19 novembro - Quantas forças a nós ainda
desconhecidas, quantos segredos para a nossa limitada experiência, quantos
campos de ação por nós inexplorados! (L 18).
São Jose Marello
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: «Um
homem, ao partir de viagem, chamou os seus servos e confiou-lhes os seus bens.
A um entregou cinco talentos, a outro dois e a outro um, conforme a capacidade
de cada qual; e depois partiu.
O que tinha recebido cinco talentos fê-los render e ganhou outros cinco.
Do mesmo modo, o que recebera dois talentos ganhou outros dois.
Mas o que recebera um só talento foi escavar na terra e escondeu o dinheiro do
seu senhor.
Muito tempo depois, chegou o senhor daqueles servos e foi ajustar contas com
eles.
O que recebera cinco talentos aproximou-se e apresentou outros cinco, dizendo:
‘Senhor, confiaste-me cinco talentos: aqui estão outros cinco que eu ganhei’.
Respondeu-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel. Porque foste fiel em
coisas pequenas, confiar-te-ei as grandes. Vem tomar parte na alegria do teu
senhor’.
Aproximou-se também o que recebera dois talentos e disse: ‘Senhor, confiaste-me
dois talentos: aqui estão outros dois que eu ganhei’.
Respondeu-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel. Vem tomar parte na
alegria do teu senhor’.
Aproximou-se também o que recebera um só talento e disse: ‘Senhor, eu sabia que
és um homem severo, que colhes onde não semeaste e recolhes onde nada lançaste.
Por isso, tive medo e escondi o teu talento na terra. Aqui tens o que te
pertence’.
O senhor respondeu-lhe: ‘Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não
semeei e recolho onde nada lancei;
devias, portanto, depositar no banco o meu dinheiro, e eu teria, ao voltar,
recebido com juro o que era meu.
Tirai-lhe então o talento e dai-o àquele que tem dez.
Porque, a todo aquele que tem, dar-se-á mais e terá em abundância; mas, àquele
que não tem, até o pouco que tem lhe será tirado.
Quanto ao servo inútil, lançai-o às trevas exteriores. Aí haverá choro e ranger
de dentes’».
Neste trigésimo
terceiro domingo do tempo comum, o
penúltimo do ano litúrgico, continuamos a leitura do discurso escatológico de
Jesus no Evangelho segundo Mateus. O texto de hoje compreende a chamada
“parábola dos talentos”, Mt 25,14-30. Essa é uma das parábolas mais difíceis e
complexas de Mateus, por isso, muito passível de distorção em sua
interpretação. Nela, continua em evidência o tema da vigilância, embora de
maneira menos explícita que na parábola das dez virgens (cf. Mt 25,1-13),
refletida no domingo passado.
Localizada
entre a parábola das dez virgens e a cena do julgamento final, a parábola dos
talentos tem um significado relevante em todo o Evangelho segundo Mateus e,
portanto, seu ensinamento é de fundamental importância para o bem da comunidade
cristã em todos os tempos. Certamente, a comunidade de Mateus vivia um momento
de relaxamento e desânimo na vivência das bem-aventuranças, núcleo central da
mensagem cristã. Ora, os cristãos esperavam um retorno imediato do Senhor e,
como isso não acontecia, começavam a desanimar, abandonando a fé ou vivendo-a
de modo superficial.
Com essa parábola, o evangelista quis animar
aqueles cristãos, mostrando que o tempo de espera não é perdido; pelo
contrário, é o tempo oportuno para a comunidade fazer crescer e multiplicar os
dons que o Senhor lhe confiou. Assim, essa parábola assume um papel importante
para os processos de discernimento dos cristãos a respeito da espera pelo
Senhor, ensinando que a melhor maneira de esperá-lo é trabalhando para que o
seu Reino se realize no cotidiano, fazendo render o amor, o talento por
excelência, que foi confiado a cada um e cada uma na comunidade.
