23 março - Que o nosso Santo Patriarca obtenha de Deus para
todos, as graças mais necessárias. (L 205).
São José marello
Leitura do santo Evangelho segundo São Lucas 13,1-9
"Naquela mesma ocasião algumas pessoas chegaram e começaram a comentar com Jesus como Pilatos havia mandado matar vários galileus, no momento em que eles ofereciam sacrifícios a Deus. Então Jesus disse:
- Vocês pensam que, se aqueles galileus foram
mortos desse jeito, isso quer dizer que eles pecaram mais do que os outros
galileus? De modo nenhum! Eu afirmo a vocês que, se não se arrependerem dos
seus pecados, todos vocês vão morrer como eles morreram. E lembrem daqueles
dezoito, do bairro de Siloé, que foram mortos quando a torre caiu em cima
deles. Vocês pensam que eles eram piores do que os outros que moravam em
Jerusalém? De modo nenhum! Eu afirmo a vocês que, se não se arrependerem dos
seus pecados, todos vocês vão morrer como eles morreram.
Então Jesus contou esta parábola:
- Certo homem tinha uma figueira na sua
plantação de uvas. E, quando foi procurar figos, não encontrou nenhum. Aí disse
ao homem que tomava conta da plantação: "Olhe! Já faz três anos seguidos
que venho buscar figos nesta figueira e não encontro nenhum. Corte esta
figueira! Por que deixá-la continuar tirando a força da terra sem produzir
nada?" Mas o empregado respondeu: "Patrão, deixe a figueira ficar
mais este ano. Eu vou afofar a terra em volta dela e pôr bastante adubo. Se no
ano que vem ela der figos, muito bem. Se não der, então mande cortá-la.""
Enquanto nos dois primeiros domingos da quaresma a
liturgia apresentou episódios comuns aos três evangelhos sinóticos (Mateus,
Marcos e Lucas), as tentações e a transfiguração, respectivamente, o episódio
relatado no evangelho deste terceiro domingo é exclusivo de Lucas – 13,1-9. Com
esse texto, a liturgia evidencia o tema principal da espiritualidade quaresmal:
a necessidade de conversão. Como esse tema não fora tratado diretamente nos
evangelhos dos dois primeiros domingos, podemos dizer que somente hoje a
liturgia dominical da quaresma encontra seu foco principal. Assim, é correto
afirmar que o primeiro e o segundo domingo foram introduções que nos ajudaram a
conhecer a identidade de Jesus como Filho de Deus para, de agora em diante,
ouvirmos o que Ele tem a nos dizer, conforme as palavras do próprio Deus, o
Pai, no evangelho do domingo passado: “Este é o meu Filho, o Escolhido.
Escutai o que Ele diz!” (Lc 9,35). Hoje, especificamente, Ele diz que
todos têm necessidade de conversão e de produzir frutos.
Como sempre, é necessário contextualizar, ou seja,
situar o texto no conjunto do Evangelho, para termos uma compreensão mais
adequada do mesmo. Lc 13,1-9 faz parte da grande seção da viagem de Jesus com
seus discípulos para Jerusalém; essa é maior seção do terceiro evangelho (Lc
9,51 – 19,27); enquanto caminha, Jesus ensina, cura, reza, interage com as
pessoas, independente da condição social, entra em conflitos e aprofunda a
formação dos seus discípulos. O texto de hoje está inserido numa sequência de
ensinamentos após um dos tantos conflitos com os fariseus e mestres da lei (cf.
Lc 11,53; 12,1). Após sair da casa de um fariseu, onde tinha almoçado (cf. Lc
11,37); durante a refeição, aconteceu uma ferrenha disputa com o anfitrião e os
demais convidados; esse encontro acirrou ainda mais os ânimos entre Jesus e os
fariseus. Logo que saiu da casa do fariseu, Jesus chamou a atenção dos
discípulos para terem cuidado com “o fermento dos fariseus” (cf. Lc 12,1).
Certamente, essa é uma das maiores precauções que a comunidade cristã deve ter
em todos os tempos: ter cuidado para não reproduzir aquilo que Jesus reprovou e
condenou em seus tradicionais adversários, sobretudo a concepção de Deus. O
evangelho de hoje ajuda a evitar isso.
Eis o texto: “Vieram algumas pessoas
trazendo notícias a Jesus a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado,
misturando seu sangue com o dos sacrifícios que ofereciam” (v. 1).
