01 setembro - A maldade não entra no Céu. (S 196).
São Jose Marello
Leitura do santo Evangelho segundo
São Marcos 7,1-8.14-15.21-23
"Alguns fariseus e
alguns mestres da Lei que tinham vindo de Jerusalém reuniram-se em volta de
Jesus. Eles viram que alguns dos discípulos dele estavam comendo com mãos
impuras, quer dizer, não tinham lavado as mãos como os fariseus mandavam o povo
fazer.
(Os judeus, e especialmente os fariseus, seguem os ensinamentos que receberam
dos antigos: eles só comem depois de lavar as mãos com bastante cuidado. E,
antes de comer, lavam tudo o que vem do mercado. Seguem ainda muitos outros
costumes, como a maneira certa de lavar copos, jarros, vasilhas de metal e
camas.)
Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram a Jesus:
- Por que é que os seus discípulos não obedecem aos ensinamentos dos antigos e
comem sem lavar as mãos?
Jesus respondeu:
- Hipócritas! Como Isaías estava certo quando falou a respeito de vocês! Ele
escreveu assim:
"Deus disse:
Este povo com a sua boca diz que me respeita, mas na verdade o seu coração está
longe de mim. A adoração deste povo é inútil, pois eles ensinam leis humanas
como se fossem mandamentos de Deus."
E continuou:
- Vocês abandonam o mandamento de Deus e obedecem a ensinamentos humanos.
Jesus chamou outra vez a multidão e disse:
- Escutem todos o que eu vou dizer e entendam! Tudo o que vem de fora e entra
numa pessoa não faz com que ela fique impura, mas o que sai de dentro, isto é,
do coração da pessoa, é que faz com que ela fique impura.
Porque é de dentro, do coração, que vêm os maus pensamentos, a imoralidade
sexual, os roubos, os crimes de morte, os adultérios, a avareza, as maldades,
as mentiras, as imoralidades, a inveja, a calúnia, o orgulho e o falar e agir
sem pensar nas conseqüências. Tudo isso vem de dentro e faz com que as pessoas
fiquem impuras."
Após uma interrupção de cinco domingos seguidos, a liturgia de hoje – o vigésimo segundo domingo do tempo comum –
retoma a leitura do Evangelho segundo Marcos. O texto proposto é Mc
7,1-8.14-15.21-23, trecho que mostra mais uma controvérsia de Jesus com os
fariseus e mestres da lei. Os devotos praticantes da religião oficial, fiéis
guardiões da moral e dos bons costumes, observam que o comportamento de Jesus e
seus discípulos não condiz com as tradições ensinadas e transmitidas pelos
antepassados, por isso lhe questionam. A controvérsia presente no texto de hoje
diz respeito às leis de pureza relacionadas às práticas alimentares.
Diz o texto que “Os fariseus e alguns mestres da Lei vieram de
Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus. Eles viam que alguns dos seus
discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado” (vv.
1-2). Já fazia algum tempo que Jesus era considerado uma pessoa perigosa para a
religião judaica, devido a sua maneira autônoma e livre de interpretar os
costumes e tradições do seu povo, colocando sempre o bem da pessoa humana acima
de qualquer norma. Por isso, seu ministério era monitorado pelas autoridades
religiosas de Jerusalém que, informadas pelos fariseus da Galileia, enviavam
comitivas para fiscalizar e conferir o seu comportamento fora dos padrões
estabelecidos pela religião e a cultura da época (cf. Mc 3,22). Dessa vez, o
foco da denúncia é o comportamento de alguns discípulos, acusados de não
observar as leis de pureza relativas à alimentação. Porém, é impossível separar
a prática dos discípulos da prática do mestre e, portanto, também o
comportamento de Jesus era alvo da denúncia. A acusação é de que os discípulos
comiam sem antes lavar as mãos. A prática de lavar as mãos antes da refeição
não era uma regra de higiene, como é hoje, mas um preceito religioso: deixar de
lavar as mãos tornava a pessoa impura e, por isso, distante de Deus. A não
observância desse preceito pelos discípulos e, certamente também por Jesus, era
uma denúncia a essa mentalidade religiosa fundamentalista e excludente, que
reduzia a relação com Deus à práticas ritualistas e exteriores.
