09 junho - Não se deve
mover a língua, o coração ou o pé sem antes invocar o Espírito Santo. (S 173). São Jose Marello
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DOMINGO DO TEMPO COMUM – MARCOS 3,20-35 (ANO B)
"Quando Jesus foi para casa, uma grande
multidão se ajuntou de novo, e era tanta gente, que ele e os discípulos não
tinham tempo nem para comer. Os parentes de Jesus souberam disso e foram
buscá-lo porque algumas pessoas estavam dizendo que ele estava louco. Alguns
mestres da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, diziam:
- Ele está dominado por
Belzebu, o chefe dos demônios. É Belzebu que dá poder a este homem para
expulsar demônios.
Então Jesus chamou todos e
começou a ensiná-los por meio de parábolas. Ele dizia:
- Como é que Satanás pode
expulsar a si mesmo? O país que se divide em grupos que lutam entre si
certamente será destruído. Se uma família se divide, e as pessoas que fazem
parte dela começam a lutar entre si, ela será destruída. Se o reino de Satanás
se dividir em grupos, e esses grupos lutarem entre si, o reino não continuará a
existir, mas será destruído.
- Ninguém pode entrar na casa
de um homem forte e roubar os seus bens, sem primeiro amarrá-lo. Somente assim
essa pessoa poderá levar o que ele tem
- Eu
Jesus falou assim porque
diziam que ele estava dominado por um espírito mau.
Em seguida a mãe e os irmãos
de Jesus chegaram; eles ficaram do lado de fora e mandaram chamá-lo. Muita
gente estava sentada em volta dele, e algumas pessoas lhe disseram:
- Escute! A sua mãe e os seus
irmãos estão lá fora, procurando o senhor.
Jesus perguntou: - Quem é a
minha mãe? E quem são os meus irmãos?
Aí olhou para as pessoas que
estavam sentadas em volta dele e disse:
- Vejam! Aqui estão a minha
mãe e os meus irmãos. Pois quem faz a vontade de Deus é meu irmão, minha irmã e
minha mãe."
O episódio narrado faz parte ainda do início do seu ministério na
Galileia, embora sua fama já estivesse bem espalhada, como o texto faz
perceber. Após a última controvérsia com os fariseus, quando curou um homem da
mão seca na sinagoga em dia de sábado (cf. 3,1-6), a multidão que o acompanhava
em busca de milagres e prodígios, só crescia (cf. 3,7-12); isso o levou a
constituir o grupo dos Doze (cf. 3,13-19), para que sua ação libertadora se
expandisse cada vez mais (cf. v. 14). À medida em que as multidões sedentas de
dignidade, de justiça e de amor, cansadas de tanta opressão, aumentavam ao
redor de Jesus, também aumentava a oposição daqueles que não aceitavam o seu
comportamento fora dos padrões estabelecidos pela sociedade e a religião. É
isso que o Evangelho de hoje mostra: Jesus rodeado por uma multidão na casa e,
ao mesmo tempo, sendo contestado e mal compreendido pelos familiares e pelas
autoridades religiosas.
Após a constituição do grupo dos Doze, o evangelista diz que “Jesus
voltou para casa com os seus discípulos. E de novo se reuniu tanta gente que
eles nem sequer podiam comer” (v. 20). A casa (em
grego: oivki,a – oikia) tem um valor muito significativo para o
Evangelho segundo Marcos: é a alternativa proposta por Jesus para a
realização do seu projeto em sua dimensão espacial primeira, como oposição à
sinagoga e a qualquer instituição. A casa é o espaço eclesial por excelência; é
na casa onde Jesus fala abertamente com seus discípulos. A Igreja primitiva
adotou a casa como o lugar da liturgia, da catequese e do encontro. Se é
na casa onde acontece a vida, deve ser na casa o culto ao Deus da vida; um
culto não ritual, mas serviçal.
