10 agosto - Quando algum de nós tiver
a tentação de descer de sua grelha ou de trocá-la, lance um olhar às grelhas
dos outros, mais quentes, e alto lá: quando muito, mudar de lado. (L 157). São
José Marello
Lucas 12,32-48 – 19º domingo
"Jesus continuou:
- Meu pequeno rebanho, não tenha medo! Pois o Pai tem prazer em dar o Reino a
vocês. Vendam tudo o que vocês têm e dêem o dinheiro aos pobres. Arranjem
bolsas que não se estragam e guardem as suas riquezas no céu, onde elas nunca
se acabarão; porque lá os ladrões não podem roubá-las, e as traças não podem
destruí-las. Pois onde estiverem as suas riquezas, aí estará o coração de
vocês.
E Jesus disse ainda:
- Fiquem preparados para tudo: estejam com a roupa bem presa com o cinto e
conservem as lamparinas acesas. Sejam como os empregados que esperam pelo
patrão, que vai voltar da festa de casamento. Logo que ele bate na porta, os
empregados vão abrir. Felizes aqueles empregados que o patrão encontra
acordados e preparados! Eu afirmo a vocês que isto é verdade: o próprio patrão
se preparará para servi-los, mandará que se sentem à mesa e ele mesmo os
servirá. Eles serão felizes se o patrão os encontrar alertas, mesmo que chegue
à meia-noite ou até mais tarde. Lembrem disto: se o dono da casa soubesse a que
hora o ladrão viria, não o deixaria arrombar a sua casa. Vocês, também, fiquem
alertas, porque o Filho do Homem vai chegar quando não estiverem
esperando.
Então Pedro perguntou:
- Senhor, essa parábola é só para nós ou é para todos?
O Senhor respondeu:
- Quem é, então, o empregado fiel e inteligente? É aquele que o patrão
encarrega de tomar conta da casa e de dar comida na hora certa aos outros
empregados. Feliz aquele empregado que estiver fazendo isso quando o patrão
chegar! Eu afirmo a vocês que, de fato, o patrão vai colocá-lo como encarregado
de toda a sua propriedade. Mas imaginem o que acontecerá se aquele empregado
pensar que o seu patrão está demorando muito para voltar. E imaginem que esse
empregado comece a bater nos outros empregados e empregadas e a comer e a beber
até ficar bêbado. Então o patrão voltará no dia em que o empregado menos espera
e na hora que ele não sabe. Aí o patrão mandará cortar o empregado em pedaços e
o condenará a ir para o lugar aonde os desobedientes vão.
- O empregado que sabe qual é a vontade do patrão, mas não se prepara e não faz
o que ele quer, será castigado com muitas chicotadas. Mas o empregado que não
sabe o que o patrão quer e faz alguma coisa que merece castigo, esse empregado
será castigado com poucas chicotadas. Assim será pedido muito de quem recebe
muito; e, daquele a quem muito é dado, muito mais será pedido."
O texto evangelho deste décimo nono domingo do
tempo comum continua a nos situar no caminho de Jesus para Jerusalém e, por
isso, nos impele ainda mais a refletir na condição de discípulos e discípulas,
uma vez que esse caminho é uma profunda catequese para o discipulado de ontem e
de hoje. Como temos afirmado nos últimos domingos, trata-se do programa
formativo de Jesus para o seu discipulado. Diversos temas são tratados nesse
contexto, ambos conexos entre si. O texto de hoje – Lc 12,32-48 – apresenta o tema
da vigilância e da responsabilidade como exigências para a comunidade herdeira
do Reino, a qual é chamada ao encorajamento diante das dificuldades enfrentadas
ao longo do “caminho”. Podemos dizer que esse caminho, aqui, é a própria
história no seu desenrolar-se e, portanto, o que Jesus ensinou aos seus
discípulos de primeira hora, continua válido para os cristãos e cristãs de
todos os tempos e lugares.
Para uma melhor compreensão, uma vez que é bastante
longo, podemos dividir o texto em duas partes: uma primeira, introdutiva (vv.
