4 fevereiro - Os músculos se retesam, o coração pulsa, o
espírito se (eleva) expande nas asas da oração, no horizonte do futuro;
combateremos, arrastando esta pobre carne na luta sanguinolenta, sem que a boca
pronuncie palavras de lamúria ou o pé se arrede minimamente do caminho do
martírio! (L 23). SÃO JOSE MARELLO
Marcos 1,29-39 (ANO B)
Naquele tempo, 29Jesus
saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, para a casa de Simão e André. 30A
sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus. 31E
ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre
desapareceu; e ela começou a servi-los.
32À tarde, depois do pôr-do-sol, levaram
a Jesus todos os doentes e os possuídos pelo demônio. 33A cidade
inteira se reuniu em frente da casa. 34Jesus curou muitas pessoas de
diversas doenças e expulsou muitos demônios. E não deixava que os demônios
falassem, pois sabiam quem ele era.
35De madrugada, quando ainda estava
escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto. 36Simão e
seus companheiros foram à procura de Jesus. 37Quando o encontraram,
disseram: “Todos estão te procurando”. 38Jesus respondeu: “Vamos a
outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para
isso que eu vim”. 39E andava por toda a Galileia, pregando em suas
sinagogas e expulsando os demônios.
O evangelho deste quinto domingo do tempo comum, Mc
1,29-39, é a continuação e conclusão da chamada “jornada de Cafarnaum” (cf.
1,21-31), cuja leitura foi iniciada no domingo passado (cf. Mc 1,21-28) e, ao
mesmo tempo, o início de uma nova etapa da missão de Jesus em outros lugares da
Galileia. Ora, tendo chamado os quatro primeiros discípulos (cf. 1,16-20),
designando-os como “pescadores de homens”, Jesus inaugurou seu ministério em
conformidade com as tradições litúrgicas de Israel: em uma sinagoga num dia de
sábado. No espaço sacro, a sinagoga, Jesus apresentou a novidade do Reino em
palavras e atos (ensinamento com autoridade e expulsão de espírito impuro),
causando admiração e surpresa em todos os presentes, fazendo espalhar sua fama
rapidamente (cf. 1,27-28).
Se no domingo passado o evangelho iniciava com a entrada de Jesus na
sinagoga, hoje inicia com a sua saída: “Jesus saiu da sinagoga” (v.
29a). Aqui, o evangelista emprega um verbo que recorda o
êxodo: evxerkomai – ecserkomai, cujo significado mais exato é
escapar, fugir ou libertar-se. Com isso, Marcos ensina que a sinagoga não é o
lugar do discipulado; pelo contrário, como símbolo das estruturas de poder e
dominação vigentes, a sinagoga é uma realidade da qual as pessoas devem ser
libertadas. As instituições, de um modo geral, são espaços hostis para o
discipulado de Jesus porque impedem a realização do ser humano em sua liberdade
e dignidade plenas.
Saindo da sinagoga, “Jesus foi, com Tiago e João, para a
casa de Simão e André” (v. 29b). A casa (em grego: oivki,a –
oikia) é a alternativa proposta por Jesus para a realização do seu projeto em
sua dimensão espacial primeira. No âmbito do poder instituído, aqui
representado pela sinagoga, não há espaço nem condições para a realização do
Reino de Deus; é necessário buscar novas formas viáveis de organização que
permitam a plena realização do ser humano. Compreender esse deslocamento da
sinagoga para a casa é fundamental para a compreensão de todo o projeto de
Reino proposto por Jesus. A casa é o espaço eclesial por excelência; é na casa
onde Jesus fala abertamente com seus discípulos. A Igreja primitiva adotou a
casa como o lugar da liturgia, da catequese, do encontro. Se é na casa onde
acontece a vida, deve ser na casa o culto ao Deus da vida; um culto não ritual,
mas serviçal. Do púlpito da sinagoga não era possível conhecer as necessidades
reais das pessoas; isso só é possível indo ao encontro delas, ou seja, indo à
casa.
Ao chegar na casa com dois dos discípulos, João e Tiago, Jesus encontra
uma situação desconfortável, caótica: “A sogra de Simão estava de cama, com
febre, e eles logo contaram a Jesus” (v. 30). Embora se tratasse
apenas de uma febre, de acordo com o texto, esse tinha paralisado a mulher,
impedindo-a de exercer suas funções. Se a mulher em pleno estado de saúde já
valia muito pouco naquela sociedade, muito menos seria enquanto enferma. O ato
de deixar Jesus a par da situação evidencia confiança nele; é sinal de que ele
já estava sendo reconhecido como doador de vida e de sentido para a vida. É
também sinal de que naquela comunidade embrionária a mulher deve ter um papel
relevante e até essencial.
Estando ciente da situação, Jesus não se omite, como não se conforma com
o domínio do mal na vida das pessoas. Por isso, “ele se aproximou,
segurou sua mão, e ajudou-a a levantar-se” (v. 31a). O texto não
menciona uma única palavra de Jesus, mas apenas gestos. Por sinal, gestos
sacrílegos, considerando que era dia de sábado e, portanto, nenhuma atividade
manual era permitida naquele dia. Certamente, o evangelista pensou na sua e nas
comunidades cristãs de todos os tempos: os gestos de libertação falam mais que
longas e muitas palavras. Sem nenhum temor Jesus se aproxima de uma pessoa com
a vida ameaçada; ele não teme nem foge das situações concretas de dor e
sofrimento, mesmo que tal atitude fosse proibida pela religião. Pelo contrário,
ele enfrenta toda situação em que a vida se encontra ameaçada. O gesto de
segurar pela mão significa o cumprimento de uma ação salvífica por excelência:
é Deus doando sua força em benefício do seu povo, tirando-o da opressão, de
acordo com a linguagem do Antigo Testamento (cf. Ex 13,16; Is 41,13; Sl 136,12;
etc.); é prova do amor e cuidado de Deus para com a humanidade.
