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Outubro 2021
Tempo Comum
30° Domingo do Tempo Comum - Ano B
TEMA
A liturgia do 30° Domingo do Tempo
Comum fala-nos da preocupação de Deus em que o homem alcance a vida verdadeira
e aponta o caminho que é preciso seguir para atingir essa meta. De acordo com a
Palavra de Deus que nos é proposta, o homem chega à vida plena, aderindo a
Jesus e acolhendo a proposta de salvação que Ele nos veio apresentar.
A primeira leitura afirma que, mesmo nos momentos mais dramáticos da caminhada
histórica de Israel, quando o Povo parecia privado definitivamente de luz e de
liberdade, Deus estava lá, preocupando-se em libertar o seu Povo e em
conduzi-lo pela mão, com amor de pai, ao encontro da liberdade e da vida plena.
A segunda leitura apresenta Jesus como o sumo-sacerdote que o Pai chamou e
enviou ao mundo a fim de conduzir os homens à comunhão com Deus. Com esta
apresentação, o autor deste texto sugere, antes de mais, o amor de Deus pelo
seu Povo; e, em segundo lugar, pede aos crentes que "acreditem" em
Jesus - isto é, que escutem atentamente as propostas que Ele veio fazer, que as
acolham no coração e que as transformem em gestos concretos de vida.
No Evangelho, o catequista Marcos propõe-nos o caminho de Deus para libertar o
homem das trevas e para o fazer nascer para a luz. Como Bartimeu, o cego, os
crentes são convidados a acolher a proposta que Jesus lhes veio trazer, a
deixar decididamente a vida velha e a seguir Jesus no caminho do amor e do dom
da vida. Dessa forma, garante-nos Marcos, poderemos passar da escravidão à
liberdade, da morte à vida.
LEITURA 1- Jer 31,7-9
Eis o que diz o Senhor:
«Soltai brados de alegria por causa de Jacob, enaltecei a primeira das nações.
Fazei ouvir os vossos louvores e proclamai:
'O Senhor salvou o seu povo, o resto de Israel'. Vou trazê-los das terras do
Norte
e reuni-los dos confins do mundo.
Entre eles vêm o cego e o coxo,
a mulher que vai ser mãe e a que já deu à luz. É uma grande multidão que
regressa.
Eles partiram com lágrimas nos olhos
e Eu vou trazê-los no meio das consolações. Levá-Ios-ei às águas correntes,
por caminho plano em que não tropecem. Porque Eu sou um Pai para Israel
e Efraim é o meu primogénito».
comentário
Jeremias, o profeta nascido em Anatot
por volta de 650 a.C., exerceu a sua missão profética desde 627/626 a.C., até
depois da destruição de Jerusalém pelos Babilónios (586 a.C.). O cenário da atividade
do profeta é, em geral, o reino de Judá (e, sobretudo, a cidade de Jerusalém).
A primeira fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de Josias.
Este rei - preocupado em defender a identidade política e religiosa do Povo de
Deus - leva a cabo uma impressionante reforma religiosa, destinada a banir do
país os cultos aos deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período,
traduz-se num constante apelo à conversão, à fidelidade a Jahwéh e à aliança.
No entanto, em 609 a.C., Josias é morto, em combate contra os egípcios. Joaquim
sucede-lhe no trono. A segunda fase da atividade profética de Jeremias abrange
o tempo de reinado de Joaquim (609-597 a.C.).
O reinado de Joaquim é um tempo de desgraça e de pecado para o Povo, e de
incompreensão e sofrimento para Jeremias. Nesta fase, o profeta aparece a
criticar as injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) e a
infidelidade religiosa (traduzida, sobretudo, na busca das alianças políticas:
procurar a ajuda dos egípcios significava não confiar em Deus e, em
contrapartida, colocar a esperança do Povo em exércitos estrangeiros). Jeremias
está convencido de que Judá já ultrapassou todas as medidas e que está iminente
uma invasão babilónica que castigará os pecados do Povo de Deus. É, sobretudo,
isso que ele diz aos habitantes de Jerusalém ... As previsões funestas de
Jeremias concretizam-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invade Judá e deporta para
a Babilónia uma parte da população de Jerusalém.
No trono de Judá fica, então, Sedecias (597-586 a.C.). A terceira fase da
missão profética de Jeremias desenrola-se, precisamente, durante este reinado.
