12 novembro - Às vezes acontece de sentirmos uma paz tão
profunda, uma alegria tão inebriante, que já nos parece estar experimentando
uma antecipação do Céu. Mas eis que de repente a mente se anuvia, o coração
arrefece e desfalece; a fronte já não brilha tão serena, o olhar já não
resplende com vivacidade, as ações já não procedem com regularidade... estamos
possuídos pela desolação e por aflições imensas! Jesus, vendo a alma
afeiçoar-se ao prazer, lembra-nos que não é no exílio que devemos alegrar-nos e
sim na pátria celeste. Aqui na terra vivemos para sofrer, lutar e vencer. (S 346). São Jose Marello
Mateus 25, 1-13
Com a proximidade do final do ano litúrgico, o tema
da vigilância passa a ocupar o centro da liturgia. Por isso, nos três últimos
domingos do ano litúrgico corrente, o evangelho é retirado do chamado “discurso
escatológico”, que é o último dos cinco grandes discursos atribuídos a Jesus no
Evangelho segundo Mateus (Mt 24–25). É importante, de antemão, ressaltar que a
ênfase dada à vigilância não visa provocar medo, mas reavivar e aumentar nos
cristãos a esperança na realização plena do Reino de Deus. No discurso
escatológico, prevalece o gênero literário apocalíptico, o que o torna tão
enigmático e provocativo. Por isso, é necessário compreender bem o texto, para
que sua mensagem de encorajamento e esperança não se torne causa de medo e
terror. Embora o discurso compreenda os capítulos 24 e 25, a liturgia dominical
utiliza apenas o capítulo 25, o qual é composto de três grandes parábolas,
sendo que o evangelho de hoje corresponde à primeira: a parábola das dez
virgens (ou jovens) – Mt 25,1-13. As outras duas serão lidas próximos dois
domingos.
Além da posição privilegiada que ocupa no Evangelho, a parábola das dez virgens
se destaca pela peculiaridade das personagens. Ora, em todos os evangelhos,
somente quatro parábolas têm mulheres como protagonistas, sendo a maioria
exclusividade de Lucas: a parábola do fermento na massa (Mt 13,33; Lc
13,20-21), a parábola da moeda perdida (Lc 15,8-10) a parábola do juiz injusto
e a viúva persistente (Lc 10,1-8), e esta das dez virgens (Mt 25,1-13), sendo
das quatro a única exclusiva de Mateus. Logo, estamos diante de uma obra prima
de Mateus, que evidencia uma grande valorização da mulher justamente quando o
seu Evangelho se aproxima do ponto culminante. Ainda a nível de contexto, é
importante recordar a situação da comunidade do evangelista, destinatária
primeira do Evangelho. Quase cinquenta anos separam os eventos da paixão, morte
e ressurreição de Jesus da redação do Evangelho. Muitas coisas aconteceram
nesse intervalo de tempo, gerando consequências para a vida da comunidade,
chegando a abalar a fé, a esperança e a unidade dos cristãos e cristãs. Por
isso, a comunidade mateana vivia uma situação de crise, tanto por causas
externas quanto internas. As causas externas eram as perseguições da parte do
judaísmo ortodoxo e do império romano; as causas internas eram os conflitos
entre os membros da própria comunidade, divididos entre os de origem judaica e
aqueles de origem pagã. O Evangelho segundo Mateus é, portanto, um conjunto de
respostas a tudo isso.
No caso específico da parábola que hoje lemos na liturgia, essa é a resposta à
crise de fé e de identidade pela qual passava a comunidade, devido à diminuição
no fervor de seus membros. Ora, tendo se passado já quase cinquenta anos da
ressurreição, os cristãos não viam suas vidas melhorarem, pelo contrário, até
pioravam devido às perseguições. O resultado disso era uma fé cada vez menos
viva e sem esperança. Era preciso, portanto, reanimar, encorajar e despertar na
comunidade a esperança e o ardor da fé inicial. Ao desânimo, o evangelista pede
uma atitude de vigilância. A comunidade deve estar sempre pronta para
encontrar-se com o Senhor a qualquer momento. Na verdade, segundo o
evangelista, o ideal é viver na certeza de que o Senhor nunca se ausentou, mas
está sempre presente na comunidade, exatamente por ser o “Deus conosco” (Mt
1,23; 18,20 28,20). Isso exige solicitude para reconhecê-lo, e é exatamente o
que a parábola das dez virgens quer suscitar. Devido à extensão e ao gênero do
texto, não comentaremos versículo por versículo, mas procuraremos colher a sua
mensagem central, embora seja necessário, mesmo assim, observar cuidadosamente
algumas expressões particulares.
Assim diz o texto em seu início: “O Reino dos Céus é como a história das dez
virgens que pegaram suas lâmpadas e foram ao encontro do noivo” (v. 1). Essa é
a última parábola do Evangelho de Mateus em que o Reino dos Céus é
explicitamente comparado a uma realidade concreta e conhecida do auditório de
Jesus e da comunidade do evangelista. É uma parábola de alcance e interesses
universais. A expressão “dez virgens” (em grego: δέκα παρθένοις – déka
parténois) evoca o universalismo da comunidade. Dez é um número que expressa
totalidade e univerasalismo, ao contrário do número doze que possui um valor
simbólico restrito a Israel. Com esse pequeno detalhe, Jesus e o evangelista
dão um salto de qualidade considerável à mensagem: o Reino dos Céus já
extrapolou os limites de Israel, é destinado a toda a humanidade. A imagem do
matrimônio não era novidade na linguagem de Jesus e nem no judaísmo. Desde o
profeta Oséias, a relação entre Deus e seu povo é apresentada em linguagem
matrimonial. A novidade de Jesus consiste em ampliar o alcance da imagem, cuja
noiva-esposa deixa de ser Israel e passa a ser a humanidade inteira. Por sinal,
a parábola não fala da noiva; por ela, subentende-se toda a humanidade, uma vez
que é o próprio Jesus o noivo-esposo.
Para compreender melhor a parábola e sua mensagem, é necessário entender como
era celebrada uma festa de casamento na época e, especialmente, qual era o
papel das jovens virgens. Sem essa compreensão, pode-se imaginar, à primeira
vista, que as dez virgens estivessem disputando um único noivo, ou até mesmo
que o texto retrate um matrimônio poligâmico. Por isso, é importante a explicação
do episódio. Em Israel e em muitas sociedades antigas orientais, o casamento
era realizado por etapas ou fases. A primeira fase, chamada de fase da
promessa, durava um ano. Os noivos consideravam-se já casados, embora
continuassem a viver cada um com seus pais. Era o período para as famílias
acertarem os acordos econômicos, pois o casamento era um negócio, e prepararem
a festa. Completado o ano, o casamento era finalmente festejado e consumado. No
dia marcado, o noivo ia com seus amigos até a casa da noiva. Em sua casa, a
noiva reunia suas melhores amigas para esperar o noivo. Após a chegada do
noivo, a noiva se despedia dos seus pais, deixava sua casa e ia para a casa do
noivo, ao seu lado, onde acontecia a festa, que durava em média uma semana.
Formava-se assim, o cortejo nupcial da casa da noiva para a casa do noivo. Isso
deveria acontecer no início da noite, de modo que o cortejo era iluminado pelas
lâmpadas que as moças amigas da noiva levavam. Para causar suspense, os noivos
costumavam atrasar. Seria, portanto, uma grande imprudência as moças deixarem
faltar óleo para suas lâmpadas no cortejo, uma vez que uma festa de casamento
começava a ser preparada com muita antecedência, cerca de um ano.
É a partir dessa realidade descrita que Jesus faz a sua denúncia e alerta os
seus discípulos com a parábola, a partir dos distintos comportamentos das
virgens: cinco eram imprevidentes e outras cinco eram previdentes. Essa
distinção é típica da literatura sapiencial, bastante difusa no tempo de Jesus.
