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MAIO - Alguns santos Padres disseram que a distância que existe entre nós e
Maria Santíssima é infinita. Mas nós a podemos sempre diminuir tornando-nos
seus verdadeiros devotos. (S 212).
São José Marello
EVANGELHO DO DIA - SOLENIDADE
DE PENTECOSTES
"Ao
anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam reunidos,
com as portas fechadas por medo dos judeus. Jesus entrou e pôs-se no meio
deles. Disse: "A paz esteja convosco". Dito isso, mostrou-lhes as
mãos e o lado. Os discípulos, então, se alegraram por verem o Senhor. Jesus
disse, de novo: "A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou também eu vos
envio". Então, soprou sobre eles e falou: "Recebei o Espírito Santo.
A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão
retidos"."
Pentecostes
era uma das três festas mais importantes do calendário litúrgico judaico,
juntamente com as festas da Páscoa e das Tendas; era celebrada no quinquagésimo
dia após a páscoa, por isso recebeu o nome pentecostes. Inicialmente, seu
sentido era estritamente agrícola, na qual se celebrava a conclusão da
colheita. Na ocasião, os judeus mais devotos iam até Jerusalém para apresentar
os melhores frutos da colheita como oferenda, em gratidão a Deus. Com o passar
do tempo, a festa foi perdendo sua relação com a agricultura e ganhando um
sentido mais religioso, passando a ser a festa do dom da lei. Esse novo sentido
já estava consolidado no tempo de Jesus e dos apóstolos: pentecostes era a
festa na qual os judeus recordavam a lei dada por Deus a Moisés.
Somente o
evangelista Lucas, autor do livro dos Atos dos Apóstolos, faz coincidir o envio
do Espírito Santo com a festa judaica de pentecostes. Isso é um mero artifício
literário e teológico para levar as comunidades a adotarem os dons do Espírito
Santo como única lei a ser seguida. A comunidade cristã, para ser fiel a Jesus
e seu Evangelho, já não necessita mais das prescrições da Lei, basta estar
sensível e aberta às intuições do Espírito Santo, dom do Ressuscitado.
Ao
contrário do que Lucas propõe em Atos dos Apóstolos, a comunidade joanina fez
de tudo para que os seus referenciais não coincidissem com os esquemas
litúrgicos judaicos. Por isso, de acordo com o evangelista João, o Senhor
ressuscitado doa o Espírito, seu dom maior, no dia mesmo da ressurreição.
Embora a Igreja tenha adotado o esquema lucano, a proposta da comunidade
joanina tem mais sentido e responde melhor às necessidades dos discípulos, como
vemos no Evangelho de hoje. Amedrontada e sem poder de ação, essa não teria
condições de esperar cinquenta dias para que o Espírito Santo se manifestasse
em seu meio.
Embora
estejamos, de fato, há cinquenta dias da páscoa, o Evangelho de hoje nos
convida a retornarmos para aquele primeiro dia, o da ressurreição. Somente
Maria Madalena tivera, até então, o privilégio de ver o Ressuscitado. Entre os
discípulos reina o medo e a dúvida, como diz o texto: “Ao anoitecer
daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as
portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e pondo-se no
meio deles disse: a paz esteja convosco” (v 19).
Certamente,
aquele foi um dia de muita tensão entre os discípulos. Isso se evidencia pelas
informações do primeiro versículo: “reunidos a portas trancadas, por medo
dos judeus”. Esse dado evidencia insegurança e medo em demasia. Era uma
comunidade em crise, em pleno desmoronamento. Embora em crise e amedrontada,
parece que a comunidade estava decidida a não voltar mais aos esquemas de sempre:
estava reunida “ao anoitecer do primeiro dia da semana”. Segundo o esquema
litúrgico judaico, o anoitecer já não fazia mais parte do mesmo dia. Com esse
dado, o evangelista apresenta a necessidade de distanciamento das tradições e
prescrições da lei. Na embrionária comunidade cristã é necessário que o dia se
prolongue, ou seja, as trevas não podem prevalecer sobre a luz. Mesmo que
chegue a noite, o dia continua.
A situação
de medo em que os discípulos se encontravam deve ser vista em um sentido mais
amplo. Embora o evangelista afirme que era por “medo dos judeus”, não
podemos generalizar. Nem todos os judeus transmitiam medo aos discípulos. O
evangelista se refere às autoridades e fariseus que sempre foram hostis a Jesus
e continuavam sendo também aos discípulos (cf. 9,22; 12,42; 16,16). Enquanto
não fizer uma experiência de encontro com o Ressuscitado, toda comunidade tende
a fechar-se por medo e falta de convicções. Naquele medo estava a angústia, a
desilusão e o remorso de alguns; significa a ausência do Senhor. Sem a presença
do Ressuscitado toda a comunidade perece e sua mensagem é bloqueada; as portas
fechadas impedem a boa nova de ecoar e a acolhida ao novo, ao diferente.
Diante
dessa situação, eis que “Jesus entrou e, pôs-se no meio deles”. Aqui
aparece a primeira condição para a comunidade superar a crise: ter Jesus como
centro. Com isso, o evangelista reforça o modelo de comunidade ideal: uma
comunidade livre, igualitária, tendo um único centro: o Cristo Ressuscitado.
Trata-se de um claro combate à tendência hierarquizante na comunidade do
discípulo amado. É esse o significado do seu colocar-se no meio.
Manifestando-se
no meio dos discípulos, o Ressuscitado inicia neles o processo de
transformação, oferecendo o primeiro antídoto ao medo: o dom da
paz! É o encontro com a paz de Jesus que levanta o ânimo da comunidade
fracassada. A paz é sinal da vida em plenitude, o bem-estar do ser humano em
todas as suas dimensões, condição indispensável para a felicidade. Jesus
comunica a sua paz e, ao mesmo tempo, reforça o modelo de comunidade sonhado e
praticado durante toda a sua vida: uma comunidade igualitária e livre, tendo um
único centro: o Cristo Ressuscitado. É esse o significado do seu colocar-se no
meio deles. Para uma comunidade viver realmente os propósitos do Evangelho é
necessário, antes de tudo, que ao centro do seu existir esteja o Ressuscitado.
Na
continuidade da experiência, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado” (v.
20a), ou seja, as marcas do sofrimento, do flagelo e da cruz, garantindo a
continuidade entre o Crucificado e o Ressuscitado. Com isso ele diz que a cruz
não foi o fim e, assim, leva os discípulos à restituição da fé, uma vez que o
principal motivo da desilusão e decepção deles foi o escândalo de um messias
crucificado. É importante recordar sempre: o Ressuscitado tem as marcas do
Crucificado. Ora, a cruz não foi um acidente na vida de Jesus, e não pode ser
esquecida pela comunidade; pelo contrário, foi consequência de suas opções e do
seu jeito de viver, e as opções da comunidade devem ser as mesmas. Portanto, é
necessário que os discípulos estejam sempre, em todos os momentos da história,
familiarizados com a cruz, não como símbolo ou adorno, mas como disposição de
dar a vida por amor, como fez Jesus.
Finalmente,
o medo foi vencido: “os discípulos se alegraram por verem o
Senhor”. Conforme Ele mesmo tinha garantido, a tristeza dos discípulos foi
transformada em alegria (cf. Jo 16,20). De uma situação de medo, a comunidade
passa à alegria, como consequência da experiência com o Ressuscitado. A alegria
é uma característica marcante da comunidade que vive e celebra a presença do
Ressuscitado. A paz é novamente oferecida (v. 21a). Só é possível acolher
plenamente os dons pascais com a paz oferecida por Jesus. É a mesma paz
transmitida anteriormente como antídoto ao medo. Aqui, nessa segunda vez, a paz
precede o envio, como encorajamento para a missão: não basta transformar o medo
em alegria, é necessário anunciar e partilhar essa alegria... a alegria do
Evangelho!
Ao
contrário de Mateus, Marcos e Lucas que determinam as nações e até os confins
da terra como destinos da missão (cf. Mt 28,19; Mc 16,15; Lc 24,47; At 1,8), em
João isso não é determinado: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio”.
Jesus simplesmente envia. Sem diminuir a importância da missão em sua dimensão
universal, o mais importante para o Quarto Evangelho é a comunidade. É essa a
primeira destinatária da missão, porque é nessa que estão as situações de medo,
desconfiança, angústia, falta de entusiasmo, por isso é a primeira a necessitar
da paz do Ressuscitado. Sendo portadores da sua paz, os discípulos são enviados
com as mesmas credenciais, pois Ele os envia como o “Pai o enviou” e,
portanto, devem fazer as mesmas opções e assumir as respectivas consequências.
O texto
mostra, como sempre, a coerência entre a prática e as palavras de
Jesus: “E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: Recebei o
Espírito Santo” (v. 22). Jesus tinha prometido o Espírito Santo na última
ceia (cf. Jo 14,16.26; 15,26). Ao soprar sobre eles, a promessa é cumprida, o
Espírito é comunicado. O evangelista usa o mesmo verbo empregado no relato da
criação do ser humano: “O Senhor modelou o ser humano com a argila do
solo, soprou-lhe nas narinas um sopro de vida, e o ser humano tornou-se
vivente” (Gn 2,7). O verbo soprar aqui significa transmissão de vida.
Assim, podemos dizer que Jesus recria a comunidade e, nessa, a humanidade
inteira.
Finalmente,
a comunidade foi revivificada e habilitada para a missão. Ao receber o Espírito
Santo, a comunidade se torna também comunicadora dessa força de vida. É o
Espírito quem mantém a comunidade alinhada ao projeto de Jesus, porque é Ele
quem faz a comunidade sentir, viver e prolongar a presença do Ressuscitado como
seu único centro. A missão da comunidade portadora do Espírito Santo é
prolongar no tempo e no espaço a missão do próprio Jesus.
O Espírito
Santo garante responsabilidade à comunidade, jamais poder. Por isso, devemos
prestar muita atenção à afirmação de Jesus: “A quem perdoardes os pecados
eles lhes serão perdoados; a quem não perdoardes, eles lhes serão
retidos” (v. 23). Por muito tempo, esse trecho foi usado simplesmente para
fundamentar o sacramento da penitência ou confissão, equivocadamente. Jesus não
está dando um poder aos discípulos, mas uma responsabilidade à comunidade:
reconciliar o mundo, levar a paz e o amor do Ressuscitado a todas as pessoas e
de todos os lugares. A comunidade cristã tem essa grande missão: fazer-se
presente em todas as situações para, assim, tornar presente também o Ressuscitado.
Não se
trata, portanto, de poder para determinar se um pecado pode ou não pode ser
perdoado. É a responsabilidade da obrigatoriedade da presença cristã para que,
de fato, o mundo seja reconciliado com Deus. O Espírito Santo, doado pelo
Ressuscitado, recria e renova a humanidade. A comunidade tem a responsabilidade
de fazer esse Espírito soprar em todas as realidades, para que toda a
humanidade seja recriada e, assim, o pecado seja definitivamente tirado do
mundo (cf. Jo 1,29).
Assim como
João, o batista, apontou para Jesus como o responsável por fazer o pecado
desaparecer do mundo (cf. Jo 1,29), agora, é Jesus quem confia à comunidade
essa responsabilidade. Os pecados são perdoados à medida em que o amor de
Jesus vai se espalhando pelo mundo, quando seus discípulos se deixam conduzir
pelo Espírito Santo. O que perdoa mesmo é o amor de Jesus; logo, ficam pecados
sem perdão quando os discípulos e discípulas de Jesus deixam de amar como Ele
amou. Em outras palavras, os pecados ficarão retidos quando houver omissão da
comunidade.
É na
comunidade que o Ressuscitado se manifesta, fazendo essa perder o medo e
insegurança. Somente uma comunidade que tem o Ressuscitado como centro, pode
viver plenamente reconciliada, em paz e animada pelo Espírito. São essas as condições
para que a alegria do Evangelho seja, de fato, anunciada! Deixando-se conduzir
pelo Espírito Santo, a comunidade atualiza e prolonga, no tempo e no espaço, a
missão única do próprio Jesus de revelar o amor de Deus a todas as pessoas.
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