Olhemos,
então, para a parábola: “Um homem ia viajar para o estrangeiro. Chamou
seus empregados e lhes entregou seus bens. A um deu cinco talentos, a outro deu
dois, e ao terceiro, um; a cada um de acordo com a sua capacidade. Em seguida
viajou” (vv. 14-15). Antes de tudo, recordemos que parábola é um
gênero literário que apresenta uma mensagem por meio de comparação. É,
portanto, com essa imagem apresentada que o evangelista compara a situação da
sua comunidade em espera pelo retorno do Senhor. Embora o texto litúrgico
empregue a palavra empregados, o correto seria servos, por corresponder com
mais fidelidade ao termo grego “dúlos” usado pelo evangelista. O homem viaja,
mas não se ausenta, pois continua presente, de modo implícito, nos bens
confiados aos servos. Também o Senhor ressuscitado não se ausentou da
comunidade; continua presente à medida em que seus servos são capazes de fazer
o seu projeto se desenvolver, cultivando os dons que lhes foram confiados.
Embora distribuídos em quantidades diferenciadas,
ninguém ficou desprovido de bens; cada um recebeu de acordo com a sua
capacidade. Esse detalhe é importante para o evangelista. Se todos recebem,
todos tem algo a partilhar, a plantar e fazer frutificar. A quantidade
diferenciada de bens recebidos por cada um pode ser uma alusão à diversidade de
dons e carismas existentes na comunidade. Os talentos não são emprestados, são
entregues, verdadeiramente doados. Talento era uma medida de peso usada para
pesar metais preciosos como ouro e prata; um talento equivalia a
aproximadamente trinta quilos de ouro, o que correspondia a seis mil denários;
um denário era o salário de um dia de trabalho braçal (cf. Mt 20,2). Assim, até
mesmo aquele recebeu apenas um talento, ainda recebeu uma grande fortuna. Isso
significa a benevolência e liberalidade do Senhor, bem como a perenidade dos
bens que ele doa à comunidade.
Ao receber os talentos ou dons, cada um é livre
para usá-los como quiser. A viagem do dono evoca a liberdade dada àqueles que
receberam os talentos para usá-los. Como o dono não estava presente para vigiar
os servos, eles poderiam multiplicar, extraviar ou apenas conservar os talentos
recebidos. A parábola diz qual foi a atitude de cada um: “o que havia
recebido cinco talentos saiu logo, trabalhou com eles, e lucrou outros cinco.
Do mesmo modo o que recebeu dois lucrou outros dois. Mas aquele que havia
recebido um só, saiu, cavou um buraco na terra, e escondeu o dinheiro do seu patrão” (vv.
16-18). Os dois primeiros servos trabalharam até duplicarem o que haviam
recebido. Embora o texto não indique como eles fizeram isso, o certo é que não
ficaram parados, nem tiveram medo. Foram ousados e criativos. O terceiro,
simplesmente pensou na conservação; escondendo o talento, o conservou de modo
íntegro e fiel.
A aparente ausência do Senhor pode levar os
membros da comunidade a diferentes posturas: para uns, é oportunidade de
crescimento, para outros é motivo de medo e insegurança. A comunidade de Mateus
vivia esse drama: o que fazer enquanto o Senhor não retorna? O evangelista
aconselha que cada um desenvolva os dons recebidos, procurem multiplicar,
transformando as realidades com amor e justiça. O Senhor nunca se ausentou;
deixou seus dons como forma de continuar presente e operante. Desse modo, o
convite à vigilância não visa um momento final específico, mas uma vida toda
vigilante, praticando o amor e a justiça, ou seja, vivendo segundo a dinâmica
das bem-aventuranças.
A
liberdade de cada um no uso dos talentos não os isenta da responsabilidade,
pelo contrário. Por isso, diz o texto que “depois de muito tempo, o
patrão voltou e foi acertar as contas com os empregados” (v. 19). Ora,
se os talentos entregues aos servos equivalem aos dons confiados aos membros da
comunidade para a sua edificação, é justo que o Senhor se interesse pelo uso
que cada um fez deles. Na comunidade não pode haver individualismo, indiferença
nem omissão. Quem recebeu dons e não os fez frutificar, colocando-os a serviço
dos demais, obviamente, não está apto a integrar a comunidade. É esse o sentido
do acerto de contas mencionado na parábola. O Senhor quer saber o que fazemos
com o seu evangelho a nós confiado. Quem multiplicou os talentos, gerou vida,
edificou o Reino. Quem o manteve intacto como recebeu, foi omisso, cruzou os
braços; na comunidade cristã, responsável pela edificação do Reino, não há
espaço para pessoas assim.
