28 dezembro - Peçamos aos Santos Inocentes para que nos alcancem a graça de padecer aquele martírio lento, de cada dia, que nos causa o amor próprio ferido. (S 196). São José Marello
Mateus 2,13-15.19-23
13Depois que os magos partiram, o Anjo do Senhor apareceu em sonho
a José e lhe disse: “Levanta-te, pega o menino e sua mãe e foge para o Egito!
Fica lá até que eu te avise! Porque Herodes vai procurar o menino para
matá-lo”.
14José levantou-se de noite, pegou o menino e sua mãe, e partiu
para o Egito.
15Ali ficou até a morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor
havia dito pelo profeta: “Do Egito chamei o meu Filho”.
19Quando Herodes morreu, o anjo do Senhor apareceu em sonho a
José, no Egito, 20e lhe disse: “Levanta-te, pega o menino e sua mãe, e volta para
a terra de Israel; pois aqueles que procuravam matar o menino já estão mortos”.
21José levantou-se, pegou o menino e sua mãe, e entrou na terra de
Israel. 22Mas, quando soube que Arquelau reinava na Judeia, no lugar de
seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Por isso, depois de receber um aviso
em sonho, José retirou-se para a região da Galileia, 23e foi morar numa cidade
chamada Nazaré. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelos profetas:
“Ele será chamado Nazareno”.
Reflexão para Festa da Sagrada
Família - Mateus 2,13-15.19-23 28 dez 2025
Na continuidade da oitava do Natal, a Igreja celebra neste domingo a festa da Sagrada Família. Por estarmos vivenciando o “ano A” do ciclo litúrgico, o texto evangélico é retirado de Mateus, especificamente da parte introdutória que convencionalmente chamamos de “evangelho da infância”, correspondente aos dois primeiros capítulos, os quais funcionam como introdução e síntese de todo o seu Evangelho, como acontece também com o Evangelho de Lucas. O trecho lido hoje – Mt 2,13-15.19-23 – contém dois episódios, bastante conexos entre si: a fuga de José, Jesus e sua mãe para o Egito (vv. 13-15), e o respectivo retorno dos três (vv. 19-23). Como se vê, a liturgia preferiu saltar alguns versículos entre os dois episódios (vv. 16-18), correspondentes ao relato da matança dos inocentes a mando de Herodes, o que foi o motivo da fuga de José com o menino e a mãe para o Egito.
De todos os evangelistas, Mateus é aquele que mais
recorre ao Antigo Testamento para construir a sua “história de Jesus”,
empregando, inclusive, os métodos de interpretação usados pelos rabinos do seu
tempo, embora com uma finalidade diferente. Os rabinos ligados ao judaísmo
oficial usavam passagens do Antigo Testamento para negar que Jesus fosse o
Messias e Filho de Deus. Mateus, por sua vez, buscava passagens para confirmar
e afirmar Jesus como o Messias, procurando constantemente colocá-lo em paralelo
com os principais personagens da história de Israel, principalmente com Moisés.
Insiste em apresentar Jesus como o messias anunciado e prometido pelos
profetas. Isso acontece em todo o seu Evangelho, mas com mais intensidade no
“evangelho da infância” (cc. 1 – 2). O trecho lido hoje é uma clara
demonstração disso.
A principal motivação para o evangelista fazer isso
foi a realidade e a composição das suas comunidades, formadas predominantemente
por cristãos que tinham saído do judaísmo e necessitavam de provas
escriturísticas de que Jesus era mesmo o Messias esperado e Filho de Deus. Na
época da redação do Evangelho, essas comunidades também viviam um período muito
difícil, perseguidas pelo império romano e o judaísmo oficial. Para
fortalecê-las, o evangelista apresenta Jesus sendo perseguido desde os seus
primeiros dias de vida, como mostra o evangelho de hoje, um aspecto que Lucas
não enfatiza em seu relato da infância.
Feita a introdução contextualizada, olhemos para o
texto: “Depois que os magos partiram, o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José
e lhe disse” (v. 13a). Temos novamente a figura do Anjo que aparece em sonho a
José; o mesmo tinha acontecido quando ele descobriu a gravidez de Maria e
pensava abandoná-la em segredo (cf. Mt 1,19). A expressão “Anjo do Senhor” é
uma forma suavizada para falar de Deus mesmo. Como a mentalidade hebraica
concebia Deus como alguém muito distante e o ser humano incapaz de comunicar-se
com ele, usava-se a imagem de um ser intermediário, como um anjo. Já o sonho,
na mentalidade bíblica, e sobretudo em Mateus, significa a disposição interior
para compreender a vontade de Deus e colocá-la em prática. O evangelista aproveita
a ocasião também para fazer um paralelo entre o esposo de Maria e o patriarca
José, o penúltimo filho de Jacó, habilidoso em sonhar e interpretar sonhos, de
acordo com o livro do Gênesis (Gn 37; 40 – 41), o qual também salvou a vida dos
descendentes de Israel, levando-os para o Egito numa época de carestia.
Através do anjo, o Senhor dá uma ordem a José:
“Levanta-te, pega o menino e sua mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te
avise! Porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo” (v. 13b). A primeira
informação evidenciada aqui é a proteção constante de Deus na vida de Jesus,
sendo também uma antecipação do seu ministério como oposição ao poder
estabelecido. O evangelista está alertando que, desde o início, Jesus e seu
projeto libertador são insuportáveis para todo e qualquer sistema de dominação
sustentado pelo uso da força e poderio econômico, causas diretas das principais
injustiças. É nítida aqui também a intenção do evangelista de comparar Jesus
com Moisés: ambos, quando ainda eram crianças, foram alvos da fúria de
governantes violentos e injustos; o que Herodes faz é semelhante ao que o faraó
do Egito fez na época de Moisés, ordenando que todos os meninos hebreus fossem
mortos (cf. Ex 1,22 = Mt 2,16). É claro que, além da continuidade, o principal
objetivo do evangelista ao comparar Jesus com os personagens do Antigo
Testamento é demonstrar a sua superioridade. Isso será feito no decorrer de
todo o Evangelho, e teremos a oportunidade de perceber isso ao longo do ano
litúrgico.
Ao longo de todo o seu “evangelho da infância”,
Mateus apresenta José como exemplo de abertura e obediência à vontade de Deus,
constituindo-o como modelo antecipado de discípulo. Por isso, à recomendação do
anjo, temos a imediata resposta de José: “José levantou-se de noite, pegou o
menino e sua mãe, e partiu para o Egito” (v. 14). Os verbos “levantar-se”,
“pegar (o mesmo que ‘tomar consigo’)” e “partir/entrar”, que formam um refrão
neste texto (vv. 13-14.20-21), tanto como ordem do anjo quanto como execução da
parte de José, conforme indica o narrador, são aqui uma síntese do discipulado
de Jesus, e fazem deste trecho um verdadeiro tratado missionário. Mesmo sem
dizer uma única palavra, José é aqui apresentado como autêntico e fiel
discípulo missionário: o seu agir é todo conforme a Palavra de Deus. Na
recomendação do anjo e no cumprimento por José é delineado também um
ordenamento para a comunidade: Jesus, o menino, está sempre no centro: José – o
menino – a mãe. José e a mãe, cujo nome não vem aqui mencionado, são aqui as
imagens do antigo Israel que converge para Jesus, e também a imagem da
comunidade cristã que será construída no decorrer do Evangelho. Eles só se
inserem na história da salvação em função de Jesus. Logo, no centro de uma
comunidade não pode estar outro senão Jesus Cristo.
Para a conclusão do primeiro episódio, o
evangelista insere uma citação do profeta Oséias (Os 11,1): “Ali ficou até a
morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: ‘Do
Egito chamei o meu Filho’” (15). A morte de Herodes é o evento demarcatório de
que o perigo diminuiu, pelo menos por enquanto, pois a sequência do texto
mostrará o contrário. Na maioria das citações explícitas dos profetas, Mateus
diz apenas “para se cumprir o que disse o profeta”; em algumas, nas mais
importantes, como essa, ele diz “para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo
profeta”; assim, ele coloca as palavras na boca de Deus, para demonstrar que
quem chamou Jesus de Filho foi próprio Deus. O Filho ao qual Oséias se refere é
povo de Israel, recordando o êxodo. Aplicada a Jesus, a citação antecipa a
confissão da sua filiação divina para a comunidade de Mateus. O evangelista
afirma aqui a messianidade de Jesus como Filho de Deus, o que será reafirmado
no decorrer do Evangelho, especialmente na cena do batismo (Mt 3,17) e na
confissão de Pedro (Mt 16,16).
Tendo omitido os versículos da “matança dos
inocentes” (vv. 16-18), o texto continua com o dado da morte de Herodes e uma
nova aparição do Anjo do Senhor a José (v. 19), com uma nova ordem:
“Levanta-te, pega o menino e sua mãe, e volta para a terra de Israel; pois
aqueles que procuravam matar o menino já estão mortos” (v. 20). A ordem para
voltarem à terra de Israel, saindo do Egito, alude à ordem de Deus a Moisés,
quando estava refugiado em Madiã: “Vai, volta ao Egito, porque aqueles que
queriam te matar estão mortos” (Ex 4,19). Embora no texto de Mateus o movimento
seja o contrário, ou seja, é do Egito que devem partir, o objetivo é atualizar
a experiência do êxodo. Mesmo sendo José o executor das determinações de Deus
por meio do anjo, é Jesus o motivo de tudo. Assim, o evangelista o apresenta
como o libertador definitivo, não apenas de Israel, mas de toda a humanidade.
Aqui, temos também um elemento novo: antes, era apenas Herodes quem queria
matar Jesus recém-nascido (v. 13); agora, o evangelista diz “aqueles que
procuravam matar”. Portanto, é uma antecipação do complô final formado pelos
poderes político e religioso de Jerusalém, que levará Jesus à cruz.
Novamente, José fez a vontade de Deus. O
evangelista não se cansa de repetir que tudo o que José faz é conforme o dizer
de Deus: “José levantou-se, pegou o menino e sua mãe, e entrou na terra de
Israel” (v. 21). A entrada na terra de Israel é a realização parcial do novo
êxodo, o qual será consumado com a ressurreição. Como o poder dominante usa de
todos os métodos para se perpetuar, a morte de um tirano não significa melhora
na vida do povo. É um poder que passa de pai para filho com os mesmos métodos.
Por isso, mesmo após a morte de Herodes Jesus corria perigo: “Mas quando soube
que Arquelau reinava na Judeia, no lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir
lá. Por isso, depois de receber um aviso em sonho, José retirou-se para a
região da Galileia” (v. 22). Novamente, Deus intervém em favor de Jesus e da
comunidade reunida em seu redor, prefigurada por José e Maria. Deus protege,
mas o ser humano participa da contínua libertação. Em momento algum o
evangelista diz que Deus os transportou de um lugar para outro. Apenas iluminou
com a Palavra. A iniciativa de partir de um lugar para outro foi sempre de
José, ou seja, do agente humano. É assim também que deve fazer a comunidade
cristã: à luz da Palavra, tomar iniciativas de libertação; não repetindo as
práticas do opressor, mas criando e propondo alternativas de vida. A ida dos
três para a desprezada região da Galileia é uma prova disso. É de lá que o
Reino será, posteriormente, anunciado e iniciado por Jesus (cf. Mt 4,14).
Toda a história dramática até aqui apresentada teve
como objetivo principal levar Jesus para Nazaré, ou seja, para as margens: “E
foi morar numa cidade chamada Nazaré. Isso aconteceu para se cumprir o que foi
dito pelos profetas: ‘Ele será chamado Nazareno’” (v. 23). Ora, toda a Galileia
era discriminada pela elite de Israel, sobretudo pela pouca ortodoxia do seu
povo. Inclusive, era chamada de “Galileia dos pagãos” (cf. Mt 4,15). E parece
que Nazaré era a pior das cidades que havia lá. Na verdade, Nazaré era apenas
uma aldeia de menos de quinhentos habitantes; seu nome não é citado uma única
vez no Antigo Testamento. O evangelista se arriscou até a usar uma profecia
“inexistente”, para explicar a ida de Jesus para lá. Nenhum texto do Antigo
Testamento fala de um “nazareno”; já foram feitas várias explicações para esta
referência, mas nenhuma convincente. A maior prova da má fama de Nazaré na
época de Jesus é dada pelo evangelista João: “De Nazaré pode sair coisa boa?”
(Jo 1,46). No entanto, foi lá que Deus escolheu para dar início ao seu Reino.
Assim, o evangelista conclui o seu “evangelho da infância”, delineando a missão
de Jesus e a sua identificação com tudo o que é marginalizado e descartado.
Para Mateus, portanto, é das margens que brota a libertação de toda opressão e
injustiça. Os centros de poder, incluindo o religioso, são sempre ameaça à
liberdade, à justiça e, consequentemente, ao Reino de Deus.
Dia 28
A fé é um
dom, uma graça
de Deus
para cada um de nós.
É crer sem
ver;
e confiar
plenamente em Deus,
entregando
sua vida a seus cuidados.
Fé não é
crer em algo, mas crer
em uma
pessoa: Jesus Cristo.
É
entregar-se a Deus,
sem
limites, sem fronteiras.
É agir de
acordo com o Evangelho,
com o
objetivo de mudar a própria vida.
Enfim, a
verdadeira fé provoca conversão,
que gera
mudança de vida.
Com isso,
o “velho homem”
é deixado
para trás,
para dar
lugar ao “homem novo”
em Cristo
Jesus.
Fé gera
mudança
de vida e
conversão.
“É pela
graça que fostes salvos,
mediante a
fé. E isso não vem de vós:
é dom de
Deus!” (Ef 2,8).



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