixa do
filho mais velho diante do Pai é de quem vivia uma relação retributiva, baseada
no mérito: “Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a
qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus
amigos. Quando chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens com prostitutas,
matas para ele o novilho cevado” (vv. 29-30). Além da presunção em
reivindicar seus méritos (trabalhar tanto!), ainda denuncia os erros do outro.
Essa é a imagem de quem não se sente filho de Deus, mas servo. Quem não se
sente filho, tem dificuldade de reconhecer o outro como irmão, por isso, o
filho mais velho chama o mais novo apenas de “esse teu filho”; é a mesma
postura dos fariseus e mestres da lei que não se conformam porque Jesus acolhe
os pecadores e come com eles (cf. v. 1-2).
Assim como Pai deu liberdade para o filho mais novo
ir embora, também não obriga o filho mais velho a entrar na festa; apenas deixa
claro que suas relações são livres e gratuitas, não considera o mérito mas
apenas a disposição de deixar-se abraçar por ele, mostrando que tudo o que é
seu é também de quem se sente ou quer ser filho seu: “Então o pai lhe
disse: “Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu” (v.
31). Sempre que alguém decide retornar para sua casa, a recepção será festiva,
porque é uma verdadeira ressurreição: “Mas era preciso festejar e
alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava
perdido e foi encontrado” (v. 32). O evangelista deixa a parábola
aberta, sem conclusão.
Não diz se o filho mais velho entrou na festa, se
reconheceu o outro filho como irmão. O evangelista quis mostrar, partindo do
auditório de Jesus e da sua comunidade, que a conversão é uma necessidade
constante de cada um e cada uma sendo que, muitas vezes, quem mais necessita é
quem se sente mais justo e perfeito. Por isso, a interpretação mais comum hoje
em dia é que nessa parábola o Pai é Deus, indiscutivelmente, Israel (os judeus)
é o filho mais velho, o qual tem dificuldade de aceitar os pagãos e pecadores
na comunidade, e o filho mais novo é a imagem dos pagãos e pecadores que a
comunidade cristã deve acolher sem distinção e sem obriga-los a observar a
Torá.
Como nenhum dos dois filhos correspondem ou
corresponderam ao amor do Pai, o evangelista convida o leitor e a leitora a ser
um terceiro filho, capaz de aprender dos erros e acertos dos dois da parábola,
sobretudo na concepção da imagem de Deus-Pai: alguém que acolhe a todos,
independentemente de onde vem e do que fez. É dessa síntese de pagãos e judeus
que Lucas construirá a primeira imagem do cristianismo em sua segunda obra
(Atos dos Apóstolos).
Sempre é
bom recomeçar!
Em vez de
procurar desculpas para os erros e fracassos, reflita e siga em frente.
Quando se
lastima, o maior prejudicado é você mesmo.
Quem se
esforça e persevera consegue superar os limites e atinge as metas a que se
propôs.
À medida
que têm perseverança, todos amadurecem.
“No entanto, qualquer que seja o ponto a que
tenhamos chagado, continuemos na mesma direção”. (Fl 3,16).
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