11 agosto – Quando estivermos angustiados, procuremos fazer aquilo que
aconselharíamos aos outros. (S 193).
São Jose Marello
João 6,41-51
"Eles começaram a criticar Jesus porque ele tinha dito: "Eu sou o pão que desceu do céu." E diziam:
- Este não é Jesus, filho de José? Por acaso nós não conhecemos o pai e
a mãe dele? Como é que agora ele diz que desceu do céu?
Jesus respondeu:
- Parem de resmungar contra mim. Só poderão vir a mim aqueles que forem
trazidos pelo Pai, que me enviou, e eu os ressuscitarei no último dia. Nos
Profetas está escrito: "Todos serão ensinados por Deus." E todos os
que ouvem o Pai e aprendem com ele vêm a mim. Isso não quer dizer que alguém já
tenha visto o Pai, a não ser aquele que vem de Deus; ele já viu o Pai.
- Eu afirmo a vocês que isto é verdade: quem crê tem a vida eterna. Eu
sou o pão da vida. Os antepassados de vocês comeram o maná no deserto, mas
morreram. Aqui está o pão que desce do céu; e quem comer desse pão nunca
morrerá. Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém comer desse pão, viverá
para sempre. E o pão que eu darei para que o mundo tenha vida é a minha carne. "
A auto apresentação de Jesus como pão descido do céu e alimento para a
vida eterna foi duramente criticada e questionada pelos seus ouvintes,
praticantes da religião tradicional. Para esses, a única referência de pão
descido céu era o maná do deserto, mas aquele era um alimento perecível, tanto
que os antepassados que dele se alimentaram, morreram todos. Portanto, a
afirmação de Jesus soava como pretensão e afronta. Por isso, o
questionamento: “Os judeus começaram a murmurar a respeito de Jesus,
porque havia dito: ‘Eu sou o pão que desceu do céu” (v. 41). Quando
João menciona “os judeus”, não se refere a todo o povo, mas às autoridades
religiosas, quem mais se incomodava com as afirmações de Jesus. De fato, as
declarações de Jesus eram verdadeiras ameaças para aquela religião, pois abriam
caminho para a humanidade encontrar-se diretamente com Deus, através da sua
pessoa, dispensando a mediação dos líderes religiosos.
O murmúrio, mais que um simples lamento, é uma contestação da graça e do
poder de Deus, por isso, é um pecado. É a atitude de um povo rebelde e fechado
que rejeita a libertação oferecida por Deus, como acontecera no deserto: “Murmuraram
contra Moisés e contra Aarão todos os filhos de Israel, dizendo consigo toda a
assembleia: antes tivéssemos morrido na terra do Egito! Estamos morrendo neste
deserto!” (Nm 14,2). O murmúrio das autoridades religiosas contra
Jesus é, portanto, a confirmação do fechamento de Israel, desde o antigo êxodo,
à proposta libertadora de Deus, levada a cumprimento em Jesus de Nazaré.
Para desqualificar Jesus e negar a sua condição divina, alegam a sua
origem humana e simples: “Eles comentavam: ‘Não é este Jesus, o filho
de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como então pode dizer que desceu do
céu?” (v. 42). Como a religião oficial tinha caricaturado Deus como um
soberano distante da terra, inacessível ao ser humano, as afirmações de Jesus
soavam como absurdas. Segundo aquela mentalidade, era impossível que aquele
Deus pudesse ser manifestar através de um simples carpinteiro. Sendo habitante
da região, com pai e mãe conhecidos, Jesus não tinha credencial de revelador de
Deus, segundo a imagem de Deus criada por aquela religião. Como ser imensamente
superior, Deus só poderia se manifestar através de sinais extraordinários,
jamais em um homem pobre e ousado como Jesus. Se aceitassem Jesus como
revelador do Pai, estariam desconstruindo um discurso sustentado há séculos e
colocando em risco seus privilégios. Ao associar Jesus a seus pais terrenos, os
judeus afirmavam que ele não poderia ter descido do céu.
Jesus não entra diretamente na discussão, pois não sente necessidade de
reafirmar a sua origem divina para aquele povo duro de coração. Apenas
interrompe o comentário, repreendendo as murmurações: “Jesus respondeu:
Não murmureis entre vós” (v. 43). Jesus não quer a perpetuação dos
erros de Israel que, historicamente, tem interpretado mal a presença de Deus em
seu meio, rejeitando-o inúmeras vezes. Com muita tranquilidade e consciência,
Jesus deixa claro que é preciso deixar-se atrair pelo Pai para chegar até
ele: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu
o ressuscitarei no último dia” (v. 44). Não obstante as rejeições
sofridas, Jesus reforça sua confiança no Pai e a relação intrínseca entre os
dois. Se foi o Pai que o enviou, é também o Pai que atrairá cada um a si. Na
história da salvação, a iniciativa é sempre de Deus, cuja expressão máxima é a
ressurreição. Quem se deixa atrair pelo Pai e vai a Jesus, terá a plenitude da
vida, não como prêmio, mas como consequência.