Jesus estava ensinado às multidões (cf. Lc 12,54), e dá a impressão de ter sido
interrompido por algumas pessoas. Como um bom mestre e catequista, Jesus não
monopolizava a palavra quando ensinava; dava espaço para os ouvintes fazerem
observações, perguntas, e até críticas; Ele sabia ouvir. Aqui, Lucas mostra uma
de suas grandes habilidades: dosar história com teologia; as pessoas que
interagem com Jesus trazem notícias de um fato histórico, certamente, embora
não haja registro em outras fontes. Pilatos era conhecido pela crueldade;
gostava de humilhar o povo judeu e não perdia uma oportunidade para mostrar a
força do império romano. A notícia é de um fato chocante, não apenas pela
matança dos galileus, mas pelo contexto: provavelmente, foram mortos na páscoa
e nas dependências do templo; é o que se deduz da expressão “misturando
seu sangue com o dos sacrifícios”. Portanto, uma cena abominável.
Somente
os sacerdotes podiam imolar os animais e oferecer os sacrifícios no templo;
porém, na semana da páscoa, abria-se uma exceção, devido ao grande número de
peregrinos oferentes. Assim, os próprios peregrinos eram autorizados a realizar
os sacrifícios, pois o número de sacerdotes não era suficiente. Sendo a páscoa
a memória do êxodo e, por isso, uma festa da libertação, essa se tornava um
momento propício para motins e movimentos libertários de grupos inconformados
com a dupla exploração: a romana e a religiosa. É muito provável que essa
matança de Pilatos tenha sido repressão a um desses movimentos. Na época, a
sede do procurador romano da Judeia era a cidade de Cesareia, mas durante a
páscoa, esse se transferia para Jerusalém, levando todo o seu aparato militar,
com uma dupla finalidade: conter, através da repressão, qualquer revolta
popular e, principalmente, humilhar os judeus, mostrando que eles não eram
livres, pois imperador romano mandava neles. O termo “galileus” não designava
apenas os habitantes da Galileia, mas era uma expressão pejorativa, designando
as pessoas rebeldes, de um modo geral. Isso porque era na Galileia onde mais
surgiam movimentos revolucionários, o que contribuía para o movimento de Jesus
ser visto com desconfiança pelas autoridades, desde o seu início.
Embora
o texto não cite, supõe-se que a notícia da tragédia provocada por Pilatos
tenha sido seguida de perguntas sobre o acontecimento e os envolvidos; é o que
deduzimos pela sequência da narrativa: “Jesus lhes respondeu: ‘Vós
pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus,
por terem sofrido tal coisa?” (v. 2). As causas de qualquer catástrofe
eram atribuídas ao pecado. Predominava a teologia da retribuição: a ideia de um
Deus que punia os pecadores com terríveis castigos, e premiava os bons, o que
Jesus vai corrigir: “Eu vos digo que não. Mas se vós não vos
converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo” (v. 3). Os galileus
não foram assassinados por serem pecadores, mas porque Pilatos era, de fato,
cruel. Assim, Jesus corrige uma falsa concepção de Deus, e o evangelista faz
uma chamada de atenção para a sua comunidade não promover divisões ilusórias
entre as pessoas “boas” e “más”. Todos devem ser acolhidos e a necessidade de
conversão também é para todos.
Para
reforçar seu ensinamento, Jesus recorda outra tragédia acontecida em
Jerusalém: “E aqueles dezoito que morreram, quando a torre de Siloé
caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que todos os outros
moradores de Jerusalém? Eu vos digo que não. Mas, se não vos converterdes,
ireis morrer todos do mesmo modo” (vv. 4-5). Também sobre esse
acontecimento, não há registros históricos que o comprovem com exatidão, mas
estava na memória do povo, e era usado pelos pregadores da época para
reforçarem a falsa concepção de um Deus punitivo. Siloé era um bairro de Jerusalém,
onde se localizava um grande reservatório de água, conhecido na Bíblia como
“piscina de Siloé”; como era uma zona estratégica para a cidade, é quase certa
a construção de uma ou mais torres nessa área. Ao negar a relação entre o
acontecimento trágico e o pecado dos envolvidos, Jesus denuncia, de novo, o uso
da religião para inculcar medo nas pessoas.
Na
conclusão, diz Lucas que Jesus contou uma pequena parábola para ilustrar o que
estava ensinando e, ao mesmo tempo, provocar os seus interlocutores. O
evangelista faz essa recordação também para tranquilizar a sua comunidade,
mostrando a paciência de Deus diante da resistência do ser humano no processo
lento de mudança de mentalidade, ou seja, de conversão; e também como
advertência diante das frequentes distorções da imagem de Deus e do risco de
esterilidade na comunidade. Eis a parábola: “Certo homem tinha uma
figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou.
Então disse ao vinhateiro: ‘Já faz três anos que venho procurando figos nesta
figueira e nada encontro. Corta-a! Porque está inutilizando a terra?” (vv.
