18 agosto - Assunção da Bem aventurada Virgem Maria
O entusiasmo juvenil, como o éter, quando deixado em vaso
aberto, volatiliza-se e se dispersa. Não devemos confundir a vontade
passageira, por isso insuficiente, com a vontade permanente, que é eficaz. (L 10). São Jose Marello
Leitura do santo Evangelho segundo São Lucas 1,39-56 18 ag 2024
"Naqueles dias, Maria partiu
apressadamente... Ela entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel
ouviu a saudação de Maria, a criança pulou de alegria em seu ventre, e Isabel
ficou repleta do Espírito Santo. Com voz forte, ela exclamou: "Bendita és
tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como mereço que a mãe
do meu Senhor venha me visitar? Logo que a tua saudação ressoou nos meus ouvidos,
o menino pulou de alegria no meu ventre. Feliz aquela que acreditou, pois o que
lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido!". Maria então disse:
"A minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito se alegra em Deus, meu
Salvador, porque ele olhou para a humildade de sua serva. Todas as gerações, de
agora em diante, me chamarão feliz, porque o Poderoso fez para mim coisas
grandiosas. O seu nome é santo, e sua misericórdia se estende de geração
Este é um dos trechos mais apreciados do Evangelho
segundo Lucas, sobretudo, nas tradições católicas, devido a relevância dada à
figura de Maria. É uma das raras cenas do Novo Testamento que tem somente
mulheres como protagonistas, o que indica sua importância e peculiaridade. Com
isso, o evangelista preconiza o início de uma nova história para a humanidade,
com novas perspectivas e esperanças; essa história será escrita a partir dos
pobres, desprezados e marginalizados da sociedade, como eram as mulheres na
época em que o Evangelho foi escrito. Como pessoas simples e humildes, Maria e
Isabel, protagonistas do episódio, são uma prova de que o Deus de Israel tem um
lado na história: o lado dos pobres, humildes e marginalizados, a quem ele
dirige o seu olhar misericordioso (cf. v. 48). O contexto do episódio é o da
dupla anunciação: do nascimento de João a Zacarias, esposo de Isabel (cf. Lc
1,5-25), e do nascimento de Jesus a Maria (cf. Lc 1,26-38), dentro do chamado
“Evangelho da Infância”, em Lucas.
Após a retirada do anjo de perto dela (cf. Lc
1,38), tendo ficado embaraçada com o anúncio (cf. Lc 1,29), Maria tomou a firme
decisão de ir visitar sua parenta, certamente com o propósito de confirmar a
veracidade do anúncio feito pelo anjo: “Também Isabel, tua parenta,
concebeu um filho na velhice, e este é o sexto mês para aquela que a chamavam
de estéril” (cf. Lc 1,36). Realmente, a gravidez de uma mulher estéril e
anciã seria tão surpreendente quanto a de uma jovem sem relação com homem. Por
isso, Maria não pensou duas vezes e “partiu
para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da
Judeia” (v. 39). Muito se tem discutido a respeito da finalidade dessa
partida tão apressada. As interpretações mais populares e devocionais atribuem
essa partida à vontade de Maria de servir, de ajudar à sua parenta. Porém, o
texto não aponta necessariamente para isso.
Podemos afirmar sem dificuldade
que Maria pôs-se a caminho para a casa de Isabel com o intuito de comprovar a
veracidade do anúncio da parte do anjo. Como uma mulher atenta e perspicaz,
sensível aos sinais dos tempos, ela fez bem em conferir esse fato. Isso apenas
comprova que era uma mulher prudente, de fé sólida. Além disso, o texto revela,
de modo antecipado, muitos aspectos da teologia tratada por Lucas ao longo de
toda a sua obra (Evangelho segundo Lucas e Atos dos Apóstolos). É típico de
Lucas, o movimento, o sair de si. O constante partir de um lugar para outro é
um traço característico deste Evangelho, principalmente da parte de Jesus com
os discípulos. Essa partida imediata de Maria faz dela um modelo de discípula
e, ao mesmo tempo, inaugura o primeiro movimento de Jesus: ainda no ventre, Ele
já estava inquieto e pronto a romper qualquer situação de estabilidade e
tranquilidade, mesmo enfrentando adversidades e perigos, como Maria enfrentou
ao partir sozinha para uma região montanhosa e de difícil acesso.
O fato de Maria não ter ido à casa
de Isabel apenas para servi-la não diminui o seu papel e o seu valor. Antes de
tudo, merece atenção e reverência a sua coragem e determinação de partir
sozinha e apressada para uma região distante, percorrendo caminhos difíceis e
perigosos. Para uma mulher, isso era praticamente inadmissível, e ela, com
muita audácia o fez, rompendo muitas barreiras, antecipando o papel da Igreja,
da qual ela é modelo: romper barreiras, colocar-se em estado constante de
saída, independente do perigo a ser enfrentado.
Ao chegar ao destino,
Maria “Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel” (v. 40).
Muito mais que cumprimentar, o verbo “saudar” seria mais apropriado na tradução
do texto, por ser mais compatível com a língua original e o contexto em
questão. A expressão hebraica para a saudação é desejar a paz (em
hebraico: shalom). Ao enviar os discípulos em missão, Jesus ordenou que
eles desejassem a paz em cada casa que entrassem (cf. Lc 10,5). Aqui, mais uma
vez, Maria antecipa a atitude de cada discípulo e discípula: ser portador (a)
da paz! Como mulher inovadora e corajosa, ela ignora a tradição patriarcal e
saúda a mulher em lugar do homem (v. 40). Assim, ela provoca uma verdadeira
revolução e inversão de valores nas relações sociais, como aprofundará no seu
hino, o Magnificat. Na sociedade do seu tempo, quem deveria ser saudado
era o dono da casa; saudando a mulher, ela afirma que um tempo novo está surgindo,
com novas relações e uma nova ordem.
A saudação de Maria irradia paz no
ambiente, a ponto de fazer até mesmo a criança, ainda no ventre, agitar-se (v.
41a). Isso porque Isabel fica “cheia do Espírito Santo” (v. 41b).
Trata-se do mesmo Espírito prometido pelo anjo a Maria no momento do
anúncio: “O Espírito Santo descerá sobre ti” (cf. Lc 1,35a). Como
força vital, o Espírito Santo é luz irradiante e interpelante, que pode ser
sentido quando transmitido por pessoas cheias dele, como Maria. A atitude de
Isabel não poderia ser outra, senão exclamar, gritando: “Bendita és tu
entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (v. 42). É a palavra
profética que nela se atualiza. Sabendo que Maria carregava dentro de si o
Messias, isso fazia dela a mais “bendita” entre todas as mulheres. Assim,
Isabel torna-se a primeira a proclamar as “bem-aventuranças” no Evangelho
segundo Lucas. Ora, gerar filhos na mentalidade bíblica, era sinal de
bem-aventurança e bênção; uma confirmação de que se tinha Deus a seu favor.
Logo, gerar o Messias seria prova de uma dignidade inigualável.
Tendo composto seu Evangelho com
muita atenção para a Escritura hebraica, o Antigo Testamento, Lucas procura
atualizá-lo no “evento Cristo”. Assim, na continuação da exclamação de Isabel,
o evangelista desenha Maria como a nova “Arca da Aliança”. Como sabemos, na
arca da aliança eram guardadas as tábuas da lei, sinal máximo da presença de
Deus no meio do seu povo. Com a exclamação de Isabel: “Como posso merecer
que a mãe do meu Senhor me venha visitar? ” (v. 43), Lucas relembra e
atualiza as palavras de Davi quando estava para receber a Arca em sua
casa: “Como virá a Arca de Iahweh para minha casa?” (2 Sm 6,9).
Portanto, Lucas percebe em Maria a arca da nova aliança, não mais portadora da
Lei, mas portadora do amor e da misericórdia de Deus. Davi exclamou com medo
(cf. 2 Sm 6,10), enquanto Isabel exclamou de alegria, o que mostra que Lei
escraviza e o amor liberta.
E, mais uma vez, Maria é
reconhecida como bem-aventurada: “Bem-aventurada aquela que acreditou,
porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu” (v. 45). Além de exaltar
as qualidades de Maria, as palavras de Isabel são também uma repreensão ao seu
esposo Zacarias, o qual, ao contrário de Maria, não acreditou no anúncio do
anjo (cf. Lc 1,20), por isso ficou mudo até que o menino nascesse. Isabel
combate a incredulidade do marido e reforça a sua fé renovada pela presença de
Maria, como ela confessou: “Será cumprido o que o Senhor lhe
prometeu” (v. 45b). Ao repreender a incredulidade do esposo Zacarias, um
sacerdote, Isabel proclama a decadência da antiga religião oficial,
demonstrando que somente os pobres, simples e humildes são capazes de acolher
as intuições do Espírito Santo, como Maria. Assim, a religião do rigor e da Lei
está completamente falida.
Provavelmente constrangida com
tantos elogios da parte da sua parenta, Maria a interrompe e, exultando de
alegria, expressa seu louvor a Deus com o seu cântico, conhecido
como Magnificat (vv. 46-54). Isso reflete também a preocupação do
evangelista com a construção futura da imagem de Maria na Igreja; o centro do
culto e da vida cristã é sempre Deus, pois é ele o autor das maravilhas
operadas e, portanto, é a ele que o reconhecimento e o louvor devem ser
dirigidos. O Magnificat é o primeiro dos cânticos que Lucas apresenta
em seu Evangelho. Trata-se de uma composição que sintetiza todo o Antigo
Testamento. Lucas faz uma construção nova com pedras antigas, pois o texto é um
verdadeiro mosaico de citações do Antigo Testamento. A estrutura geral é tomada
do cântico de Ana (cf. 1Sm 2,1-10), o que se explica pela semelhança das duas
situações, uma vez que, assim como Isabel, também Ana era considerada estéril e
concebeu um profeta, Samuel, como Isabel concebeu João Batista. Se Isabel
estava maravilhada por contemplar grandes coisas (vv. 42-45), Maria lhe ajuda a
compreender melhor tal situação, convidando-lhe a olhar para a história e
perceber que, na verdade, esse Deus de Israel nunca esqueceu o seu povo, sempre
fez grandes coisas em seu favor e, portanto, é a Ele que o louvor deve ser
dirigido. Tudo o que estava acontecendo era dom de Deus.
Maria personifica todo o Israel e
resume os grandes feitos de Deus na história, destacando, sobretudo, a sua
predileção pelos pobres, humildes e humilhados. Quando reconhece que “o
Todo-Poderoso fez e faz grandes coisas” (v. 49), ao mesmo tempo se afirmar
que não há outros poderosos, exatamente porque devem ser derrubados de seus
falsos tronos (v. 52). É o início do cumprimento das antigas promessas, agora
sob a responsabilidade de Jesus e a comunidade dos discípulos, da qual Maria é
modelo. A versão lucana das bem-aventuranças e maldições é também aqui
antecipada: a expressão “Encheu de bens os famintos” (v. 53a)
antecipa as bem-aventuranças dirigidas aos pobres (cf. Lc 6,20-21); já a
expressão “Despediu os ricos de mãos vazias” (v. 53b) antecipa as
repreensões – ai de vós – dirigidas aos ricos (cf. Lc 6,24-25). É, sem dúvidas,
a síntese da oração de Israel que deverá ser continuada pela comunidade dos
discípulos, a Igreja cristã.
A conclusão do texto reafirma a
imagem de Maria como arca da nova aliança: “Maria ficou três meses com
Isabel; depois voltou para casa” (v. 56). Uma expressão muito parecida
aparece em 2Sm 6,11: “A Arca de Iahweh ficou três meses na
casa de Obed-Edom de Gat, e Iahweh abençoou a Obed-Edom e a toda a sua
família”. A presença de Maria na casa de Isabel foi, com certeza, a confirmação
da bênção de Deus sobre ela, seu esposo Zacarias e o filho esperado, João
Batista. Na arca da nova aliança não há tábuas da Lei, não há norma nem
preceito, há apenas Jesus, expressão máxima do amor e da misericórdia de Deus
para com a humanidade.
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