19 outubro - Suportemos os males com resignação, e contentemo-nos com aquela pequena parcela de bem que Deus nos deixa nestes tempos difíceis. (L 72). São José Marello
Leitura do santo Evangelho segundo São Lucas 18,1-8
Naquele tempo, 1Jesus
contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar
sempre, e nunca desistir, dizendo: 2“Numa
cidade havia um juiz que não temia a Deus, e não respeitava homem algum. 3Na
mesma cidade havia uma viúva, que vinha à procura do juiz, pedindo: ‘Faze-me
justiça contra o meu adversário!’
4Durante muito tempo, o juiz se
recusou. Por fim, ele pensou: ‘Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum. 5Mas
está viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não
venha agredir-me!’” 6E o
Senhor acrescentou: “Escutai o que diz este juiz injusto. 7E Deus,
não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que
vai fazê-los esperar?
8Eu vos digo que Deus lhes fará
justiça bem depressa. Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai
encontrar fé sobre a terra?”
Reflexão para o 29º domingo do Tempo
Comum - Lucas 18,1-8 (Ano C) 19 out 2025
Chegamos ao vigésimo nono domingo do tempo comum, o
que significa que já nos aproximamos do final do ano litúrgico, e a liturgia
propõe, mais uma vez, um texto exclusivo do Evangelho segundo Lucas, ainda
dentro da longa seção narrativa do caminho de Jesus em direção à Jerusalém: a
parábola do juiz injusto e a viúva insistente (18,1-8). Por sinal, esse caminho
também está sendo quase concluído, restando, depois de hoje, apenas dois
domingos em que ainda leremos trechos desta seção narrativa. Como temos afirmado,
não se trata apenas de um percurso físico-geográfico, mas de um itinerário
catequético e teológico cuja finalidade é a formação do discipulado de Jesus.
Por isso, é durante o caminho que o evangelista apresenta os principais
ensinamentos de Jesus aos discípulos e discípulas, sendo até mesmo repetitivo e
insistente, conforme a necessidade e a importância do ensinamento. O texto de
hoje – Lc 18,1-8 – apresenta um dos temas que parece repetitivo na catequese de
Jesus em Lucas: a oração contínua, juntamente com a busca da justiça e a
perseverança na fé.
Localizada entre um pequeno discurso escatológico
(Lc 17,20-37) e a parábola do fariseu e o publicano (Lc 18,9-14), a parábola do
juiz injusto e a viúva insistente possui uma riqueza ímpar, embora carregue em
si algumas dificuldades de interpretação, o que tem contribui para que ela
passe quase despercebida no rico conjunto das parábolas exclusivas de Lucas.
Inclusive, há estudiosos que, equivocadamente, a vêem como mera introdução à
conhecida parábola do fariseu e o publicano. O certo é que a beleza e a clareza
desta última, a qual será lida na liturgia do próximo domingo, contribui
bastante para ofuscar a parábola de hoje, tão rica de sentido, mas de difícil
interpretação. O primeiro passo para compreendê-la bem é considerar o contexto
histórico das comunidades do evangelista, as primeiras destinatárias do texto.
Ora, entre os anos 80 e 90 do primeiro século,
período da redação do Evangelho segundo Lucas, quando Domiciano era o imperador
romano, as perseguições aos cristãos já estavam em plena evidência, o que
gerava um clima de desânimo nas comunidades. Daí, a necessidade de uma palavra
de encorajamento e estímulo à perseverança diante das hostilidades. Além da
violência, os cristãos eram vítimas de preconceitos e marginalização; pelo fato
de serem cristãos, todo o aparato administrativo do império conspirava contra
eles; inclusive, nos tribunais as causas sempre eram julgadas e resolvidas em
seu desfavor. Diante disso, muitos cristãos desanimavam. Além disso, muitos dos
cristãos das comunidades ligadas ao evangelista Lucas eram de origem pagã e não
estavam habituadas à prática da oração; em suas práticas religiosas anteriores
a relação com o divino se dava basicamente por meio de ritos e sacrifícios, por
isso tinham dificuldade de assimilar a necessidade da oração constante, e esse
foi um motivo a mais para o evangelista insistir tanto com esse tema.
