29 fev - O Senhor vem ao nosso encontro por mil caminhos (L 30). São Jose Marello
Lucas 16.19-31
A PARÁBOLA DO RICO E DO LÁZARO
Havia um
homem rico que se vesti a de luxuoso tecido vermelho e linho finíssimo, dando
esplêndidos banquetes diariamente. Um pobre, chamado Lázaro, todo coberto de
feridas, estava atirado junto ao seu portão. Bem que gostaria de se alimentar
com o que caía da mesa do rico! Até cães vinham lamber suas feridas.
Aconteceu
que o pobre veio a morrer. E foi levado pelos anjos para o seio de Abraão. O
rico também morreu e foi sepultado.
No meio
das torturas do mundo dos mortos, o rico viu Abraão de longe. E Lázaro estava
junto a ele. Então gritou:
— Pai
Abraão, tenha pena de mim! Mande que Lázaro molhe a ponta do dedo e me
refresque a língua, pois estas chamas me atormentam!
— Meu
filho, respondeu Abraão, lembre- se que já recebeu seus bens em vida. Lázaro
teve males e agora encontra consolo aqui. Você está padecendo.
Aliás, é
grande o abismo entre nós e vocês. Os que quiserem passar daqui para lá, não
conseguem. Nem se pode vir de lá até cá.
— Pai,
insistiu o rico, peço-lhe então que ao menos envie Lázaro até minha casa
paterna. Tenho ainda cinco irmãos. Lázaro poderá adverti-los para que não
acabem também neste lugar de tormentos!
Mas Abraão
replicou:
— Eles tem
Moisés e os profetas. Que os ouçam, portanto!
— Não, Pai
Abraão, disse-lhe ainda o rico, se algum dos mortos fosse a procura deles, por
certo se converteriam.
Mas Abraão
concluiu:
— Se não
dão ouvidos a Moisés e os profetas, ainda que algum ressuscite dos mortos não
se deixarão convencer.
Céu e inferno: prêmio e castigo?
À primeira vista, estamos mais uma vez diante do
prêmio de consolação: o rico vai para o inferno e o pobre tem o céu por
recompensa. E isso seria verdade, se a história fosse ditada pelo ódio dos
deserdados da sorte. Isso seria verdade, se Jesus fosse um corrupto, capaz
de enganar os desesperados com vagas promessas de que no além tudo vai
melhorar.
Não estamos, porém, diante de uma profecia. Não se
trata de previsão. A história que Jesus conta, é uma parábola. E essa parábola
não se refere, apenas, a coisas que estão por vir ou acontecer. A parábola fala
de uma realidade presente, de uma atualidade cotidiana. Tanto assim que está
construída em torno de duas cenas: antes da morte e depois da morte. Mas as
duas cenas tratam de uma coisa chamada vida. Por isso, como muitas vezes
acontece num romance, no cinema ou no teatro, a segunda parte vai esclarecer
muita coisa da primeira.
E então pode acontecer uma surpresa: a gente nota
como faz parte de toda a história...
Quem é o rico? Quem é o pobre?
É impressionante observar como inicia a parábola:
Era uma vez um homem rico. Quase que só isso descreve essa criatura. Além de
alguns detalhes a respeito de roupas e banquetes, o que se fica sabendo é
apenas isso: o homem era rico. Viveu, morreu e foi sepultado. E era rico.
Existe outra coisa que impressiona: à primeira
vista, o homem rico nem é criticado. Não se mencionam vícios, defeitos ou
atitudes condenáveis. Não se afirmar que ele explorasse trabalhadores ou que
fosse agiota ou qualquer coisa, de semelhante. Pelo contrário: num primeiro
momento, o homem é tão vazio como todas as pessoas diariamente mencionadas nas
colunas sociais dos jornais. Ele gostava de vestir-se bem e oferecia
constantemente banquetes e festas e recepções esplêndidas. Resumindo: um dos
dez mais elegantes, que sabia receber bem... Nem mais nem menos. Era rico. E
ponto final.
Ponto final? Nem de longe! Assim como nos jornais
também não se fala só de gente rica, a parábola de Jesus faz uma comparação.
Provoca um confronto. Já na introdução, Jesus coloca sua parábola dentro da
vida como ela é. E na vida sempre há pobres ao lado de ricos. O homem rico, de
quem se sabia tão pouco (nem mesmo o nome! ), de repente está colocado ao lado
de um pobre miserável , chamado Lázaro.
Lázaro é uma questão aberta, uma pergunta sem
resposta, na vida do rico. Novamente chama a atenção o fato de que Jesus não é
demagógico. Jesus não diz nem sugere que o rico deveria ceder um lugar à mesa
para Lázaro. Jesus não diz que Lázaro deveria morar na mesma casa do rico. Para
começo de conversa, Jesus apenas conta como Lázaro não tinha o que comer, não
tinha casa e era perturbado por cães vadios. Só isso.
por que Lázaro era pobre? Por que ninguém o
ajudava? Que circunstâncias o tinham levado aquela situação? A parábola não
responde a essas perguntas. Jesus tem um único interesse: colocar duas pessoas
diferentes, lado a lado, e fazer com que o ouvinte da parábola faça bem outra
pergunta: Que relação existia entre esses dois?
Sim, qual a ponte entre o rico e Lázaro? Existe
uma?
Para os primeiros ouvintes dessa parábola, a
introdução nem apresentava surpresa. Os escribas e fariseus tinham ideias e
teorias prontas, a esse respeito: Deus é quem reparte a felicidade e a
infelicidade, a riqueza e a pobreza, o êxito e o fracasso, o bem-estar e a
desgraça (confira o que argumentam os amigos de Jó, no Livro; de Jó, cap. 4, 5,
8, 11, 15, 18, 20, 22). A tranquilidade desse tipo de pessoas ( a quem Jesus
conta essa parábola) se reflete no fato de terem elaborado toda uma doutrina a
respeito de come dar esmolas. . .