Após alguns anos de calma submissão à Babilónia, Sedecias volta a experimentar
a velha política das alianças com o Egito. Jeremias não está de acordo que se
confie em exércitos estrangeiros mais do que em Jahwéh ... Mas, nem o rei, nem
os notáveis prestam qualquer atenção à opinião do profeta.
Em 587 a.C., Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército
egípcio vem em socorro de Judá e os babilónios retiram-se. Nesse momento de
euforia nacional, Jeremias aparece a anunciar o recomeço do cerco e a
destruição de Jerusalém (cf. Jer 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é
encarcerado (cf. Jer 37,11- 16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jer
38,11-13). Enquanto Jeremias continua a pregar a rendição, Nabucodonosor
apossa-se, de facto, de Jerusalém, destrói a cidade e deporta a sua população
para a Babilónia (586 a.C.).
É impossível dizer com segurança o contexto em que apareceu essa mensagem que o
texto que nos é hoje proposto apresenta.
Para alguns comentadores, trata-se de um oráculo que poderia situar-se na
primeira fase da atividade profética de Jeremias (reinado de Josias) e
dirigir-se-ia aos israelitas do Reino do Norte. Seria uma mensagem de
esperança, destinada a animar esse povo que há cerca de cem anos tinha perdido
a independência e estava sob o domínio assírio.
Para outros, contudo, este texto será da época de Sedecias, algures entre a
primeira e a segunda deportação do Povo para a Babilónia (597-586 a.C.). É a
época em que Jeremias descobre perspectivas teológicas novas e começa a refletir
sobre um tempo novo que Deus irá oferecer ao seu Povo: após a catástrofe, será
possível recomeçar tudo, pois Deus tem em mente fazer uma nova Aliança com
Judá.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto começa com
um convite à alegria e ao louvor (vers. 7). Porquê? Porque Jahwéh vai reunir o
seu Povo (disperso na Assíria? Na Babilónia?), vai conduzi-lo através do
deserto e vai fazê-lo retornar à sua pátria. Reunir, conduzir e fazer retornar
à pátria são os três verbos que, tradicionalmente, definem a ação de Deus em
favor do seu Povo, durante o Êxodo.
Depois da afirmação geral, o profeta
apresenta alguns pormenores deste Novo Êxodo. Da comitiva farão parte "o
cego e o coxo, a mulher grávida e a que deu à luz" (vers. 8b). O cego e o
coxo são figuras tradicionais ligadas ao tema do Êxodo (cf. Is 35,5), onde
relembram a situação de necessidade e de carência em que os exilados jazem e,
ao mesmo tempo, evocam a ação extraordinária de Deus no sentido de libertar o
seu Povo dessa carência e dessa necessidade. Na imagem da mulher grávida e na
da mulher que deu à luz, o profeta representa a dor e o sofrimento, mas também
a fecundidade, a alegria, a esperança num futuro novo e cheio de vida.
No último versículo do nosso texto (vers. 9), Jahwéh apresenta-Se como um pai
cheio de amor pelo seu filho/Povo. Esse amor irá traduzir-se no final do Exílio
e no regresso dos exilados à sua terra "entre grande consolação", por
"caminhos direitos" e fáceis. No final desse Êxodo triunfal, Jahwéh
vai oferecer ao seu Povo vida abundante e fecunda ("conduzi-Ios-ei às
torrentes de água").
O texto dá conta da preocupação de Deus com a vida, a felicidade e a realização
plena do seu Povo. Mesmo nos momentos mais dramáticos da caminhada histórica de
Israel, quando o Povo parecia privado definitivamente de luz e de liberdade (o
"cego" e o "coxo"), Deus estava lá, preocupando-se em
libertar o seu Povo e em conduzi-lo pela mão, com amor de pai, ao encontro da
liberdade e da vida plena.
ATUALIZAÇÃO
• O que este texto nos diz, antes de
mais, é que o Deus em quem acreditamos não é um Deus insensível e alheado das
dores e dificuldades dos homens; mas é um Deus sensível e atento, que cuida dos
seus filhos com cuidados de pai. Ao longo do percurso que vamos percorrendo
pela história, também nós fazemos, como os antigos israelitas, a experiência da
escravidão, da dependência, do medo, do desespero, da decepção ... A Palavra de
Deus que hoje nos é servida garante-nos: não estamos sozinhos frente aos nossos
dramas e sofrimentos; Deus vai ao nosso lado e, com amor de pai, cuida de nós,
dá-nos a mão, conduz-nos ao encontro da vida eterna e verdadeira. A nós
resta-nos reconhecer a sua presença (às vezes tão discreta que nem a notamos)
e, com humildade e simplicidade, aceitar o seu amor.