Os termos mais adequados, conforme o texto na língua original, seriam
imprudentes e prudentes, ou ainda insensatas e sensatas. A insensatez das cinco
primeiras consiste em ter deixado o óleo acabar. A sensatez das outras cinco
consiste em ter óleo suficiente. O óleo (em grego: ἔλαιον – elaion),
literalmente óleo de oliva ou azeite, é o elemento decisivo da parábola, e o
que tem gerado muitas discussões e debates nos estudos bíblicos. Alguns já
definiram o óleo como as boas obras, os carismas pessoais, os dons do Espírito
Santo, interpretações que não são totalmente satisfatórias. O mais provável,
considerando o conjunto do Evangelho, é que o óleo representa às
bem-aventuranças (Mt 5,1-12), compreendendo-as como o compromisso e a
responsabilidade pessoal de cada um na construção do Reino. As
bem-aventuranças, enquanto auto retrato de Jesus, são também a identidade
cristã, e o que autoriza alguém a fazer parte do Reino.
No conjunto das bem-aventuranças, estão o amor, a justiça, a construção da paz,
a mansidão, a solidariedade, a tolerância e o respeito. E tudo isso é
intransferível. Por isso, as jovens prudentes não podiam emprestar o óleo às
imprudentes (vv. 8-9), pois o amor é pessoal, ninguém pode amar no lugar do
outro, ninguém pode ser justo no lugar do outro. As jovens prudentes não foram
egoístas, como pode parecer. A imagem quer recordar que ninguém está isento de
viver o amor e a justiça, enquanto síntese das bem-aventuranças. A vigilância
exigida na parábola, portanto, não significa privar-se do sono, afinal as prudentes
e imprudentes dormiram todas (v. 5), mas consiste em manter-se abastecidos de
amor e justiça. Para quem assimilou o sentido das bem-aventuranças em sua vida,
não importa o dia e nem a hora em que o Senhor retornará. Na verdade, a
vivência das bem-aventuranças é o sinal mais concreto da presença constante do
Senhor na comunidade e no mundo. Quem vive assim faz da própria vida uma
manifestação concreta do Senhor.
A porta fechada para quem não teve óleo suficiente não é sinal de castigo ou
exclusão (vv. 11-12). É também uma advertência de Jesus e do evangelista. É uma
situação parecida com a da parábola do banquete (Mt 22,1-14), lida há alguns
domingos (28º domingo), quando um convidado foi retirado da sala por não vestir
o traje apropriado para a festa, o que também era uma imagem das
bem-aventuranças. Significa a afirmação das exigências para fazer parte do
Reino. Essas exigências, especialmente o amor e a justiça, são indispensáveis
porque sem elas o mundo não é transformado, as coisas não mudam. Por isso, a
conclusão também retoma elementos do discurso da montanha. As palavras do noivo
às virgens imprudentes recordam uma das sentenças de Jesus, pouco tempo depois
de ter proclamado as bem-aventuranças: “Não é aquele que diz ‘Senhor, Senhor!’
que entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade do Pai que está nos
céus” (Mt 7,21). E a vontade do Pai não se faz em um momento apenas, mas em
toda a vida.
As cinco moças imprudentes que não alimentaram suficientemente suas lâmpadas
com óleo representam aquelas pessoas que ao longo da vida não vivem as
bem-aventuranças, imaginando que basta, de última hora, dizer “Senhor, Senhor!”
para entrar no Reino. Tudo indica que na comunidade de Mateus havia muitas
pessoas assim. Por isso, ele relembrou com muito cuidado as palavras de Jesus
que pediam paciência, vigilância e perseverança: “Portanto, ficai vigiando,
pois não sabeis qual será o dia nem a hora” (v. 13). Essa vigilância não
significa longas vigílias de oração, mas uma vida cristã sadia, responsável e
comprometida com o Reino. Enfim, é a vida segundo as bem-aventuranças o que
caracteriza a pessoa como vigilante e prudente.
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