Em Jesus, toda a humanidade tem a oportunidade de unir-se a Deus,
através do discipulado gerado pela escuta do Pai (cf. v 45). Ora, escuta o Pai
quem se deixa conduzir pela sua Palavra eterna, o seu filho Jesus, cujo convite
já ressoava desde os tempos dos profetas. O Evangelho de Jesus é a voz do Pai
ecoante no mundo e acessível a toda a humanidade. Ainda como resposta ao
murmúrio dos seus adversários, Jesus reforça sua condição de único mediador
entre o Pai e a humanidade: “Só aquele que vem de junto de Deus viu o
Pai” (v. 46). Somente pode revelar com clareza o rosto amoroso do Pai
quem vive em comunhão plena com ele e dele foi gerado. Enquanto a religião
oficial comercializava um personagem distante, violento e vingativo, caricaturado
de Deus, Jesus em sua simples condição humana revelava de modo claro a
identidade do Pai, o qual não exige sacrifícios nem ofertas, mas apenas uma
adesão de fé.
De fato, disse Jesus: “Em verdade, em verdade, vos digo,
quem crê, possui a vida eterna” (v. 47). Crer (em grego: pisteu,wn –
pistêuo), aqui, significa deixar-se conduzir pelo Evangelho, aceitando-o como
único programa de vida. Como consequência, quem faz essa adesão se torna
possuidor da vida eterna, a qual não é uma vida no além, como prêmio para quem
praticou boas obras, mas um dom oferecido já nesta vida a quem conduz a sua
existência de acordo com o Evangelho. O evangelista faz questão empregar o
verbo possuir no tempo presente: quem crê já é possuidor da vida eterna.
Essa, a vida eterna (em grego: zwh.n aivw,nion – zoén aiónion) é a
vida conduzida conforme a de Jesus, a qual nem a morte é capaz de destruí-la.
Mais uma vez se apresentando como pão da vida e alimento perene (cf. v.
48), Jesus põe em questão o maná comido pelos antepassados no deserto,
mostrando a ineficácia daquele alimento: “Os vossos pais comeram o maná
no deserto e, no entanto, morreram” (v. 49). Jesus dá mais um sinal de
rompimento com aquela tradição ao falar “vossos pais” ao invés de “nossos
pais”, pois ele também era judeu de origem; ele quer se distanciar de uma
tradição ultrapassada, fechada em seus próprios conceitos e incapaz de abrir-se
ao novo. Todos os que foram alimentados pelo maná no deserto, morreram sem
entrar na terra prometida. Mesmo assim, os judeus continuavam “devotos” do
maná, considerando-o como o único alimento descido do céu. Jesus quer se
contrapor: está sendo dada a oportunidade de provarem um alimento
verdadeiramente descido do céu, ele mesmo, como disse: “Eis aqui o pão
que desce do céu: quem dele comer, nunca morrerá” (v. 50).
Apresentando-se como pão, Jesus garante a sua eficácia como alimento e
deixa ainda mais clara a oferta total de si para a vida do mundo: “Eu
sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão
que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” (v. 51). Ora,
o maná no deserto fora dado a um povo específico e privilegiado que, mesmo
assim, murmurava constantemente. A oferta de Jesus é universal, não é mais para
a vida de um povo, mas para a vida do mundo. A sua oferta é universal, porque
tem a humanidade toda como destinatária, e total, porque é a inteireza do seu
ser, é carne e espírito. Aceitar essa oferta é condição para viver eternamente.
Se é pelo dom da sua carne que é dada vida ao mundo, também é na condição
carnal que o ser humano é chamado a acolher a salvação, quer dizer, nas
contradições da existência terrena. Do pão enquanto palavra, passa-se ao pão
enquanto carne, abrindo assim o discurso para uma perspectiva eucarística.
Porém, a leitura do discurso será interrompida no próximo domingo para a
solenidade da assunção de Nossa Senhora.
Acolher Jesus como pão descido do céu é aceita-lo como único mediador e
revelador do Pai. Recebe-lo como alimento perene é aceitar o Evangelho como
único programa de vida. A insuficiência e ineficácia do maná está ficando cada
vez mais clara no discurso de Jesus, assim como o pão partilhado para a
multidão no outro lado do mar. Com isso, se torna cada vez mais necessário e
urgente que o único alimento, realmente duradouro e capaz de gerar vida eterna
é o próprio Jesus na inteireza do seu ser.
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