Existirá ainda hoje esse tipo de pessoas? Parece
que sim. Em todo caso, Jesus coloca diante dos ouvintes de ontem e de hoje uma
pergunta diferente: Qual é a relação que existe entre o rico e Lázaro?
A tentativa de responder a essa pergunta de Jesus
mostra que a relação tem muitos aspectos. Antes de mais nada, o rico imagina
que pode viver sem Lázaro. Nada lhe falta. Não precisa de ninguém. O rico
imagina que pode viver sem o irmão. Que não precisa do irmão. E quem lhe dá
essa certeza? Sua riqueza.
Mas há outro aspecto. E este aparece com a
pergunta: Quem é Lázaro?
Parece que Jesus propõe uma resposta simples e
imediata: Lázaro é aquele que precisa do homem rico, porque é pobre. Lázaro é
aquele que precisa de alguém para viver, para sobreviver. Lázaro não pode viver
sem um amigo, um irmão. E donde vem essa certeza? De sua miséria.
Que relação existe entre os dois? Cada um é o que é
— por causa do outro. Só existem ricos porque existem pobres. Pode- se dizer
também que só existem pobres porque existem ricos? Na segunda cena, em todo
caso, acontece uma estranha inversão de papéis. Mais ainda: a segunda cena
procura mostrar se existe ou não uma ponte entre ri cos e Lázaros.
Ponte ou abismo?
Ricos e pobres morrem, neste mundo. Na parábola de
Jesus também. E então vem a primeira descoberta: ambos são filhos de Abraão”,
são judeus. Ambos esperam pelo juízo, pela ressurreição. Só que essa espera
acontece em lugares e condições diferentes. Lázaro pode ficar reclinado à mesa
dos justos e patriarcas ( Cf. Mateus 8. 11 ), enquanto que o rico aguarda seu
futuro no lugar da punição, no mundo dos mortos ( cf. Salmo 6. 6) . Para que o
contraste ainda se torne maior, Jesus descreve uma situação bem especial: o homem
rico pode observar a bem-aventurança de Lázaro de modo quase palpável.
Também a segunda cena está isenta de revoltas e
paixões .0 rico sabe que só lhe resta assumir e suportar os desígnios de Deus.
(Não tinha sido essa a sua fé em vida?)
No entanto, ele procura atenuantes, mesmo que
passageiros, para sua situação: uma ponta de dedo, molhada em água...
Mas não há atenuantes. Existe um tempo para que
alguém descubra sua relação para com o outro, para com o próximo: hoje. Tempo é
oportunidade. E a chance se oferece agora. Quem é você? Quem é o próximo?
Dentro do tempo, hoje, alguém está dizendo uma
palavra que nos informa de duas coisas importantes quem é o próximo e quem
somos nós. Jesus faz isso. Através dessa parábola, por exemplo.
Cristo, nós e o próximo
A segunda cena da parábola nos mostra como é
crítica a relação entre o rico e Lázaro. Através de sua presença, através de
sua pobreza, Lázaro põe em questão, destrói, torna impossíveI qualquer
tentativa nossa de viver sem ele. A miséria de Lázaro descobre e revela a
miséria fundamental do homem rico. A verdade de Lázaro comprova a mentira do
homem rico. A distância entre ricos e Lázaros torna-se a mesma distância, o
mesmo abismo entre ri cos e Deus. Existe uma ponte?
Sim, embora seja uma ponte pouco visível, pouco
aparente: a ponte é Lázaro. E Lázaro é quem conta a parábola. Através das
palavras dessa história (que não é profecia, mas comparação), aquele que a
conta está deitado junto ao portão dos ouvintes. Jesus mesmo é o irmão Lázaro,
com quem estamos sendo confrontados. Jesus é aquele que não se envergonha de
ser o irmão e companheiro dos Lázaros deste mundo.
Sempre que alguém descobrir essa relação, terá
descoberto a relação o entre o rico e o Lázaro (Mateus 25.31-46). Terá
descoberto a ponte. Sem essa relação, porém, desaparece também a ponte. O fim
de nosso tempo, o fim de nossa oportunidade, e também o fim da ponte.
Assim é que fazemos parte da parábola. Diante do
Cristo, somos lázaros sempre seremos os que tem mais (mais que gostariam de
viver, como homens ricos. Diante dos lázaros deste mundo, bens, mais tempo,
mais oportunidade). Resta saber como vemos, como vivemos, como experimentamos
essa relação. Resta saber se precisamos de alguém. Resta, saber se temos
consciência do próximo.
Resta saber se reconhecemos no outro uma pergunta
dirigida a nós.
Mas ainda existe um aspecto final de nossa relação
com a parábola. Somo s todos personagens desta história, por causa de um Cristo
que coloca ricos e pobres sob um critério diferente de julgamento. Não está
excluída a hipótese de o pobre se tornar amargurado, descrente e, derrotado,
devido a condição de Lázaro, sob a qual padece. Assim sendo, a parábola não se
limita à crítica simplificada da riqueza e ao elogio exagerado da pobreza. Pelo
contrário: a separação “após” a morte está intimamente ligada à separação
antes” da morte. O que está em questão na parábola, é a vida no mundo das
discriminações, das “diferenças”, das separações.
E Jesus aponta, na parábola, para uma possibilidade
oposta de vida. Vida em que as pessoas veem uma as outras. Vida em que as pessoas
vivem umas com as outras. Basta isso, para percebermos que a parábola
representa crítica veemente ao nosso hoje.
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