6-7). A imagem da figueira é clássica na cultura bíblica; inclusive, é a
primeira árvore identificada pelo nome na Bíblia: segundo Gn 3,7, “Quando
Adão e Eva perceberam que estavam nus, se cobriram com folhas de
figueira”. Junto com a videira, a figueira é bastante citada na
literatura profética como imagem do povo de Israel e suas instituições
religiosas (cf. Os 2,14; Jer 5,17; Mq 7,1); Lucas, bom conhecedor dessa
tradição, utiliza as duas imagens ao mesmo tempo: a figueira está plantada na
vinha. Ao falar de uma figueira estéril, Jesus denuncia a situação de
esterilidade da religião judaica na sua época e Lucas adverte a sua comunidade
e seus leitores de todas as épocas.
Como
são poucos, os personagens da parábola são facilmente identificáveis: o dono da
vinha onde a figueira está plantada é Deus, e o vinhateiro é o próprio Jesus.
Num primeiro momento, Jesus apresenta o proprietário com as características do
Deus que os judeus imaginavam: alguém que vem para acertar as contas e disposto
a castigar, cortando a figueira. Mas Jesus faz isso por ironia, denunciando que
se Deus fosse mesmo como a religião pregava, todos já teriam perecido, pois
eram completamente estéreis. No segundo momento, Jesus mostra a intercessão do
vinhateiro junto ao proprietário e, assim, a verdadeira face de Deus, um Deus
que escuta: “Ele, porém, respondeu: ‘Senhor, deixa a figueira ainda
este ano. Vou cavar em volto dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar
fruto. Se não der, então tu a cortarás” (vv. 8-9). O pedido para a
figueira ficar mais um ano é a oportunidade dada à humanidade de ouvir a
Boa-Nova de Jesus. Com isso, o evangelista remete ao início da missão de Jesus,
quando disse que ele veio anunciar “um ano da graça do Senhor” (cf.
Lc 4,19); não se trata de um ano cronológico, mas de um tempo favorável e
propício para a libertação.
Com
essa parábola, Jesus se opõe ainda mais à teologia tradicional, se
distanciando, inclusive da pregação de João Batista, o seu mentor; ora, a
paciência com a figueira estéril contradiz a pregação de João, o qual tinha
dito que, com a chegada do messias, “toda árvore que não produzir fruto
será cortada e queimada” (cf. Lc 3,9). Jesus mostra o contrário: não
veio para cortar árvores infrutíferas, mas para adubá-las e fazê-las produzir.
Embora denunciador, o evangelho de hoje é, muito mais, portador de esperança. O
ser humano tem sempre diante de si “mais um ano”, porque Deus não desiste dele.
Porém, sabendo dos riscos das fatalidades da vida, os dois casos citados no
início são uma prova e servem de alerta: a conversão é uma necessidade urgente
e inadiável, pois dela depende a construção do Reino. Deus dá todo o tempo, mas
o ser humano não conhece a durabilidade desse tempo. Por isso, é urgente
aproveitar esse “ano a mais”.
A
parábola não tem conclusão: ninguém sabe se a figueira produziu figos ou se
continuou estéril. A conclusão, na verdade, deve ser a vida de cada um e cada
uma, entre ouvintes de Jesus e leitores do Evangelho segundo Lucas. O objetivo
de Jesus e do evangelista foi provocar a reflexão em cada pessoa sobre si
mesma. Cada um e cada uma sabe e conhece seus frutos, bem como a necessidade de
ser “adubado” (a) pelo Evangelho. Havia entre os interlocutores de Jesus, e
também na comunidade de Lucas, a tendência de separar os “bons” e os “maus”,
reforçando a errônea concepção de um Deus que premia ou castiga. Com o exemplo
do vinhateiro, Jesus anuncia a misericórdia desse Deus, mas reforça a
necessidade de conversão: o “ano a mais” é a oportunidade que o ser humano tem
a cada dia de dar sentido à sua vida, assimilando os ensinamentos do Evangelho,
pautando a sua vida no amor, na justiça e na solidariedade; são esses os frutos
que ele espera de cada um e cada uma, e o que é necessário para a construção do
Reino de Deus.
Dia 23
Procure
acompanhar as mudanças pelas quais o mundo passa.
Não pare
no tempo.
É
importante atualizar-se, ler, participar de cursos, pesquisar, descobrir,
avaliar.
Siga
sempre em frente em sua jornada.
Seja
sempre receptivo às mudanças que surgirem.
“Não vos
conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando vossa maneira de
pensar e julgar, para que possais distinguir o que é da vontade de Deus, a
saber, o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito”. (Rm 12,2).
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