• Na perspectiva do profeta, a ação salvadora e libertadora de Deus
estender-se-á a todos, inclusive aos "cegos" e aos "coxos".
Os "coxos" e os "cegos representam, aqui, aqueles que estão numa
situação de fragilidade, de debilidade, de dependência e que são incapazes, por
si sós, de deixar essa condição. Também com esses - ou especialmente com esses
- Deus quer caminhar. Na verdade, Deus não marginaliza ninguém, nem coloca
ninguém à margem da sua proposta de salvação ... Os fracos, os débeis, os
limitados, os marginalizados ocupam um lugar especial no coração de Deus e são
objeto privilegiado do seu amor e da sua misericórdia. Na nossa sociedade, os pequenos,
os pobres, os doentes, os velhos, os estrangeiros sem papéis são,
frequentemente, marginalizados e ultrapassados pelo comboio da história. A
sociedade edifica-se sem eles ou, pelo menos, sem ter em conta as suas
necessidades e carências... Nós, os crentes, formados na escola de Deus,
precisamos olhar para eles com o mesmo olhar de Deus, descobrir que também eles
são filhos queridos e amados de Deus, denunciar as estruturas que os
marginalizam, criar mecanismos de inclusão e de integração. É preciso ver em
cada homem ou mulher - no "coxo", no "cego", no velho, no
doente, no marginal - um irmão que Deus ama e a quem quer oferecer, por nosso
intermédio, a vida plena, a salvação definitiva.
• Em todo o capítulo 31 do profeta Jeremias (de onde é retirado o texto que nos
é proposto), há um impressionante apelo à esperança, à confiança em Deus. Por
vezes, somos tentados a olhar para a nossa vida e para a história do nosso
mundo, com os óculos do pessimismo, do medo e do desespero ... O terrorismo, os
crimes ambientais, as dificuldades económicas, as doenças incuráveis, a fome, a
miséria, os valores efémeros, parecem pintar de negro o nosso futuro e o futuro
do nosso planeta ... Contudo, a Palavra de Deus que hoje nos é proposta garante
nos: não tenhais medo, pois Deus caminha convosco pela história e, como um pai
cheio de bondade que ensina o filho a caminhar, há-de conduzir-vos pela mão ao
encontro da vida verdadeira. Há, certamente, um futuro para nós, pois Deus ama nos
e caminha conosco.
SALMO
RESPONSORIAL - Salmo 125 (126)
Refrão 1: Grandes maravilhas fez por
nós o Senhor, por isso exultamos de alegria.
Refrão 1: O Senhor fez maravilhas em favor do seu povo.
Quando o Senhor fez regressar os cativos de Sião, parecia-nos viver um sonho.
Da nossa boca brotavam expressões de alegria e dos nossos lábios cânticos de
júbilo.
Diziam então os pagãos:
«O Senhor fez por eles grandes coisas». Sim, grandes coisas fez por nós o
Senhor, estamos exultantes de alegria.
Fazei regressar, Senhor, os nossos cativos, como as torrentes do deserto.
Os que semeiam em lágrimas
recolhem com alegria.
À ida vão a chorar, levando as sementes; à volta vêm a cantar,
trazendo os molhos de espigas.
LEITURA
11- Heb 5,1-6
Todo o sumo sacerdote, escolhido de
entre os homens, é constituído em favor dos homens,
nas suas relações com Deus,
para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Ele pode ser compreensivo
para com os ignorantes e os transviados, porque também ele está revestido de
fraqueza; e, por isso, deve oferecer sacrifícios
pelos próprios pecados e pelos do seu povo. Ninguém atribui a si próprio esta
honra,
senão quem foi chamado por Deus, como Abraão. Assim também, não foi Cristo que
tomou para Si a glória de Se tornar sumo sacerdote;
deu-lha Aquele que Lhe disse:
«Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei», e como disse ainda noutro lugar: «Tu és
sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec».
comentário
Continuamos, neste 30° Domingo do
Tempo Comum, a ler a Carta aos Hebreus - uma reflexão destinada a comunidades
cristãs em situação difícil, expostas a perigos vários e que, por isso mesmo,
estão numa situação de fragilidade, de cansaço e de desalento. O objetivo do
autor da Carta é ajudar esses cristãos a redescobrir o seu entusiasmo inicial,
a revitalizar o seu compromisso com Cristo e a empenhar-se numa fé mais
coerente e mais comprometida.