Feita a devida contextualização, olhamos para o
texto, cujo primeiro versículo tem a função de introdução e síntese, ao mesmo
tempo: “Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a
necessidade de rezar sempre, e nunca desistir, dizendo:” (v. 1). Quando o
evangelista introduz um ensinamento de Jesus dizendo que é dirigido aos
discípulos, é sinal de grande importância e valor; significa que esse
ensinamento é essencial para o discipulado de todos os tempos, como esta
parábola de hoje. De fato, a prática da oração contínua, juntamente com a luta
por justiça e a perseverança na fé são dimensões que se a comunidade as
abandonar, deixa de ser uma comunidade cristã. Obviamente, o evangelista não
trata de uma oração ininterrupta como a repetição contínua de uma fórmula, mas
de uma oração que caracterize a própria existência. É, acima de tudo, um
convite para os cristãos ritmarem as suas vidas pela oração, 0u seja, pela
intimidade com Deus. A oração contínua dos cristãos visa sempre a chegada do
Reino (cf. Lc 11,2), que é essencialmente um reino de justiça.
Do versículo introdutório, passamos ao conteúdo
próprio da parábola. Embora o tema anunciado pelo narrador tenha sido apenas a
oração, logo se percebe que esse compreende também a busca por justiça. É uma
parábola tipicamente lucana, a começar pela construção dos personagens: um juiz
injusto e uma viúva insistente. É típico de Lucas apresentar dois personagens
em paralelo com grandes diferenças entre si, sobretudo nas parábolas, com o
objetivo de levar o leitor a escolher um lado, identificando-se com um dos
personagens; exemplos: o pobre Lázaro e o rico avarento (cf. Lc 16,19-31), o
fariseu e o publicano (cf. Lc 18,9-14). Eis, portanto, o primeiro personagem:
“Numa cidade havia um juiz que não temia a Deus, e não respeitava homem algum”
(v. 2). A tradição bíblica, desde o Antigo Testamento, apresenta os magistrados
com traços bastante negativos, de modo que essa descrição do juiz da parábola é
uma verdadeira síntese: a falta de temor a Deus e de respeito ao próximo
representa o máximo de prepotência e injustiça.
A experiência de Israel em sua história mostra a atuação
de juízes corruptos e adeptos ao suborno. Por isso, um dos alvos constantes das
denúncias dos profetas foi a figura do juiz ou “administrador da justiça” (cf.
Is 10,1; Am 5,7; etc). Além de ser uma crítica à magistratura, essa descrição
também sintetiza o oposto de como deve ser a pessoa cristã. Temor a Deus não
significa medo, mas reverência, é o reconhecimento da sua grandeza e do seu
amor; o respeito ao próximo é o reconhecimento da dignidade do outro, do valor
que cada um possui por ser imagem e semelhança do Criador, independente das
características individuais de cada um. As características do juiz, portanto,
são de quem não está aberto ao advento do Reino de Deus e, portanto, não pode
fazer parte da comunidade cristã, por mais inclusiva que essa comunidade seja.
Paralelo ao juiz, o evangelista apresenta o segundo
personagem, com características completamente diferentes: “Na mesma cidade
havia uma viúva, que vinha à procura do juiz, pedindo: ‘Fazei-me justiça contra
o meu adversário!’ (v. 3). Se o primeiro personagem é um homem poderoso e
prepotente, um juiz, o segundo é uma mulher indefesa e injustiçada. Convém
recordar que a figura da viúva, na tradição bíblica, é uma das expressões mais
fortes da vulnerabilidade e, consequentemente, da predileção de Deus. De fato,
tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, há uma atenção especial às viúvas,
principalmente na obra de Lucas (cf. Lc 2,37; 4,25-26; 7,12; 20,47; 21,2-3; At
6,1; 9,31.41). Ora, o estado de viuvez em si já é motivo de cuidados e preocupação,
o que exige bastante proteção; tudo isso aumenta ainda mais quando a viúva tem
um adversário (em grego: αντίδικος – antídikos) que ameaça
constantemente os seus poucos direitos. A cena retrata bem uma situação muito comum no antigo Israel: as viúvas tinham
suas heranças roubadas e ao recorrer aos tribunais tinham sempre o desfecho da
causa em seu desfavor. Mesmo que o evangelista não especifique a causa do
pleito da viúva, os casos mais comuns tinham a ver com herança.