32-34), e uma segunda, composta de três pequenas parábolas (vv. 35-48) que
visam ilustrar com imagens o tema apresentado na introdução. Trata-se de um
texto longo, mas bastante compreensível, desde que esteja claro o seu contexto,
que é o caminho formativo da comunidade. Por ser um texto bastante longo, não
comentaremos versículo por versículo; procuraremos colher a mensagem central,
embora seja indispensável comentar alguns versículos com precisão.
O primeiro versículo é a grande chave de leitura
para todo o texto: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do
Pai dar a vós o reino” (v. 32). O pedido de encorajamento (v. 32a) é sinal de
que a proposta de Jesus não é de fácil assimilação. As exigências e
responsabilidades para segui-lo são muitas, por isso havia tendência à
desistência entre os discípulos. À medida em que caminhava com seus discípulos
e discípulas, pois havia também mulheres no grupo (cf. Lc 8,1-3), aumentavam as
hostilidades ao projeto revolucionário de Jesus, principalmente da parte da
hierarquia religiosa judaica, responsável pelo confronto final em Jerusalém.
Aumentavam também os conflitos internos no grupo, tanto por rivalidade entre os
discípulos, quanto por medo e desilusão com as exigências que só aumentavam. Os
discípulos começavam a perceber que Jesus não apresentava nenhum traço do
messias ideal, esperado há séculos. Ao invés de messias triunfante, como
esperavam os judeus, Jesus parecia um fracassado, fadado a terminar sozinho.
Por isso, Ele insistia pedindo coragem e perseverança.
Os discípulos precisavam de muita coragem e
perseverança, exatamente porque formavam um “pequenino rebanho” (v. 32b),
praticamente invisível e sem importância, diante das grandes estruturas
religiosa e política da época: o judaísmo oficial e o império romano,
respectivamente. Paradoxalmente, o pequeno rebanho tem um grande valor, pois
“foi do agrado do Pai dar-lhes o Reino” (v. 32b). Realmente, trata-se de algo
maravilhoso e até surpreendente, mas inconcebível para as pretensões
triunfalistas vigentes naquele tempo. O reino proposto por Jesus, confiado pelo
Pai à pequena comunidade, não contém os elementos esperados, tais como poder,
riqueza, vaidade, concorrência e grandeza. A proposta de Jesus contempla uma
verdadeira inversão de valores e, certamente, a comunidade dos discípulos não
estava ainda pronta para absorver essa virada radical. Por isso, a insistência
de Jesus ao pedir coragem e perseverança.
Na sequência do texto (v. 33), são apresentadas
algumas das exigências para continuar ou não como membros do “pequeno rebanho”:
“vendei vossos bens e dai esmola” (v. 33a). Com certeza, no grupo dos
discípulos ainda havia alguns fazendo média com Jesus, aderindo pela metade, ou
seja, aparentemente despojados, mas com algumas reservas escondidas, como
Ananias e Safira nos Atos dos Apóstolos (cf. At 5,1-11). Percebendo isso, Jesus
pede um desprendimento total. Parece que a parábola do rico insensato,
refletida no domingo passado (cf. Lc 12,13-21), ainda não fora suficiente para
esclarecer aos discípulos sobre a incompatibilidade entre o apego aos bens
materiais e os valores do Reino. Não basta vender os bens, é necessário aplicar
bem o valor destes para que, realmente, um tesouro no céu seja adquirido, isto
é, partilhando com os pobres. “Dar esmola” na mentalidade semítica significa
fazer justiça.
A continuação do versículo mostra o que deve ser o
objetivo do discípulo: possuir “um tesouro no céu” (v. 33b), ou seja, buscar
coisas que não se acabam, mas que permanecem para toda a vida. Os discípulos
ainda não tinham assimilado o ensinamento da parábola do rico insensato (cf.
12,13-21), ou seja, não tinham compreendido a necessidade de que é necessário
perder aos olhos do mundo, para ganhar aos olhos de Deus. Jesus pede para que os
discípulos busquem o que é eterno, o que realmente tem valor no Reino que o Pai
lhes confiou. E esse é um tema muito caro para Lucas (cf. Lc 11,41; 16,9;
19,8).
A conclusão da primeira parte é feita com um
provérbio: “Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (v.
34). Vale a pena recordar a importância do uso da imagem do “tesouro” na
Bíblia. O primeiro sentido é a reunião de coisas preciosas acumuladas para
serem conservadas como sinal de segurança, por isso, deveria ficar escondido, pois,
se revelado, logo seria alvo de cobiça e estaria sujeito a assaltos. Como
significa algo muito precioso, o termo passou a ser usado como imagem de
realidades espirituais, em contraposição a bens materiais, principalmente na
literatura sapiencial (cf. Pr 2,4; Sb 7,14; Eclo 1,25). Todo judeu possuía um
tesouro, independentemente do valor, porque tinha algo central em sua vida. O
que o ser humano considerava mais importante na sua vida era o seu tesouro.
Jesus se apropria desse uso para ilustrar a sua descrição do Reino de Deus em
diversas ocasiões, como no texto de hoje. Como o coração para a mentalidade
hebraica significava a sede do pensamento e a consciência do homem, ou seja, o
centro da vida, Jesus quer dizer que é para o tesouro que a vida do homem se
volta.
Na continuidade da catequese, Jesus apresenta três
pequenas parábolas com o intuito de reforçar o ensinamento proposto. Ora, se
durante a sua presença física, Ele já via sinais de desânimo entre os
discípulos, muito mais seria quando já não estivesse mais fisicamente entre
eles. Por isso, as parábolas insistem no tema da vigilância e da
responsabilidade, preparando a comunidade para a continuidade da missão após a
sua morte. Estas parábolas são, ao mesmo tempo uma chamada de atenção aos
discípulos e uma crítica à hierarquia religiosa judaica.
A primeira parábola apresenta a imagem de um senhor
que viaja para uma festa e deixa tudo aos cuidados dos seus servos (vv. 35-38).
É introduzida com um imperativo: “Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas
acesas” (v. 35). Parece uma imagem sem sentido para os dias atuais, mas muito
significativa no seu contexto. É a imagem de quem está em atitude de serviço. A
vestimenta básica da época era a túnica; essa não facilitava o serviço, pois
atrapalhava o movimento. A expressão “os rins cingidos”, significa a túnica
levantada até a cintura, posição dos rins, presa ao cinto. Com isso,
facilitava-se o movimento. Era assim que ficavam enquanto trabalhavam ou
viajavam. Jesus pede uma postura vigilante, mas ao mesmo tempo serviçal. Seus
discípulos devem vigiar sim, eis o sentido das “lâmpadas acesas”; mas, enquanto
vigiam colocam-se em prontidão para o serviço. Foi “cingido” que Jesus lavou os
pés dos discípulos na última ceia (cf. Jo 13,4-5). Também os hebreus celebraram
a primeira páscoa assim: “E comereis assim: com a cintura cingida, as sandálias
nos pés” (cf. Ex 12,11a). Há uma clara intenção da parte de Lucas de incentivar
a comunidade a manter-se constantemente em clima pascal. Isso se confirma pela
continuação da parábola, na qual se diz que quando o senhor voltar da festa
fará os servos sentarem-se à mesa, e os servirá (v. 37). Uma atitude
surpreendente para quem é senhor. Essa é uma das mais belas imagens que Jesus
aplica a Deus e a si mesmo: um senhor, grande proprietário que, ao invés de
exigir serviço dos seus servos, abaixa-se para servi-los. Somente Jesus, sendo
senhor, fez-se servo (cf. Lc 22,27).
A segunda parábola (vv. 39 e 40) apenas reforça a
necessidade da vigilância, através da imagem do ladrão que não avisa a hora do
assalto, mas procura exatamente surpreender o dono da casa. É necessário que a
comunidade não seja surpreendida. Essa é a única vez, em toda a Bíblia, que
Deus é apresentado como um ladrão, embora o “Dia do Senhor” seja apresentado com
essa mesma imagem (1Ts 5,2; 1Pd 3,10; Ap 3,3). A falta de conhecimento do dia e
da hora da vinda do Senhor é motivo para a comunidade não desviar o foco por um
único instante; isso quer dizer que os discípulos não podem, em momento algum,
deixar de viver o programa de Jesus, ou seja, o Evangelho do Reino.
A terceira parábola (vv. 42-48) é uma resposta
direta à pergunta de Pedro: “Senhor, tu contas essa parábola para nós ou para
todos?” (v. 41). Está claro que os discípulos não eram os únicos ouvintes de Jesus
no momento. Essa pergunta reflete o medo da responsabilidade que afligia os
discípulos. De fato, para um rebanho tão pequeno, era muita responsabilidade
herdar o Reino e assumir as suas consequências. Jesus não responde diretamente,
mas com a parábola (vv. 42-48). Nessa Ele faz uma crítica explícita à
hierarquia religiosa judaica, acusada de relaxamento e mau exemplo desde os
tempos do profeta Ezequiel, através da imagem dos “maus pastores” (cf. Ez
34,1-10), e ao mesmo tempo alerta a comunidade dos discípulos a perseverar como
guardiã do Reino.
Provocado pela pergunta de Pedro, e percebendo a
sua insegurança, Jesus direciona o ensinamento para os discípulos. É deles que
serão feitas exigências maiores, exatamente porque a eles foi confiado o Reino.
E essas exigências se estendem aos discípulos e discípulas de todos os tempos.
Por isso, Ele ilustra com a contraposição de comportamentos de dois servos. O
primeiro age com prudência, fidelidade e comportamento exemplar, e tem como
recompensa um crescimento na confiança do seu senhor (vv. 42-44). O segundo,
pelo contrário, relaxa nas comodidades da vida e no abuso do poder (vv. 4-46).
Comer e beber em demasia, até embriagar-se, era
sinal de felicidade, numa sociedade e religião que pregavam a prosperidade como
bênção de Deus, assim como maltratar os criados e criadas não passava de uma
demonstração de autoridade. Jesus reprova tais atitudes, pois ferem a dignidade
humana (os maltratos) e distraem o ser humano do essencial, que é cultivar
tesouros no céu e não se deixar dominar pelas coisas passageiras (comida e
bebida). A punição anunciada – “partir ao meio” – era a máxima execução
aplicada na Pérsia, mais cruel até que a crucifixão no império romano. Não é um
anúncio de castigo, mas um alerta à perda de sentido da vida. Partido ao meio,
o ser humano estava impedido de participar da ressurreição no último dia, como
acreditavam os judeus. Portanto, estavam destinados ao sofrimento eterno. Essa
é a imagem de uma vida sem sentido. Os versículos conclusivos (vv. 47-48)
refletem uma particularidade do direito judaico: a responsabilidade e a culpa
têm uma proporção gradual segundo o nível do conhecimento. As penas eram
aplicadas de acordo com o nível de conhecimento da lei. Quem conhece a vontade
de Deus, expressa sobretudo nas Sagradas Escrituras, tem o dever de pô-la em
prática.
Percebemos, então, com o longo texto evangélico de
hoje, o convite de Jesus à comunidade-Igreja para abraçar com humildade
(pequeno rebanho, v. 32) a responsabilidade de herdeira do Reino, tendo a
missão de fazer esse Reino crescer. Toda a comunidade é convidada a empenhar-se
nesse projeto, pois ela toda é herdeira. Porém, há uma exigência maior para
aqueles que assumem responsabilidades maiores. Para isso, é necessária a
vigilância constante. E para Jesus, a verdadeira vigilância consiste no serviço
ao próximo.
Dia 10
Na maioria
das vezes, os seres humanos desviam-se dos problemas e camuflam os próprios
sentimentos ou emoções menos positivas.
As
adversidades fazem parte da realidade humana.
Assumir
com disposição, coragem e sabedoria tudo o que a vida lhe oferece será uma
ótima oportunidade para o desenvolvimento pessoal.
À medida
que amadurece, o ser humano aprende a enfrentar os imprevistos com serenidade.
“Não
abandones a Sabedoria, e ela te guardará; ama-a, e ela te protegerá”.
(Pr 4,6).