Nesse sentido, o autor desta reflexão convida os crentes a apreciar o mistério
de Cristo, o sacerdote por excelência, que o Pai enviou ao mundo com a missão
de convidar todos os homens a integrar a comunidade do Povo sacerdotal. Uma vez
comprometidos com Cristo, os crentes - membros desse Povo sacerdotal - devem
fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Ao
lembrar aos crentes o seu compromisso com Cristo e com a comunidade do Povo
sacerdotal, o autor oferece aos cristãos a base para revitalizarem a sua
experiência de fé, enfraquecida pela hostilidade do ambiente, pela acomodação,
pela monotonia.
O texto que nos é proposto está incluído na segunda parte da Carta aos Hebreus
(cf. Heb 3,1-5,10). Aí, o autor apresenta Jesus como o sacerdote fiel e
misericordioso que o Pai enviou ao mundo para mudar os corações dos homens e
para os aproximar de Deus. Aos crentes pede-se que "acreditem" em
Jesus - isto é, que escutem atentamente as propostas que Cristo veio fazer, que
as acolham no coração e que as transformem em gestos concretos de vida.
MENSAGEM
No universo religioso judaico, o
sumo-sacerdote ocupava o lugar cimeiro na hierarquia do clero do Templo e, de
alguma forma, presidia à instituição sacerdotal. Era ele o único a entrar, uma
vez no ano, no lugar mais sagrado do Templo ("Debir" ou "Santo
dos Santos"), no solene "Dia das Expiações" ("Yom
Kippurim"), com o sangue de um animal imolado, para aspergir o
"propiciatório" ("kapporet") e conseguir o perdão de Deus
para os pecados do Povo. Dessa forma, o sumo-sacerdote tornava-se o
intermediário por excelência da relação entre os homens e Deus.
Para a mentalidade judaica, há três elementos fundamentais ligados à figura do
sumo sacerdote. Em primeiro lugar, ele é um escolhido de Deus: o sumo-sacerdote
não é alguém que, por sua iniciativa pessoal, se propõe para o cargo; mas é
alguém a quem Deus chama e a quem confia esta missão (foi Deus que, por sua
iniciativa, chamou Aarão e toda a sua descendência). Em segundo lugar, o
sumo-sacerdote é um homem tomado de entre os homens: a sua humanidade não o
torna inapto para uma missão tão sublime; pelo contrário, a fragilidade e
debilidade que resultam da sua humanidade tornam-no apto para compreender os
erros e os pecados dos outros homens por quem intercede. Em terceiro lugar, o
sumo-sacerdote tem uma função mediadora: a sua missão é "oferecer dons e
sacrifícios pelos pecados", apresentando diante de Deus o arrependimento
dos homens e trazendo aos homens o perdão de Deus; dessa forma, ele refaz a
relação dos homens com Deus.
Na perspectiva do autor da Carta aos Hebreus, Jesus é o sumo-sacerdote por
excelência. Em primeiro lugar, porque Ele foi chamado e destinado por Deus a
esta missão (apesar de não ser da linhagem do sacerdote Aarão); o facto de ser
Filho de Deus dá ao seu sacerdócio uma categoria, uma dignidade e uma qualidade
suprema, uma vez que o coloca em contato pessoal e íntimo com o Pai, dando
dessa forma
uma expressão mais completa a essa mediação que Ele é chamado a realizar entre
Deus e os homens.
Em segundo lugar, porque Ele foi homem, também. Ao assumir a nossa humanidade,
Ele experimentou a nossa debilidade e fragilidade e tornou-Se capaz de entender
as nossas fraquezas e os nossos pecados e de Se tornar o nosso mediador e
intercessor junto do Pai.
A sua proximidade e intimidade com o Pai, por um lado, e a sua humanidade, por
outro tornam-no, finalmente, o perfeito mediador e intercessor, capaz de
restabelecer definitivamente a comunhão entre Deus e os homens. De facto, Ele
veio ao nosso encontro, mostrou-nos o amor do Pai, convidou-nos a eliminar o
egoísmo e o pecado que nos afastavam da comunhão com Deus, chamou-nos a
integrar a família de Deus e ensinou-nos o que fazer para sermos filhos de
Deus.
ATUALIZAÇÃO
• Ao apresentar Jesus como o
sumo-sacerdote, chamado pelo Pai e enviado ao mundo para libertar os homens do
egoísmo e do pecado e para os conduzir à comunhão com Deus, o autor da Carta
aos Hebreus convida-nos (todos os textos que a liturgia deste domingo nos
propõe apontam no mesmo sentido) a contemplar a grandeza do amor que Deus nos
dedica. A contemplação da incarnação de Jesus e de tudo o que Ele realizou
enquanto percorreu os caminhos e aldeias da Palestina fala-nos de um amor sem
limites, expresso em gestos concretos e que culmina na entrega total, na cruz.
A nós resta-nos olhar para Jesus, escutá-lo, aceitar a sua proposta, banir da
nossa vida o egoísmo e o pecado, segui-lo nesse caminho do dom e da entrega que
irá levar-nos a integrar a família de Deus e a possuir a vida verdadeira.
• Para o autor do nosso texto, ao assumir a nossa humanidade, Jesus
experimentou a nossa fragilidade, a nossa debilidade, a nossa dependência;
tornou-Se, portanto, capaz de compreender os nossos erros e falhas e de olhar
para as nossas insuficiências com bondade e misericórdia. Para a nossa vida
concreta, há duas consequências que resultam daqui... A primeira leva-nos à
confiança e à esperança: junto de Deus nosso Pai, temos um intercessor que
entende as nossas dificuldades e que, apesar das nossas falhas, continua
apostado em integrar-nos na família de Deus. A segunda leva-nos ao compromisso
com os irmãos: a solidariedade de Cristo conosco convida-nos à solidariedade
com os pequenos, com os últimos, com os pobres, com aqueles que o mundo rejeita
e marginaliza; convida-nos a identificarmo-nos com os sofrimentos e angústias,
com as alegrias e esperanças de cada homem ou mulher; convida-nos a fazer o que
estiver ao nosso alcance para promover aqueles que são humilhados, explorados,
incompreendidos, colocados à margem da vida ...
• Os planos de Deus para salvar e libertar os homens concretizaram-se porque
Cristo, o Filho, assumiu os projetos do Pai e viveu sempre na obediência
incondicional às propostas de Deus. Hoje, os projetos de salvação e de
libertação que Deus tem para os homens continuam a concretizar-se através
daqueles que aderiram a Jesus e querem, como Ele, viver na estrita obediência
aos planos de Deus. Sinto-me, como Jesus, testemunha da salvação de Deus diante
dos meus irmãos? ° meu egoísmo e a minha acomodação alguma vez me desviaram do
cumprimento dos projetos de Deus? Aqueles que eu encontro, a cada passo, nos
caminhos do mundo, têm encontrado em mim uma proposta credível de vida e de
libertação?
ALELUIA - cf. 2 Tim 1,10
Aleluia. Aleluia.
Jesus Cristo, nosso Salvador, destruiu a morte e fez brilhar a vida por meio do
Evangelho.
EVANGELHO
- Mc 10,46-52
Naquele
tempo,
quando Jesus ia a sair de Jericó
com os discípulos e uma grande multidão,
estava um cego, chamado Bartimeu, filho de Timeu, a pedir esmola à beira do
caminho.
Ao ouvir dizer que era Jesus de Nazaré que passava, começou a gritar:
«Jesus, Filho de David, tem piedade de mim». Muitos repreendiam-no para que se
calasse. Mas ele gritava cada vez mais:
«Filho de David, tem piedade de mim».
Jesus parou e disse: «Chamai-O».
Chamaram então o cego e disseram-lhe: «Coragem! Levanta-te, que Ele está a
chamar-te».
O cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus. Jesus
perguntou-lhe:
«Que queres que Eu te faça?» O cego respondeu-Lhe: «Mestre, que eu veja».
Jesus disse-lhe:
«Vai: a tua fé te salvou». Logo ele recuperou a vista
e seguiu Jesus pelo caminho.