Aqui, não se trata da casa de Nazaré, mas da casa adotada por ele em Cafarnaum,
provavelmente a casa dos irmãos André e Pedro. A multidão reunida ao seu redor
demonstra o sucesso de sua pregação junta às camadas mais populares da
sociedade. Com tanta gente ao redor, Jesus e seus discípulos “nem
sequer podiam comer”, porque a prioridade era o serviço; com essa
expressão o evangelista ressalta o aparente sucesso e, ao mesmo tempo, a
dimensão do serviço na vida da comunidade: antes de tudo, o serviço e a atenção
aos necessitados. O discípulo deve pensar mais no outro do que em si próprio;
nada de egoísmo na comunidade de Jesus.
Como já acenamos, a acolhida da mensagem de Jesus não era igual entre
todos os grupos ou classes sociais. Ao contrário da multidão que o buscava
constantemente, havia quem o contestasse e procurasse desqualificar a sua
atuação libertadora, seja por incompreensão ou mesmo por maldade e medo de
perder privilégios. Entres os que não o compreendiam, estavam os seus
familiares: “Quando souberam disso, os parentes de Jesus saíram para
agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si” (v. 21). Jesus já tinha
deixado a família em Nazaré a algum tempo, e adotado a cidade de Cafarnaum como
ponto de apoio para seu ministério itinerante. Porém, como sua fama se
espalhava com facilidade, também chegaram notícias suas em Nazaré e, por sinal,
não muito boas. Envergonhados pelo seu comportamento subversivo, seus
familiares chegaram à conclusão de que ele só podia estar louco, ou seja, “fora
de si”; diante disso, eles tomaram a decisão de procurá-lo para prendê-lo,
levá-lo para casa e, assim, evitar que ele continuasse a envergonhar o nome da
família com um comportamento fora dos padrões estabelecidos.
Com rapidez, a fama de Jesus chegou também em Jerusalém, centro do poder
religioso e político, onde estavam as autoridades constituídas para manter a
ordem e o controle social e ideológico. Se na pequena Nazaré Jesus era
considerado louco, na capital era visto como “endemoniado”, provocando a ida de
uma comitiva oficial a Cafarnaum, para tentar impedir que ele continuasse o seu
ministério. Assim atesta o evangelista: “Os mestres da Lei, que tinham
vindo de Jerusalém, diziam que ele estava possuído por Beelzebu, e que pelo
príncipe dos demônios ele expulsava os demônios” (v. 22). A acusação é
grave, considerando o teor e contexto. Enquanto Jesus anuncia a chegada do
Reino de Deus, compreendido como um projeto de sociedade marcada pela
igualdade, justiça e amor, seus adversários tentam desqualificá-lo, acusando-o
de agir em nome do demônio; Beelzebu, cujo nome pode significar “senhor da
casa, senhor das moscas ou senhor do esterco”, era uma divindade filisteia,
considerado portador de doenças em Israel. Era a expressão máxima do mal para
os judeus mais devotos.
Além de perversa e hipócrita, a acusação dos mestres da lei é também
contraditória, por isso foram desmascarados instantaneamente: “Então
Jesus os chamou e falou-lhes em parábolas: ‘Como é que Satanás pode expulsar
Satanás?” (v. 23). Se toda a atividade de Jesus, desde o início do seu
ministério, consistia no anúncio do Reino de Deus e, consequentemente, a
eliminação do mal, a acusação dos mestres da lei não tinha o mínimo fundamento.
“Satanás” é a expressão do antagonista de Deus, conforme a mentalidade bíblica
e, por isso, era o opositor de Jesus, aquele que precisava ser derrotado. Para
deixar ainda mais claro o quanto os mestres da lei estavam mal intencionados,
Jesus aprofunda a contradição deles com mais algumas pequenas parábolas: tanto
um reino quanto uma casa não podem sobreviver com divisões internas; as
divisões são sempre causas de ruína e destruição (cf. v. 24-27).
Jesus encerra a discussão com os mestres da lei com uma declaração
solene bastante impactante: “Em verdade vos digo: tudo será perdoado
aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas
quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas culpado de um
pecado eterno” (v. 28-29). A introdução “em verdade vos digo” (em
grego: VAmh.n le,gw u`mi/n – amén lêgo himin) significa que aquilo
que está para ser anunciado é de fundamental importância para o auditório: o
pecado contra o Espírito Santo é imperdoável. Mas, qual é mesmo o pecado contra
o Espírito Santo? É aquilo que os mestres da lei estavam fazendo: lúcida e voluntariamente,
eles negavam a ação de Deus em Jesus. É inadmissível que não se reconheça que
tudo o que Jesus fazia e faz é trazer Deus para a vida das pessoas, torna-lo
acessível. Na verdade, era essa acessibilidade a Deus, livre e gratuita,
oferecida por Jesus que irritava os mestre da lei e as demais autoridades
religiosas do seu tempo, pois isso significava para elas perda de poder e
privilégios.
Conhecendo o Deus amoroso revelado por Jesus, as pessoas deixavam de
aceitar o Deus juiz, vingativo e mercantilista do templo. A pregação de Jesus
era uma ameaça à sobrevivência daquela religião. Por isso, as autoridades
faziam de tudo para impedi-lo de continuar o seu ministério. Para Jesus, a
tentativa de bloquear a ação de Deus na história, revelada por ele com a
mensagem e a práxis, é a verdadeira blasfêmia, é o grande pecado. O pecado
contra o Espírito Santo é, portanto, a pretensão de todo sistema religioso que
pretende determinar ou negar o agir de Deus na história.
Após desmascarar as autoridades religiosas, representadas no texto pelos
mestres da lei, o evangelista volta a atenção para o conflito de Jesus com os
seus familiares que pretendiam prendê-lo: “Nisto chegaram sua mãe e
seus irmãos. Eles ficaram do lado de fora e mandaram chamá-lo. Havia uma multidão
sentada ao redor dele. Então lhe disseram: ‘Tua mãe e teus irmãos estão lá fora
à tua procura’” (vv. 31-32). Jesus estava na casa e circundado por uma
multidão que, certamente, o escutava atentamente. De propósito, o evangelista
enfatiza duas posturas opostas diante de Jesus: ficar do lado de fora e apenas
ouvir o que se diz a seu respeito, ou entrar na casa e sentar-se ao seu redor,
experimentando pessoalmente o amor e a plenitude de vida que ele transmite.
O evangelista não pretende mostrar nem criar oposição ou rivalidade
entre os familiares de Jesus e a comunidade dos discípulos; ele quer apenas
ajudar a sua comunidade a compreender que, aceitar a proposta de vida de Jesus
implica assumir uma maneira diferente de viver, com novos critérios de pertença
e relação; é isso que fica claro com a resposta de Jesus: “‘Quem é minha
mãe, e quem são meus irmãos?’ E olhando para os que estavam sentados ao seu
redor, disse: ‘Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus,
esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (v. 33-35). Com essa
afirmação, ao invés de menosprezar os seus familiares, ele está dando a
oportunidade de também eles entrarem na dinâmica do Reino de Deus e, ao mesmo
tempo, que qualquer pessoa, independente da origem, pode fazer parte da sua
família.
Para fazer parte da comunidade de Jesus, o único critério e exigência é
tornar-se discípulo ou discípula; para isso, é necessário ouvir a sua palavra e
fazer a vontade de Deus. Se trata de uma regra sem exceção. A adesão ao Reino
exige uma conversão completa, ou seja, mudança de mentalidade, inclusive na
concepção de família. O seguimento a Jesus não comporta meios termos. Seu
projeto de vida exige tomada de decisão. As notícias a seu respeito se
espalhavam de Jerusalém a Nazaré; muitas incompreensões surgiam com isso.
Diante de isso, era e continua sendo indispensável “entrar na casa” e sentar-se
ao seu redor para escutá-lo; sem essa experiência, qualquer juízo sobre a sua
pessoa será distorcido ou parcial.
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