Com um cuidado incomparável, Jesus manifesta sua opção incondicional pela
vida e o bem do ser humano. O evangelista diz que ele ajudou a mulher a
levantar-se empregando o verbo grego h;geirw – egheiro, o
mesmo usado para falar da ressurreição do próprio Jesus (cf. 16,6). Com isso,
ele quer dizer que Jesus restituiu a vida para aquela mulher. A ressurreição é,
por excelência, o triunfo da vida sobre a morte e suas causas. Eis, portanto,
as consequências da ação de Jesus: “Então, a febre desapareceu; e ela
começou a servi-los” (v. 31b). O mal, representado no texto pela
febre, não resiste à presença amorosa e cuidadosa de Jesus. Sendo o mal banido
da comunidade, as atitudes de serviço se evidenciam. O serviço é a atitude
imediata de quem se encontra com o amor restaurador de Jesus e o critério para
perceber se esse amor está sendo vivido na comunidade cristã. Jesus é doador de
vida, e quem recebe essa vida se torna servo e serva de todos.
Na sequência, diz o evangelista que “À tarde, depois do
pôr-do-sol, levaram a Jesus todos os doentes e os possuídos pelo demônio” (v.
32). Com esse versículo, percebemos que as pessoas continuavam escravas da
religião, colocando o preceito acima do bem. Ora, a expressão “depois do
pôr-do-sol” (em grego: e;du o` h[lioj – edi hó hélios)
significa o início do novo dia. Portanto, as pessoas tinham esperado terminar o
sábado, por preceito, para levarem seus doentes até Jesus. Estavam literalmente
sob a escravidão da lei. Como a fama de Jesus tinha se espalhado rapidamente
(cf. 1,28), era grande a procura pela sua ação libertadora. Tanto é que “A
cidade inteira se reuniu em frente da casa” (v. 33). Ao dizer que a
cidade se reuniu, o evangelista emprega o
verbo grego evpisunagw – epíssinago, cujo
significado é reunir, recolher, do qual deriva a palavra sinagoga. Com isso, o
evangelista insiste ainda mais com a ideia da casa como alternativa à sinagoga.
Se Jesus está na casa, é ali onde as pessoas devem reunir-se; e se as pessoas
estão reunidas na casa, é ali onde Jesus está presente. É claro que há
exagero do evangelista ao dizer que a cidade inteira se reuniu; a expressão
quer enfatizar a adesão e, principalmente, a curiosidade que a presença de
Jesus despertava. É perceptível também a intenção de anunciar a falência da
religião instituída: as pessoas já não se sentem mais presas à estrutura rígida
e fixa da sinagoga. A reunião “em frente da casa” é sinal de liberdade,
acolhida e fraternidade.
É importante recordar que, embora tenham levado todos os
doentes, “Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou
muitos demônios” (v. 34), ou seja, não curou a todos. Nas multidões
sempre há incompreensão, falso entusiasmo, risco de dispersão. Estar no meio da
multidão não significa necessariamente estar em comunhão. Não basta ir
fisicamente ao encontro de Jesus ou participar de momentos de reunião comunidade;
é necessário, antes de tudo, ter disposição interior e disponibilidade para
viver os valores do Reino. A comunidade não deve entusiasmar-se simplesmente
por juntar multidões; é necessário muito mais para ser, realmente, uma
comunidade de discípulos e discípulas.
Terminada a chamada “jornada de Cafarnaum”, Jesus iniciou uma nova fase
do seu ministério. Como comunicador do Reino de Deus, ele precisava nutrir sua
intimidade com o Pai através da oração, como atesta o evangelista: “De
madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar
deserto” (v. 35). Ele não se deixou levar pelo aparente sucesso do dia
anterior. Sentia necessidade de comunicar-se com o Pai para permanecer fiel em
sua missão. A oração capacita para o discernimento, fortalece as convicções.
Muitas vezes o ativismo das comunidades deixa essa dimensão importante da vida
cristã passar despercebida. Aqui o evangelista deixa um recado muito claro para
a sua comunidade e para as demais.
Enquanto rezava, “Simão e seus companheiros foram à procura de
Jesus. Quando o encontraram, disseram: “Todos estão te procurando” (vv.
36-37). Os discípulos, ainda principiantes no seguimento, queriam certamente
que Jesus repetisse os feitos da jornada anterior, refazendo o mesmo percurso.
É a tentação do comodismo e do poder. Alimentado pela oração e, portanto, cada
vez mais convicto de sua missão, “Jesus respondeu: “Vamos a outros
lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso
que eu vim” (v. 38). Aqui o aspecto dinâmico e itinerante do movimento
de Jesus é evidenciado, bem como o universalismo do seu alcance é
pré-anunciado. Mesmo sendo desenvolvida inicialmente na Galileia, a itinerância
da missão de Jesus antecipa o universalismo que deve marcar o cristianismo de
todos os tempos. Não à religião do templo, do comodismo e da conivência com os
poderes instalados! Ir a outros lugares é uma necessidade de quem vive a Boa
Nova e os valores do Reino.
Na conclusão, temos a atestação do caráter itinerante da missão de
Jesus: “E andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e
expulsando os demônios” (v. 39). A atividade de “pescar
seres humanos” continuava em evidência, ao priorizar os ambientes onde as
pessoas corriam mais perigo: os espaços de domínio da religião; por isso, ele
pregava nas sinagogas, inicialmente. Certamente, por onde passava ele fazia a
passagem da sinagoga para a casa, libertando do peso da lei para o bem da vida,
em espírito de serviço e gratuidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário