28
abril - O catecismo é o livro por excelência. Bem vulgar seria quem o quisesse
taxar de vulgaridade. Este livro revela com eficácia admirável toda a
utitlidade da religião e faz de um garoto de dez anos um pensador profundo, que
possui todos os grandes princípios da verdadeira filosofia e está à altura de
discorrer a qualquer momento sobre a essência e os atributos de Deus, falando
sem confusão da Unidade e da Trindade, da geração e da procedência das Pessoas
Divinas, que conhece a gênese do mundo, a queda do homem, a vinda do
Restaurador, a necessidade da graça e os meios que a difundem, o sacramento da
reconciliação e a comunhão da oração. Sem dúvida alguma, nenhum filósofo poderá
encarar um menino cristão na exposição exata das grandes verdades que
constituem o patrimônio da nossa religião. (L
25). São José Marello
João 15,1-8
""Eu sou a videira verdadeira e meu Pai
é o agricultor. Todo ramo que não dá fruto em mim, ele corta; e todo ramo que
dá fruto, ele limpa, para que dê mais fruto ainda. Vós já estais limpos por
causa da palavra que vos falei. Permanecei em mim, e eu permanecerei
Embora esteja inserido no longo discurso de despedida de Jesus na última
ceia, é muito provável que esse capítulo, juntamente com o seguinte (c. 16),
não tivesse a atual localização na primeira redação do Evangelho, mas estivesse
inserido em outra seção, uma vez que o capítulo anterior terminou com a
seguinte ordem de Jesus: “Levanta-vos, saiamos daqui” (Jo
14,31b). É improvável que, após esse comando, Jesus tenha continuado o
discurso.
Considerando a preciosidade do ensinamento, a comunidade julgou que esse
deveria fazer parte do “Testamento de Jesus” (Jo 13 – 17) e,
por isso o transportou para o contexto da última ceia. Ora, o que chamamos
de “Testamento de Jesus”, iniciado com o gesto inconfundível do
lava-pés, é o coração do Quarto Evangelho, a sua parte mais preciosa e
essencial para a comunidade manter-se fiel no discipulado ao longo da história.
É, portanto, nessa perspectiva que devemos ler o Evangelho de hoje: como um
ensinamento imprescindível, constituinte do próprio ser da comunidade cristã e,
por conseguinte, da sua identidade. Como estar unido a alguém que não se pode
ver, como o Ressuscitado? Esse era um questionamento constante nas comunidades cristãs
das origens, principalmente nos momentos de perseguição. O evangelista ensina
que se permanece unidos produzindo frutos, ou seja, vivendo o amor em
plenitude.
O texto de hoje é marcado pela auto apresentação de Jesus a partir da
imagem da videira: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o
agricultor” (v. 1). Com a afirmação “Eu sou” (em
grego: VEgw, eivmi – egô eimi), Jesus confirma sua identidade divina;
no Quarto Evangelho essa afirmação é repetida diversas vezes, o que se explica
pelas seguintes razões: dos quatro, é o Evangelho segundo João o que apresenta
mais rupturas de Jesus com o judaísmo e suas tradições; a repetição constante
da afirmação “Eu sou” funciona como garantia e confirmação de que, não obstante
as rupturas, a divindade de Jesus é a do mesmo Deus que outrora se revelou a
Moisés como “Eu sou” (cf. Ex 3,1-15). Portanto, a ação libertadora e salvífica
de Jesus é a mesma do único Deus que liberta sempre, Iahweh.
A videira, juntamente com a oliveira e a figueira, está entre as plantas
clássicas da tradição bíblica para representar a relação de Deus com seu povo,
embora leve vantagem em relação às demais, por gerar a matéria prima do vinho,
símbolo da alegria, da felicidade e do amor. Tanto os profetas quanto a
tradição sapiencial fizeram uso dessa imagem, referindo-se a Israel como
destinatário do amor de Deus (cf. Is 5,1-7; Jer 2,21; Ez 15,1-6; 17; 19,10-14;
Sl 80), embora no Antigo Testamento prevalecesse mais a figura coletiva da
vinha, a plantação de videiras, do que a figura individual da videira, como
Jesus aplica a si.
É importante observar que Jesus não se apresenta simplesmente como
videira, mas como “a videira verdadeira” (em grego: h`
a;mpeloj h` avlhqinh. – hé ampelos hé aletinê); com isso ele afirma que
existem outras videiras não verdadeiras e, por isso, a comunidade pode se
enganar. É necessário, portanto, que a comunidade de discípulos e discípulas
esteja atenta. É importante também perceber o papel do Pai: ele é o agricultor
da videira verdadeira. Ora, esse Pai que assume a função de agricultor, é o
mesmo que assumiu a de Pastor, como refletimos no domingo passado. Decepcionado
porque os pastores tinham apascentado a si mesmos, deixando perecer o rebanho
(Ez 34), o Pai enviou Jesus como pastor bom e belo, ao contrário dos mercenários;
assim também os agricultores não cuidaram da vinha como deveriam, e o resultado
foi “uvas azedas” (cf. Is 5,1-7). Por isso, o Pai assume pessoalmente a função
de cuidar da videira verdadeira, o seu Filho Jesus e, nele, fazer frutificar um
novo povo. A imagem da videira era usada também para representar a Lei, o que
ajuda também a compreender a ênfase do adjetivo “verdadeira”, ou seja, Jesus
contrapõe suas palavras e gestos às prescrições da Lei de Moisés.
O Pai, como agricultor, tem um papel inconfundível: “Todo ramo
que em mim não dá fruto, ele o corta, e todo ramo que dá fruto, ele o limpa,
para que dê mais fruto ainda” (v. 2). A última palavra é sempre do
Pai. A comunidade joanina passava por diversas crises, e uma dessas era a
tendência ao puritanismo e à hierarquização. Essas palavras de Jesus são
colocadas como respostas a essas tendências: ninguém pode ocupar o lugar do
Pai. A comunidade não é lugar de julgamentos e acusações. É o Pai que, como
agricultor único, a seu tempo, corta e poda os ramos conforme a capacidade e
disponibilidade de produzir frutos em cada um. E todos, frutíferos ou não,
necessitam da ação do Pai.
Se a comunidade está atenta às palavras de Jesus, ela está limpa e,
portanto, não necessita de nenhum rito de purificação: “Vós estais
limpos por causa da palavra que eu vos falei” (v. 3). Muitos na
comunidade joanina insistiam em querer conciliar o ensinamento de Jesus com o
conjunto de ritos judaicos, principalmente os de purificação. Isso não é mais
necessário. O que purifica é a adesão à Palavra, e isso é atestado pelos frutos
produzidos, ou seja, a prática do amor.
A necessidade da permanência em Jesus é vital para a os discípulos e a
comunidade: “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo
não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós
não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim” (v. 4). Ora, se
durante a experiência terrena de convivência com Jesus, vendo seus sinais e
ouvindo suas palavras, os discípulos ainda se “separaram” (traição de Judas e
negação de Pedro), após a ressurreição essa permanência se tornava ainda mais
difícil, por isso o evangelista recorda essas palavras e ressalta sua
importância para a comunidade.
A alegoria atinge seu ápice aqui: “Eu sou a videira e vós os
ramos. Aquele que permanece em mim, e eu nele, esse produz muito fruto; porque
sem mim nada podeis fazer” (v. 5). Destacado da planta, nenhum ramo
pode frutificar. Se a característica dos discípulos e discípulas é produzir
frutos, isso só se faz estando unidos à planta. E para que os frutos sejam bons
é necessário que a planta à qual devem estar unidos seja verdadeira. É por isso
que, sem ele, a comunidade nada pode. São os frutos que atestam se uma
comunidade está unida ou não a Jesus. Esses frutos, por sinal, são o
cumprimento do mandamento do amor: “Nisto reconhecerão todos que sois
meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35). Não há
outro critério que ateste a união a Jesus que não seja o amor.
É claro que terá consequências para quem não permanecer com ele, ou
seja, para quem não produzir frutos ou, em outras palavras, para quem não viver
o seu amor: “Quem não permanecer em mim, será lançado fora como um ramo
e secará. Tais ramos são recolhidos, lançados no fogo e queimados” (v.
6). Aqui não está a descrição de um castigo, mas o retrato de uma vida sem
sentido; de fato, não tem sentido a vida de quem não ama. A falta de amor faz
perecer a existência de qualquer pessoa. Quem ama, consciente ou não, está
unido a Cristo; da mesma forma, quem não ama está separado, mesmo que tenha
vínculos religiosos e participe de ritos e sacramentos.
A permanência do discípulo em Jesus, semelhante à do ramo à videira,
garante a sintonia entre ambos, a ponto de a vontade de um ser confirmada pelo
outro: “Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós,
pedi o que quiserdes e vos será dado” (v. 7). Não se trata de uma
confiança mágica, mas de uma afinidade de sentimentos. O discípulo e discípula
que ama, vive com Jesus uma relação de tamanha transparência, semelhante àquela
entre Jesus e o Pai: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30).
A verdadeira glória a Deus não se dá por meio de ritos ou hinos, mas
simplesmente pelos frutos de amor: “Nisto meu Pai é glorificado: que deis
fruto e vos tornais meus discípulos” (v. 8). Não se torna discípulo
para dar frutos, mas é dando frutos que se torna discípulo. Aqui o evangelista
recorda à sua comunidade e às nossas, que o discipulado é algo dinâmico, não é
um status; ninguém nasce discípulo, mas se torna discípulo à medida em que vai
conduzindo a sua existência pelo amor, ou seja, produzindo frutos. Quanto mais
pessoas se tornam discípulos ou discípulas, o amor de Jesus se espalha pelo
mundo e, nisso, o Pai é glorificado.
Que possamos unirmo-nos cada vez mais a Jesus, videira verdadeira,
deixando-nos podar pelo Pai, para que, produzindo frutos de amor, cheguemos
realmente à condição de discípulos e discípulas de Jesus Cristo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário