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fevereiro - Tudo proceda por princípios de fé, com ilimitada confiança nos
auxílios do Céu e sentimento indestrutível de gratidão ao Senhor e somente a
Ele, tanto na abundância como na carestia, lembrados sempre de que
"sufficit diei malitia sua!” a cada dia basta a sua aflição". (L 76). São Jose Marello
Marcos 1,12-15 18 fev 2024
"Logo depois o Espírito Santo fez com que Jesus fosse para o deserto. Jesus ficou lá durante quarenta dias, sendo tentado por Satanás. Ali havia animais selvagens, e os anjos cuidavam de Jesus.
Depois que João foi preso, Jesus seguiu para a região da Galiléia e ali anunciava a boa notícia que vem de Deus. Ele dizia:
- Chegou a hora, e o Reino de Deus está perto. Arrependam-se dos seus pecados e creiam no evangelho."
Após uma sequência de seis domingos, a liturgia dá uma pausa no tempo
comum e nos convida a vivenciar um dos seus períodos mais fortes, o tempo da
quaresma, iniciado na quarta-feira de cinzas. Hoje, celebramos o primeiro
domingo desse tempo especial de preparação para a Páscoa do Senhor. O
texto evangélico proposto, Marcos 1,12-15, embora curto, é bastante rico e
complexo, cujo conteúdo consiste na narrativa da ida de Jesus ao deserto, onde
foi tentado por satanás (vv. 12-13), e do início do anúncio do Evangelho na
Galileia (vv. 14-15).
Chega a ser surpreendente a capacidade de síntese do evangelista Marcos:
em apenas quatro versículos, ele consegue transmitir muita coisa da vida de
Jesus. Antes de nos determos diretamente no texto, é necessário fazer algumas
considerações a respeito do contexto em que está inserido. O episódio que
precede o nosso texto é o batismo de Jesus por João no Jordão (v. 9-11).
Enquanto realizava sua missão de batizador, João havia anunciado que viria alguém
“mais forte” do que ele, o qual batizaria no Espírito Santo. De fato, veio esse
alguém, foi batizado (v. 9), e nele o Espírito se manifestou em forma de pomba
(v. 10), e ainda recebeu o testemunho do Pai como o “Filho Amado” (v. 11).
O texto de hoje é a sequência desta série de eventos e sinais
introdutórios da missão de Jesus. Vejamos: “E logo o Espírito levou
Jesus para o deserto” (v. 12). De início, fazemos uma pequena e
importante observação: a versão litúrgica, infelizmente, omite a primeira parte
do versículo: “E logo” (em grego: Kai. euvqu.j – kaí
euthis); a ausência desse advérbio compromete o sentido do texto, porque omite
o caráter de urgência e imediatez da ação do Espírito em impelir Jesus para o
deserto. O verbo empregado pelo evangelista é muito mais intenso que “levar”,
utilizado pela versão litúrgica; o verbo grego empregado no texto original
(evkba,llw – ekbalo) significa empurrar, atirar, impelir, lançar fora com
força.
Jesus não é proclamado “Filho Amado” pelo Pai para isolar-se das provações
e dificuldades, mas para experimentar a vida com suas contradições e perigos. A
referência ao deserto, obviamente, não é geográfica, mas teológica. O deserto
(em grego: e;rhmoj – eremos) é um elemento de rico significado
para a tradição bíblica. Aqui indica, antes de tudo, que Jesus está inserido na
história do povo de Israel, fazendo parte desse e, portanto, estará sujeito aos
mesmos riscos e perigos pelos quais esse povo passou, desde a saída do Egito à
conquista da terra e, principalmente aos tempos obscuros de dominação e
exploração romana de seu próprio tempo. Assim, também o caminho de Jesus até a
cruz e ressurreição será marcado por perigos e provas, uma vez que, embora seja
verdadeiro Deus, ele é verdadeiro homem.
Embora o deserto evoque provação, é também o lugar ideal para o bom
relacionamento com Deus; por isso, quando o povo demonstrava infidelidade, os
profetas apresentavam a necessidade de retornar ao deserto para voltar a viver
o ideal da aliança. A experiência do deserto na vida de Jesus representa a
confirmação da sua vocação de “Filho Amado” do Pai: “E ele ficou no
deserto durante quarenta dias, e aí foi tentado por Satanás” (v. 13a).
Associando deserto a provação, o evangelista chama a atenção da sua comunidade
para um aspecto muito importante da vida cristã: deixar-se conduzir pelo
Espírito não torna a pessoa imune às tentações e dificuldades que a vida
apresenta. O tempo de permanência no deserto, “quarenta dias” (em
grego: tessera,konta h`me,raj – tesseráconta heméras), também possui
um rico simbolismo na Bíblia. É antes de tudo, uma alusão à experiência do
êxodo, marcada por quarenta anos de caminhada pelo deserto (cf. Nm 32,13; Dt
8,2), mas também a outros acontecimentos importantes do Antigo Testamento: a
duração do dilúvio de quarenta dias e quarenta noites (cf. Gn 7,4.12.17); a
caminhada de Elias rumo ao monte Horeb (cf. 1 Rs 19,8).
Além de evocar acontecimentos e personagens importantes da história de
Israel, esse número quer dizer uma etapa completa, ou seja, uma vida inteira,
uma geração. Portanto, significa que toda a vida de Jesus foi marcada pela
prova e, assim é também a vida da comunidade cristã. Isso deve levar os
cristãos a uma vida vigilante sem jamais cair em comodismos. Quer dizer que a
Igreja não pode, em momento algum da história, aceitar qualquer sinal de
conforto, principalmente quando ofertado pelos detentores de poder. O tentador,
segundo Marcos, é Satanás (em grego: satanaj), e significa o adversário.
Mais do que um ser específico, satanás é toda e qualquer realidade adversa ao
Reino de Deus. A vida cristã é um confronto constante com essa realidade. No
decorrer do Evangelho, o adversário de Jesus assumirá diversos rostos: a
hierarquia religiosa, o poder político romano e até mesmo os seus discípulos
(cf. 8,33), quando Pedro será explicitamente chamado de satanás e pedra de
tropeço por opor-se aos propósitos do Reino de Deus.
É importante também perceber que, ao contrário de Mateus e Lucas, Marcos
não faz a mínima referência ao conteúdo das tentações, nem ao jejum praticado
por Jesus. Ao invés de empobrecer, esse dado só enriquece o evangelho marcano.
Ora, ao não descrever em pormenores essa realidade simbólica, o evangelista
ajuda sua comunidade a não idealizar nem fantasiar uma cena, mas enfatiza que
as tentações são imprevisíveis e indescritíveis porque são muitas e, portanto,
não podem ser catalogadas ou delimitadas; a qualquer momento podem surgir, e
isso durante toda a vida.
A segunda parte do versículo evoca a conquista da paz messiânica: “Vivia
entre os animais selvagens, e os anjos o serviam” (v. 13b). O antigo
sonho profético de harmonia entre todos os elementos da criação é recuperado
por Jesus, o profeta do Reino por excelência. Aquilo que fora sonhado durante
muitos séculos por tantas gerações, tem em Jesus a oportunidade de ser
realizado. É claro que é uma imagem simbólica. Significa a missão de Jesus de
reconciliar o mundo consigo mesmo e com Deus. Jesus é habilitado pelo Pai, como
“Filho Amado”, para combater as forças do mal e vencê-las pelo amor, fazendo
acontecer a nova humanidade, instaurando, de fato, os “novos céus e nova terra”
(cf. Is 11,1-9). O serviço dos anjos quer dizer a adesão ao Reino da parte
daqueles que compreendem a centralidade do evangelho: servir por amor, o
triunfo do bem. Animais selvagens e anjos juntos, tendo Jesus ao centro,
significa a convivência pacífica entre todos os seres, não obstante as
características de cada um. As forças do mal já não têm o que fazer, se tornam
impotentes, quando o bem é abraçado e se faz serviço.