Os servos que souberam colocar os dons a serviço da
comunidade, multiplicando-os, ou seja, fazendo-os frutificar, são tratados, em
tom de elogio, como “servo bom e fiel” (vv. 21-23). Embora o
texto não descreva o que estes servos fizeram precisamente, o certo é que
agiram, não ficaram acomodados. O Senhor quer que os dons confiados sejam
usados em prol da justiça e do amor, tornando o mundo mais humanizado e
parecido com o Reino. Não se trata de um convite ao acúmulo, o que seria
contrário à lógica do Reino. É uma mensagem de esperança e perseverança, um
convite a perder o medo e arriscar tudo, inclusive a vida, para que as sementes
do Reino se multipliquem.
Ao contrário dos dois primeiros servos, o terceiro
foi repreendido como “servo mau e preguiçoso” (v. 26). É
interessante que o texto não menciona nenhuma ação malvada desse servo; pelo
contrário, menciona sua precaução em não estragar o talento recebido, o que
poderia render-lhe um reconhecimento de prudente. Ora, na lógica do Reino,
lógica que a comunidade cristã deve assumir, não basta cometer delitos para ser
tratado como mau: basta ser omisso, indiferente e medroso. Não basta não fazer
o que é mal, basta deixar de fazer o bem para ficar fora da comunidade e,
consequentemente, do Reino. O medo paralisa a comunidade e impede a instauração
do Reino. De todos os medos, o mais perigoso é o medo de mudança. É esse medo
que leva muitos grupos e movimentos a simplesmente conservarem rigidamente
certas tradições, ignorando a ação criativa e constante do Espírito Santo.
Podemos, finalmente, identificar o sentido da
vigilância nessa parábola: a autêntica vigilância não é espera passiva, mas é
atitude, é serviço em prol do Reino, através da multiplicação dos dons
confiados pelo Senhor à comunidade. Quem pensa apenas em conservar a doutrina,
os costumes e tradições, trai a confiança depositada pelo Senhor. O Reino exige
decisão, ousadia, criatividade e liberdade para o uso dos dons recebidos. Ser
vigilante é, portanto, não ter medo de arriscar, é colocar-se a serviço da
comunidade, expondo os dons recebidos, mesmo correndo riscos.
Uma vez que os talentos não foram confiados para
serem conservados, mas para frutificarem, a atitude do dono é completamente
compreensível: “tirar do que tem pouco para dar ao que tem muito” (v.
28). Ora, o que já tinha dez talentos, passando a onze, poderia fazer multiplicar
cada vez mais, e quem mais ganharia com isso seria a comunidade, ou seja, o
Reino. Com essa afirmação “a todo aquele que tem será dado mais, e terá
em abundância, mas aquele que não tem, até o pouco que tem lhe será tirado” (v.
29), o evangelho não propõe a perpetuação das desigualdades, mas acentuando a
natureza da comunidade cristã: só pode participar dela quem produz e multiplica
o que lhe foi confiado. Quem recebe o dom e o retém somente para si, não pode
entrar em um projeto de vida comunitário como o Reino de Deus.
O
destino final de quem se auto-excluiu da comunidade enfatiza a privação total
de vida e amor: “choro e ranger de dentes” (v. 30). Essa
expressão significa o grau máximo de desespero para um ser humano, equivalente
a uma vida privada de sentido. Isso não é castigo, mas consequência. De fato, é
sem sentido a vida de quem não vive a lógica das bem-aventuranças. Viver para
si é um mal. No Reino, só vive quem sabe viver a serviço do bem de todos; só se
vive assim com coragem e amor!
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