AMBIENTE
O Evangelho deste domingo propõe-nos
a última etapa desse caminho (geográfico, mas também espiritual) que Jesus
iniciou com os discípulos na Galileia e que irá levá- lo a Jerusalém, ao
encontro da paixão, morte e ressurreição. É a última cena de um percurso que
não tem sido fácil e no qual os discípulos, como cegos, se aferram às suas
ideias e projetos próprios, recusando-se a entender e a aceitar que o caminho
do Reino deva passar pela cruz e pelo dom da vida.
O episódio que hoje nos é proposto situa-nos à saída da cidade de Jericó. Jericó,
a "cidade das Palmeiras", é um oásis situado na margem do rio Jordão,
a norte do Mar Morto, e que dista cerca de 30 quilómetros de Jerusalém. Na
época de Jesus, era uma cidade relativamente importante, onde Herodes, o
Grande, tinha edificado um luxuoso palácio de Inverno.
Além de Jesus, Marcos coloca no centro da cena um mendigo cego com o nome de
Bartimeu ("filho de Timeu"). Este nome, meio aramaico
("bar") e meio grego ("timaios"), é um nome perfeitamente usual
no ambiente hebraico-palestinense onde a história é situada (nunca aparece
entre os cerca de 2.000 nomes próprios que ocorrem no Antigo Testamento); aos
leitores romanos de Marcos, contudo, o nome devia evocar o "Timeo",
um dos mais conhecidos "diálogos" de Platão. Alguns autores pensam que,
mais do que um personagem histórico, o cego Bartimeu seria uma figura
simbólica.
Os "cegos" faziam parte do
grupo dos excluídos da sociedade palestina de então. As deficiências físicas
eram consideradas - pela teologia oficial - como resultado do pecado. Segundo a
concepção da época, Deus castigava de acordo com a gravidade da culpa. A
cegueira era considerada o resultado de um pecado especialmente grave: uma
doença que impedisse o homem de estudar a Lei era considerada uma maldição de
Deus por excelência. Pela sua condição de impureza notória, os cegos eram
impedidos de servir de testemunhas no tribunal e de participar nas cerimónias
religiosas no Templo.
MENSAGEM
É natural que Jesus tenha encontrado,
quando saía de Jericó, um cego que mendigava junto da estrada... No entanto,
parece claro que, à volta desse acontecimento fundamental, Marcos construiu uma
catequese para os seus leitores. Quem é, na catequese de Marcos, este
"cego" que Jesus encontra ao longo do caminho, quando se dirige para
Jerusalém? Ele representa todos esses a quem a teologia oficial considerava
pecadores, malditos, impuros, marginais, longe de Deus e da sua proposta de
salvação.
O cego da nossa história está sentado à beira do caminho, provavelmente a pedir
esmola. O estar sentado significa acomodação, instalação, conformismo. Ele está
privado da luz e da liberdade e está conformado com a sua triste situação,
sabendo que, por si só, é incapaz de sair dela. O pedir esmola (o texto refere
explicitamente a sua condição de mendigo - verso 46) indica a situação de
escravidão e de dependência em que o homem se encontra.
Contudo, a passagem de Jesus de Nazaré dá ao cego a consciência da sua situação
de miséria, de dependência, de escravidão. Então, Bartimeu percebe o sem
sentido da sua situação e sente a vontade de apostar numa outra experiência. A
passagem de Jesus na vida de alguém é sempre um momento de tomada de
consciência, de questionamento, de desafio, que leva a pôr em causa a vida
velha e a sentir o imperativo de ir mais além ... No entanto, Bartimeu está
consciente da sua debilidade e sente que, sem a ajuda de Jesus, continuará
envolvido pelas trevas da dependência, da escravidão, da instalação ... Por
isso, pede: "Jesus, filho de David, tem misericórdia de mim" (vers.
47). O título "filho de David" é um título messiânico. Portanto,
Bartimeu vê em Jesus esse Messias libertador que, segundo a mentalidade
judaica, havia de vir não só para salvar Israel dos opressores, mas também para
dar vida em plenitude a cada membro do Povo de Deus.
Antes de referir a intervenção de Jesus, Marcos dá conta da reação dos que
estão à volta de Jesus: repreendiam o cego e queriam fazê-lo calar (vers. 48).