A passagem de Jesus pelo deserto é uma antecipação e síntese de toda a
sua vida. Quer dizer que o seu programa consiste no combate ao mal e
instauração definitiva do bem. Como tudo isso será realizado? Com o anúncio do
Evangelho e a construção do Reino de Deus. Esse anúncio é urgente: “Depois
que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galiléia, pregando o Evangelho de
Deus” (v. 14). Temos aqui um divisor de águas na vida de Jesus: sendo
comandada por Herodes (cf. Mc 6,17), a prisão de João se torna um apelo urgente
para a instauração do Reino de Deus; é um triunfo de satanás, o adversário,
personificado no algoz do Batista, que precisa urgentemente ser combatido. A
ação de satanás se torna evidente quando o sistema dominante oprime e mata.
Quem se deixa conduzir pelo Espírito, não pode assistir passivamente a essa
realidade. Por isso, Jesus entra em cena com seu anúncio do Evangelho de
Deus. A luta contra o mal empreendida por Jesus não se dará pela força nem
pelo poder, mas pelo anúncio do “Evangelho de Deus”, cujo núcleo central é o
amor.
A pregação de Jesus consistia no anúncio do Reino de Deus como algo
urgente: “o tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo.
Convertei-vos e crede no Evangelho” (v. 15). A compreensão
do cumprimento do tempo é essencial na pregação de Jesus. O evangelista se
refere ao tempo com o termo grego “kairo.j = kairós”, que não significa o
tempo cronológico, mas o tempo oportuno e favorável, uma oportunidade única que
não pode ser desperdiçada. De fato, em um mundo insuportável, marcado pelas
injustiças e opressão, com lideranças religiosas e políticas totalmente
corrompidas, a oportunidade de criação de um mundo novo não poderia passar
desperdiçada. A condenação injusta do Batista é uma prova disso.
O Reino de Deus (em grego: h` basilei,a tou/ qeou/ - hé
basileia tú Theú), conteúdo da pregação de Jesus, consiste exatamente na
alternativa de mundo e sociedade ao sistema vigente na época; é claro que essa
proposta continua válida ainda hoje, e até com mais urgência.
O Reino de Deus não é uma resposta de esperança em um bem-estar futuro,
mas a proposta de Deus para o hoje da história. Essa proposta consiste em uma
sociedade com novas relações, baseadas na justiça, no amor, no perdão e no
serviço; um mundo marcado pela igualdade e fraternidade. Podemos resumir o
Reino de Deus como a realização plena da sua vontade neste mundo. Esse
Reino “está próximo”, diz Jesus, porque é Ele o Reino em pessoa.
Mais que a temporalidade do Reino, a forma verbal “está próximo” exprime
a sua materialidade. Essa proximidade do Reino será evidenciada pelo modelo de
vida de Jesus e pelos sinais realizados por Ele, os quais dirão que o Reino, de
fato, chegou.
Para participar do Reino não são necessários rituais de purificação, mas
apenas conversão e adesão ao Evangelho: “Convertei-vos e crede no
Evangelho” (v. ). A necessidade de conversão é uma constante na vida
do seguidor de Jesus. O convite à conversão, expresso pela forma verbal
grega “metanoei/te – metanoeite”, não
significa intensificar as práticas penitenciais e devocionais, nem melhorar um
pouco, nem rezar mais... significa mudar radicalmente o jeito de ser, de pensar
e de agir. Essa mudança de mentalidade se torna verificável na vida da pessoa
pela adesão ao Evangelho.
Crer no Evangelho significa aceitar o anúncio de
Deus por meio de Jesus Cristo, tomando suas palavras como verdadeiras e
portadoras de libertação. É acreditar que um anúncio só pode ser bom e
edificante se tiver como base a mensagem libertadora de Jesus de Nazaré.
Você teria a coragem de trocar de
lugar com alguém em uma situação de sofrimento, dor e morte? Quando um filho ou
filha está doente, enfrentando um longo tratamento, e vemos na expressão do seu
rosto os sinais da dor, como gostaríamos de trocar de lugar com eles! Mas isso
não é possível. Dói demais ver alguém que tanto amamos partir deste mundo. O
Salvador Jesus, o filho de Deus, entende os nossos sentimentos. Ele
voluntariamente trocou de lugar conosco e sofreu as nossas dores e o castigo
pelos pecados que cometemos em atos, pensamentos, palavras e omissões. Que
incrível é o seu amor!
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