Escrevendo seu evangelho fora da Palestina, provavelmente em Roma, e
para uma comunidade que não conhecia tão bem as tradições judaicas de pureza
alimentar, o evangelista, para informar melhor os seus leitores, oferece uma
nota explicativa: “Com efeito, os fariseus e todos os judeus só comem
depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. Ao
voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros
costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e
vasilhas de cobre” (vv. 3-4). Com essa explicação, o evangelista visa
advertir seus leitores a não reproduzirem na comunidade cristã as atitudes que
Jesus reprovou na religião judaica de seu tempo. Como já afirmamos acima, as
motivações de tal comportamento imposto pela religião não eram higiênicas, mas
religiosas. O motivo de ter de tomar banho ao voltar da praça, por exemplo, era
que o contato com outras pessoas que não praticassem a mesma religião tornava o
judeu impuro e, de consequência, longe de Deus. A praça (em grego: αγορα – agorá) era o espaço de circulação de pessoas,
comercialização de produtos e propagação de doutrinas filosóficas e religiosas,
onde se encontravam pessoas de diversas culturas; para os judeus mais
fundamentalistas, era um lugar perigoso, pois o simples contato com uma pessoa
de outra cultura já tornava o judeu impuro; por isso, ao retornar para casa,
era necessário purificar-se o quanto antes, com o ritual do banho (ablução).
Havia prescrições determinando até mesmo a maneira de lavar os objetos
domésticos.
O mestre tinha o dever de responder pelo comportamento dos seus
discípulos; por isso, vendo nesses um comportamento irregular, fora dos padrões
estabelecidos, é ao mestre que os vigilantes da religião pedem
satisfações: “Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram então a
Jesus: ‘Porque os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem
o pão sem lavar as mãos?” (v. 5). Mais que um simples questionamento,
essa pergunta contém uma grave acusação: os discípulos de Jesus não seguem as
tradições dos pais! Ora, além dos numerosíssimos mandamentos da Torá,
principalmente do Levítico, os judeus mais fiéis, como os fariseus, seguiam
também as leis da “tradição oral”; a essa tradição, eles atribuíam o mesmo
valor da lei escrita, a Torá, pois também consideravam proveniente de Deus e
transmitida a Moisés, o qual a repetiu para Josué e depois aos sucessivos
chefes religiosos. Deixar de cumprir um só daqueles preceitos era ofender a
Deus e desonrar os antepassados.
À pergunta acusatória dos fariseus e mestres da lei, “Jesus
respondeu: ‘Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está
escrito: ‘Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim.
De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são
preceitos humanos. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição
dos homens” (v. 6-7). A resposta de Jesus se fundamenta na herança
mais autêntica da religião de Israel: a profecia! Ele cita explicitamente
Isaías 29,13, denunciando a falsidade da religiosidade dos fariseus e mestres
da lei, ao mesmo tempo provocando-os a buscar uma religião autêntica, vivida a
partir de dentro, ou seja, do coração. Mesmo que tenha sido cultivada e
transmitida durante muitos séculos, a tradição que separa, segrega e condena,
não passa de preceito humano, não pode ser de origem divina. A chamar os
fariseus e mestres da lei de hipócritas (u`pokrithj – hipocrites), termo
grego que significa ator de teatro, Jesus denuncia que toda aquela
religiosidade não passava de encenação, era um mero espetáculo, como é toda
religião que, independente da época histórica, prioriza o rito e o preceito ao
invés do amor, da justiça e da misericórdia. Jesus atualizou a denúncia
profética de Isaías e o evangelista Marcos convida os seus leitores de todos os
tempos a fazer o mesmo.
Jesus troca de interlocutores, considerando o risco que era a
mentalidade dos fariseus para a multidão. Por isso, à multidão, transmite um
ensinamento solene e importante: “Jesus chamou a multidão para perto de
si e disse: “Escutai, todos, e compreendei: o que torna impuro o homem não é o
que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (vv.
14-15). Com esse ensinamento, Jesus decreta a inutilidade e ineficiência dos
ritos judaicos de purificação e proclama que a relação do ser humano com Deus
não depende de fatores externos, mas simplesmente do interior, ou seja, do
coração. O mal não entra de fora no ser humano por contato com pessoas, coisas,
lugares e alimentos, mas pode nascer de dentro quando o amor não é cultivado no
coração, como ele mesmo afirma, na sequência: “Pois é de dentro do
coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios,
adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia,
orgulho, falta de juízo” (vv. 21-22). Esses treze
elementos citados constituem o que pode realmente tornar o ser humano impuro,
ou seja, longe de Deus, e são típicos de quem se fecha ao amor e à justiça; não
são ocasionados por situações exteriores, mas depende somente do coração da
própria pessoa. Por “falta de juízo”, o último dos males elencados, entende-se
o egoísmo desenfreado que faz a pessoa pensar somente em si.
Assim, como “todas estas coisas más saem de dentro, e são elas
que tornam impuro o homem” (v. 23), a boa religião para Jesus é aquela
ajuda o ser humano a promover o bem e a ser, a cada dia, uma pessoa melhor. O
ser humano é impuro quando não permite que de seu coração saiam coisas boas.
Nenhum rito ou norma é capaz de determinar a relação com Deus, nem de
determinar a bondade do ser humano, mas somente a disposição interior de fazer
o bem.
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