24 agosto - Sem fé não pode haver caridade, sem caridade não pode haver nada, absolutamente nada. Portanto: “renovamini spiritu, etc...”: renovemos o nosso espírito a cada dia, a cada hora. (L 9). São José Marello
Leitura do santo Evangelho segundo São Lucas 13,22-30
"Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando na sua viagem para Jerusalém. Alguém perguntou:
- Senhor, são poucos os que vão ser salvos?
Jesus respondeu:
- Façam tudo para entrar pela porta estreita. Pois eu afirmo a vocês que muitos
vão querer entrar, mas não poderão.
- O dono da casa vai se levantar e fechar a porta. Então vocês ficarão do lado
de fora, batendo na porta e dizendo: "Senhor, nos deixe entrar!" E
ele responderá: "Não sei de onde são vocês." Aí vocês dirão:
"Nós comemos e bebemos com o senhor. O senhor ensinou na nossa
cidade." Mas ele responderá: "Não sei de onde são vocês. Afastem-se
de mim, vocês que só fazem o mal." Quando vocês virem Abraão, Isaque, Jacó
e todos os profetas no Reino de Deus e vocês estiverem do lado de fora, então
haverá choro e ranger de dentes de desespero. Muitos virão do Leste e do Oeste,
do Norte e do Sul e vão sentar-se à mesa no Reino de Deus. E os que agora são
os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos."
Neste vigésimo primeiro domingo do tempo
comum, a liturgia retoma a leitura contínua do Evangelho segundo Lucas, após a
pausa para a solenidade da assunção de Nossa Senhora, celebrada no domingo
passado. Desta vez, o contexto é fornecido pelo próprio texto – Lc 13,22-30 –
em seu primeiro versículo, o que torna desnecessária uma contextualização
introdutória como costumamos fazer, uma vez que essa será feita na própria
explicação do texto. Por isso, podemos já olhar diretamente para ele: “Jesus
atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo o caminho para
Jerusalém” (v. 22). Como se vê, o contexto continua sendo o do caminho de Jesus
para Jerusalém, acompanhado por seus discípulos e discípulas. Como o caminho
constitui a seção narrativa mais longa de todo o seu Evangelho (cc. 9 – 19),
Lucas faz questão de recordar esse detalhe para situar o leitor e evitar
possíveis dispersões. Isso revela suas qualidades de um narrador exemplar que
sabe prender a atenção dos seus leitores.
Além de nos situar no contexto, o primeiro
versículo também aponta para a natureza do caminho percorrido por Jesus: se
trata de um itinerário catequético, sobretudo, e não apenas geográfico.
Enquanto caminha, Ele ensina e forma o seu discipulado. Ao dizer que “Jesus
atravessava cidades e povoados ensinando”, o evangelista prefigura a natureza
missionária e itinerante da Igreja, indicando que ela deve estar constantemente
em saída. Enquanto caminhava e ensinava, Jesus se relacionava com as pessoas,
promovia encontros. Seu ensinamento impressionava pelo conteúdo e pela sua
maneira de ensinar, por isso, despertava curiosidade em pessoas anônimas e
desconhecidas que aproveitavam para lhe fazer perguntas. Isso demonstra que
Jesus era uma pessoa acessível e aberta, que escutava a todos, não se deixava
aprisionar por círculos e grupos restritos.
O evangelista diz que “Alguém lhe perguntou:
“Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?” (v. 23). Certamente, a
pergunta do interlocutor anônimo de Jesus foi motivada por algum ensinamento anterior;
provavelmente esta pessoa estava ouvindo sua pregação e teve essa curiosidade.
Se trata de uma pergunta que reflete um pensamento e uma preocupação muito
difundida nos ambientes judaicos do tempo de Jesus e, posteriormente, também no
cristianismo. Ora, nas escolas rabínicas da época, circulavam três correntes
principais que apresentavam diferentes respostas para essa pergunta: uma
primeira, afirmava que todos os judeus, pelo simples fato de pertencerem ao
povo eleito, estavam automaticamente com a salvação garantida; uma segunda,
pregava que não bastava fazer parte do povo eleito, mas era necessário observar
a Lei de modo impecável e, por isso, somente um pequeno “resto de Israel” se
salvaria; havia ainda uma terceira via: todos os judeus se salvariam e também
os pagãos que aceitassem viver conforme a Lei poderiam se salvar.
Como de costume, Jesus não responde objetivamente
ao seu interlocutor, mas lhe faz um convite ao esforço, à perseverança e à
reflexão, através de uma pequena parábola, introduzida com a imagem da porta
estreita: “Fazei todo o esforço possível para entrar pela porta estreita.
Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (v. 24).
Embora neste contexto esteja aplicada a uma casa, essa imagem da porta estreita
faz referência a uma pequena abertura que havia nos muros das cidades antigas.
Como as cidades eram muradas, nos muros havia uma grande porta para entrada e
saída de pessoas e transportes que, por motivos de segurança, era fechada à
certa hora da noite e só abria no dia seguinte. Próximo à grande porta,
geralmente, havia uma pequena abertura, chamada de “porta estreita”, suficiente
para a entrada de apenas uma pessoa por vez, e ainda com dificuldades, usada
por quem não conseguisse chegar antes que a grande porta fechasse ou que
necessitasse sair antes da abertura, no dia seguinte. Algumas pessoas não
conseguiam passar por ela, tendo que ficar expostas aos perigos do lado de
fora. Essa imagem era muito aplicada na antiguidade para referir-se a coisas
difíceis que exigiam esforço e às situações de perigo.
Aplicada a uma casa, ao invés de uma cidade, a
imagem da porta estreita perde um pouco do seu sentido, mas sendo usada por
Jesus, neste contexto específico da resposta ao interlocutor desconhecido,
funciona muito bem. Ora, o que está em questão é o acesso à salvação, ou seja,
ao Reino de Deus, e isto depende do acolhimento à Boa Nova de Jesus na vida da
pessoa, com todas as suas consequências. Um pouquinho antes de iniciar o
caminho para Jerusalém (cf. Lc 9,51), os discípulos tinham discutido entre si
sobre quem era o maior entre eles; ao repreendê-los, Jesus tomou uma criança
junto de si e apresentou-a como exemplo, dizendo que é necessário fazer-se
pequeno para acolher a sua mensagem (cf. Lc 9,46-47). A imagem da porta
estreita é, portanto, uma retomada dessa temática e uma nova advertência aos
discípulos, já que somente as pessoas pequenas passavam com facilidade pela
“porta estreita”. É importante, recordar que, na dinâmica do caminho, mesmo
quando Jesus entra em contato com outros personagens, os destinatários
principais dos seus ensinamentos são sempre os discípulos, já que o caminho é,
sobretudo, uma alegoria do seu programa formativo. Assim, Ele propõe mais uma
vez a necessidade de fazer-se pequeno para lhe pertencer. Temos aqui, portanto,
mais uma demonstração excepcional das qualidades pedagógicas de Jesus.
O acesso ao Reino definitivo exige esforço e
compromisso. Por isso, ao invés de dar uma resposta direta e exata ao
interlocutor, Jesus fez um alerta para a necessidade de aderir ao programa do
Reino, antes que seja tarde demais. Eis a continuação da parábola: “Uma vez que
o dono da casa se levantar e fechar a porta, vós, do lado de fora, começareis a
bater, dizendo: “Senhor, abre-nos a porta!” Ele responderá: Não sei de onde
sois. Então começareis a dizer: “Nós comemos e bebemos diante de ti, e tu
ensinaste em nossas praças”. Ele, porém, responderá: ‘Não sei de onde sois.
Afastai-vos de mim todos que praticais a injustiça! (vv. 25-27). Embora seja
apresentado um dono de casa severo, o centro do ensinamento aqui não é a sua
severidade, mas uma demonstração daquilo que conta e o que não conta para
alguém fazer parte do Reino. Logo, não temos aqui um anúncio de condenação ou
castigo, mas uma advertência sobre as credenciais para ter as portas do Reino
abertas. Antes de tudo, Jesus diz que não é suficiente ter comido e bebido com
ele e nem ouvir o ensinamento, se tais atitudes não se traduzem em prática de
justiça. Na época da redação do Evangelho, a celebração fraterna da fração do
pão, versão primitiva da atual Eucaristia, já estava consolidada e, temos aqui
uma chamada de atenção para quem não concilia essa celebração com uma conduta
ética e justa. Em outras palavras, o acesso ao Reino não depende das práticas cultuais.
Quem é praticante de injustiças está automaticamente excluído do Reino, mesmo
que seja frequentador assíduo das mais variadas expressões cultuais.
A exclusão do Reino corresponde a uma vida sem
sentido, e não propriamente a um castigo: “Ali haverá choro e ranger de dentes,
quando virdes Abraão, Isaac e Jacó, junto com todos os profetas no Reino de
Deus, e vós, porém, sendo lançados fora” (v. 28). Essa linguagem ameaçadora,
tão frequente em Mateus, é rara em Lucas, o evangelista da misericórdia; ele a
emprega aqui por fidelidade à fonte utilizada. O choro e o ranger de dentes é
uma contraposição à alegria e a paz, características básicas da comunidade do
Reino, sobretudo na perspectiva de Lucas. Embora o foco de Jesus e do
evangelista seja a construção da comunidade do Reino, temos aqui também uma
clara crítica e denúncia às pretensões de exclusivismo do povo judeu em relação
ao acesso à salvação, o que fica evidente pela seguinte afirmação: “Virão
homens do Oriente e do Ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no
Reino de Deus” (v. 29). Como o que garante o acesso ao Reino é a prática da
justiça e, por outro lado, o que exclui é prática da injustiça, podem
participar da mesa do Reino pessoas dos quatro cantos da terra, desde que
abracem o programa de vida de Jesus e sejam adeptos da justiça. Pertencer a uma
raça ou a uma religião não determina a pertença ou exclusão do Reino de Deus; o
que conta é a conduta justa.
A conclusão é uma máxima proverbial que mostra que
os critérios de Deus não seguem à lógica humana: “E assim há últimos que serão
primeiros, e primeiros que serão últimos” (v. 30). Embora essa afirmação não
seja exclusividade do Evangelho segundo Lucas, ela se encaixa muito bem na sua
teologia que prevê, desde o início, uma inversão completa de ordem e de valores
(cf. Lc 2,51-52). Funciona também como uma chamada de atenção aos judeus que
imaginavam ter prioridade no Reino pelo simples fato de fazerem parte do povo
eleito. Hoje, o mesmo pensamento pode ser aplicado também a muitos seguimentos
do cristianismo que imaginam ter prioridade no Reino apenas pela pertença ou
assiduidade em certas práticas religiosas. O critério autêntico de pertença a
Jesus e seu Reino é e será sempre a prática da justiça.
Procure
agir com discrição e busque sempre amizades sinceras.
Tenha e
conserve amigos leais, pois eles vão lhe proporcionar momentos de alegria e
enriquecimento pessoal.
Quem
encontrou um amigo encontrou um tesouro.
“Sejam
numerosos os que te saúdem, mas teu conselheiro, um entre mil”.
(Eclo
6,6).
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