Quando alguém encontra Jesus e resolve deixar a vida antiga para aderir ao
Reino que Jesus veio propor, encontra sempre resistências (que vêm, por vezes,
dos familiares, dos amigos, dos colegas). Estes que repreendem e mandam calar o
cego representam, portanto, todos aqueles que colocam obstáculos a quem quer
deixar a sua situação de miséria e de escravidão para aderir à proposta
libertadora que Cristo faz. No entanto, a oposição não só não desarma o cego,
como o leva a gritar ainda mais forte: "filho de David, tem misericórdia
de mim" ... A incompreensão ou a oposição dos homens nunca fazem desistir
aquele que viu Jesus passar e que viu n'Ele uma proposta de vida e de
liberdade.
Jesus parou e mandou chamar o cego. A cena recorda-nos os relatos do chamamento
dos discípulos (cf. Mc 1,16-20; 2,14; 3,13). Os mediadores que transmitem ao
cego as palavras de Jesus dizem-lhe: "coragem, levanta-te que Ele
chama-te" (vers. 49). Ou seja: deixa a tua situação de miséria, de
escravidão e de dependência, porque Jesus chama-te. O chamamento é sempre,
nestes casos, a tornar-se discípulo, a seguir Jesus no caminho do amor e do dom
da vida.
Em resposta, o cego atirou fora a
capa, deu um salto e foi ter com Jesus (vers. 50). A capa podia estar colocada
debaixo do cego, como almofada, ou nos seus joelhos, para recolher as moedas
que lhe atiravam; em qualquer caso, a capa é tudo o que um mendigo possui, a
única coisa de que ele pode separar-se (outros deixaram o barco, as redes ou a
banca onde recolhiam impostos). O deitar fora a capa significa, portanto, o
deixar tudo o que se possui para ir ao encontro de Jesus. É um corte radical
com o passado, com a vida velha, com a anterior situação, com tudo aquilo em
que se apostou anteriormente, a fim de começar uma vida nova ao lado de Jesus.
Jesus perguntou ao cego: "que queres que te faça?". É a mesma
pergunta que, pouco antes, Jesus fizera a João e Tiago (cf. Mc 10,36). A
identidade da pergunta acentua, contudo, a diferença da resposta ... Os dois
irmãos queriam sentar-se ao lado de Jesus e ver concretizados os seus sonhos de
grandeza e de poder; o cego Bartimeu, ao contrário, cansado de estar sentado
numa vida de escravidão e de cegueira, quer encontrar a luz para seguir Jesus
(vers. 51).
Jesus responde a Bartimeu: "vai, a tua fé te salvou" (vers. 52). A fé
não é a simples adesão a determinadas verdades abstratas, que o crente aceita acriticamente;
mas, no contexto neo - testamentário, a fé é a adesão a Jesus e à sua proposta
de salvação. Por isso, Marcos termina a sua história dizendo que o cego
recuperou a vista e seguiu Jesus - isto é, fez-se discípulo de Jesus. Ao aderir
a Jesus e à sua proposta de salvação, ao aceitar seguir Jesus no caminho do
amor e do dom da vida (Jesus prepara-Se para entrar em Jerusalém, onde vai
fazer dom da sua vida em favor dos homens), Bartimeu encontrou a salvação:
deixou a vida da escuridão, da escravidão, da dependência em que estava e
nasceu para essa vida verdadeira e eterna que, através de Jesus, Deus oferece
aos homens.
O cego Bartimeu que encontráramos a mendigar, sentado à beira do caminho, à
saída de Jericó representava, inicialmente, os pecadores que viviam longe de
Deus e à margem da salvação. Depois de encontrar Jesus, Bartimeu transforma-se
e torna-se o protótipo do verdadeiro discípulo ... Destinatário privilegiado da
proposta de salvação que Jesus traz, ele proclama sem hesitações a sua fé, invoca
a ajuda e a misericórdia de Jesus, acolhe sem hesitações o chamamento que lhe é
feito, liberta-se da vida velha e, com alegria, decisão e entusiasmo, aceita,
sem condições, seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida. É com Bartimeu
que os discípulos de Jesus são convidados a identificar-se.
ATUALIZAÇÃO
• A situação inicial do cego Bartimeu
(que jaz na escuridão, dependente, acomodado, conformado) evoca uma realidade
que conhecemos bem ... Evoca a condição do homem escravo, prisioneiro do
egoísmo, do orgulho, dos bens materiais, da preguiça, da vaidade, do êxito;
evoca a condição daquele que está acomodado na sua situação de miséria,
instalado nos seus preconceitos e projetos pessoais, conformado com uma vida de
horizontes limitados; evoca a condição daquele que se sente refém dos seus
vícios, hábitos e paixões e que sente a sua incapacidade em romper, por si só,
as cadeias que o impedem de ser livre... Esta situação será uma situação
insuperável, a que o homem está condenado de forma permanente?