Como se trata de uma parábola, o que significa uma
comparação, o objetivo do evangelista é descrever, de modo comparado, a
situação dos cristãos e cristãs da sua época. Assim, o juiz da parábola é a
imagem do império romano com todo o seu aparato ideológico e militar que nega
vida e dignidade aos mais pobres, mas também os sistemas dominantes de todas as
épocas. A viúva, por sua vez, é a imagem das comunidades cristãs da época do
evangelista, especialmente, que eram vítimas de injustiças e perseguições, sem
nenhum direito reconhecido, sem nenhum amparo legal; essa imagem se aplica
também às comunidades de todos os tempos. O Reino de Deus não será instaurado a
partir dos sistemas de poder estabelecidos no mundo, mas a partir da luta
insistente dos cristãos e cristãs que rezam e buscam a justiça constantemente.
O desfecho da parábola mostra que vale a pena
lutar, mesmo quando tudo conspira contra: “Durante muito tempo, o juiz se
recusou. Por fim, ele pensou: ‘Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum.
Mas esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não
venha a agredir-me!” (vv. 4-5). A insistência da viúva é uma demonstração de
que não pode haver espírito de conformismo e nem resignação na comunidade
cristã; essa não pode assistir passivamente às injustiças e negação da vida.
Porém, não pode recorrer à violência. A construção do Reino exige paciência e
coragem para lutar sempre, sem desanimar. As situações adversas não são meras
fatalidades do destino, e muito menos vontade de Deus. Tudo o que é injusto
deve ser mudado e combatido pelos cristãos e cristãs. Porém, as mudanças não
acontecem com a rapidez desejada. Por isso, é necessário perseverança e
paciência.
A explicação final que Jesus dá, de acordo com o
evangelista, é o que dá margens a interpretações equivocadas da parábola,
tornando-a difícil, como alertamos na introdução: “E o Senhor acrescentou:
“Escutai o que diz este juiz injusto. E Deus, não fará justiça aos seus
escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar? Eu
vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa.” (v. 6-8a). O equívoco que
deve ser evitado é comparar o juiz a Deus. Ora, os atributos do juiz são o
oposto de Deus, o qual é descrito por Lucas como um Pai cheio de amor e
compaixão pela humanidade (cf. Lc 15). Uma das poucas certezas que podemos ter
na vida é a de que Deus é justo e a sua justiça nos é favorável. Porém, essa
certeza não deve ser motivo de conformismo, e sim um incentivo para os cristãos
lutarem sem cessar, rezando, trabalhando e denunciando, para que os sistemas
injustos deste mundo sejam transformados. A palavra mais repetida no texto é
justiça: aparece quatro vezes (vv. 3.5.7.8). Assim, Jesus ensina, através do
evangelista, que a essência de ser cristão é empenhar-se por justiça.
Na conclusão, temos uma chamada de atenção sobre a
necessidade da fé perseverante como algo imprescindível para as comunidades
manterem viva a luta por justiça: “Mas o Filho do homem, quando vier, será que
ainda vai encontrar fé sobre a terra?” (v. 8). Se trata de uma pergunta
retórica que visa chamar a atenção dos discípulos de todos os tempos. A vinda
do Filho do Homem é uma referência à parusia, quer dizer, ao final dos tempos,
e significa que a fé é necessária durante todo o tempo, durante toda a vida. É
necessário que até lá os discípulos permaneçam em oração sem cessar. A fé,
aqui, portanto, é a consciência e a atitude do discipulado em manter-se
constantemente em oração, paralelo à busca por justiça.
Dia 19
Nunca diga
que suas ações não têm importância.
Nada é efêmero
se realizado com amor, a base da existência humana.
Por isso,
irradie sentimentos de paz às pessoas que estão à sua volta e será recompensado
do mesmo modo.
É preciso
amar cada dia mais, vivendo plenamente.
“Caríssimos
amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama
nasceu de Deus e conhece Deus”. (1Jo 4,7).



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