• A Palavra de Deus que nos é proposta garante-nos que a situação do homem
cego, prisioneiro da escuridão, não é uma situação incontornável, obrigatória,
sem remédio ... Jesus veio ao mundo, enviado pelo Pai, com uma proposta de
libertação destinada a todos aqueles que procuram a luz e a vida verdadeira.
Esse Jesus de Nazaré que Se cruzou com o cego à saída de Jericó continua a
cruzar-Se hoje, de forma continuada, com cada homem e com cada mulher nos
caminhos da vida e oferece-lhes, sem cessar, a proposta libertadora de Deus ...
É preciso, no entanto, que não nos fechemos no nosso egoísmo e na nossa
auto-suficiência, surdos e cegos aos apelos de Deus; é preciso que as nossas
preocupações com os valores efémeros não nos distraiam do essencial; é preciso
que aprendamos a reconhecer os desafios de Deus nesses acontecimentos banais
com que, tantas vezes, Deus nos interpela e questiona ...
• O que é que implica aceitar a proposta que Jesus faz? Fundamentalmente
implica - como aconteceu com Bartimeu - tornar-se discípulo ... Ser discípulo
de Jesus é aderir à sua pessoa, acolher os seus valores, viver na obediência
aos projetos do Pai, fazer da vida um dom de amor aos irmãos; é solidarizar-se
com os pequenos, com os pobres, com os perseguidos, com os marginalizados e lutar
por um mundo onde todos sejam acolhidos como filhos de Deus, iguais em direitos
e em dignidade; é lutar contra as estruturas que geram injustiça, opressão e
morte; é ser testemunha, com palavras e com gestos, da verdade, da justiça, da
paz, da reconciliação. Quem aceita seguir o caminho do discípulo escolhe viver
na luz e está a contribuir para a construção de um mundo novo.
• Quando reconhecemos o "chamamento" de Deus, qual deve ser a nossa
resposta?
Bartimeu, logo que ouviu dizer que Jesus o chamava, atirou fora a sua capa e
correu ao encontro de Jesus. O gesto de Bartimeu representa, aqui, a renúncia
imediata à vida antiga, ao egoísmo, ao comodismo, à escravidão, aos
comportamentos incompatíveis com a adesão a Cristo e a esse caminho novo que
Jesus o convida a percorrer. É isso, também, que é pedido a todos aqueles a
quem Jesus chama à vida nova ...
• Na história do encontro de Bartimeu com Cristo, aparecem outros personagens,
com papéis vários. Uns constituem obstáculos à adesão de Bartimeu a Cristo;
outros apresentam-se como intermediários entre Cristo e Bartimeu e transmitem
ao cego as palavras de Jesus... Este facto serve para nos tornar conscientes do
papel daqueles que nos rodeiam no nosso caminho da fé ... Ao longo da nossa
caminhada, encontraremos sempre pessoas que nos ajudam a ir ao encontro de
Cristo e pessoas que (muitas vezes com óptimas intenções) tentam impedir-nos de
encontrar Cristo. Precisamos de aprender a discernir entre as várias opiniões
que nos são propostas e a dar a devida importância a quem nos ajuda a descobrir
o caminho para a verdadeira vida.
• Quem encontra Cristo e aceita o desafio para viver como discípulo tem, a
partir daí, um caminho fácil? De forma nenhuma. Tem de abandonar a vida cómoda
e instalada em que vivia e enfrentar uma nova realidade, num desafio
permanente, num questionamento constante; tem de aprender a enfrentar as
críticas, as incompreensões, os confrontos com aqueles que não compreendem a
sua opção; tem de percorrer, dia a dia, o difícil caminho do amor, do serviço,
da entrega, do dom da vida ... É preciso, no entanto, que o discípulo esteja
consciente de que o caminho de Jesus não é um caminho que leva à morte, mas é
um caminho que leva à ressurreição, à vida verdadeira e eterna.
"Que queres que te faça?",
diz Jesus ao cego ... Não tenhamos medo, nós também, de dizer a Jesus:
"que eu veja". A alegria de Cristo que nos ama é esta fé, esta
confiança nele. Não tenhamos medo de Lhe dizer a nossa fé e confiança, muitas
vezes!
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