28 julho -
Sede
sempre obedientes, ainda que a obediência exija grandes sacrifícios. (S 354). São Jose Marello
Jesus alimenta uma multidão. - João 6,1-15 28 jul 2024
Depois disso, Jesus foi para o outro lado do mar da Galileia, ou
seja, de Tiberíades. Uma grande multidão o seguia, vendo os sinais que ele
fazia a favor dos doentes. Jesus subiu a montanha e sentou-se lá com os seus
discípulos. Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. Levantando os olhos e
vendo uma grande multidão que vinha a ele, Jesus disse a Filipe: “Onde vamos
comprar pão para que estes possam comer[...] Jesus disse: “Fazei as pessoas
sentar-se”. [...] Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu aos que estavam
sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes. [...].
Neste
décimo sétimo domingo do tempo comum,
interrompemos, mais uma vez, a leitura do Evangelho segundo Marcos, para uma
sequência de cinco domingos nos quais leremos o capítulo sexto do Evangelho
segundo João. Para hoje, especificamente, a liturgia contempla os primeiros
quinze versículos: Jo 6,1-15, relato do episódio chamado popularmente de
“multiplicação dos pães”, embora esse não seja o título mais apropriado.
Considerando a extensão do texto, não comentaremos cada versículo, mas
procuraremos colher a mensagem geral de todo o texto, embora seja necessário
dar maior atenção a alguns versículos específicos.
Antes de
contextualizar o texto no conjunto do Quarto Evangelho, é importante recordar
que, no domingo passado, ao ler e refletir o texto do Evangelho segundo Marcos
(cf. Mc 6,30-34), destacava-se a reação e o sentimento de Jesus diante da
multidão que o seguia: “teve compaixão, porque eram como ovelhas sem
pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6,34). Como
não bastava o ensinamento, a esse seguiu-se o gesto da partilha dos pães (cf.
Mc 6,35-42), como resposta à situação de abandono e sofrimento vividos pela
multidão. Jesus sabia muito bem associar ensinamento e práxis, como deve fazer
a comunidade cristã em todos os tempos. Os sentimentos de Jesus eram
acompanhados de respostas concretas aos sofrimentos das pessoas.
O episódio
da “condivisão dos pães”, expressão mais apropriada que multiplicação, é o
único milagre ou sinal de Jesus narrado pelos quatro Evangelhos, com seis
versões (Mateus e Marcos narram duas vezes), sendo que a versão joanina é a
mais rica em detalhes e, consequentemente, em teologia. Além da riqueza ímpar
do relato, João usa o milagre como introdução para uma profunda catequese
eucarística, através do longo discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum, se
auto apresentando como pão da vida e alimento perene para a humanidade, como
veremos nos próximos domingos. No conjunto dos sete sinais (ou milagres)
operados por Jesus no Evangelho segundo João, esse é o quarto, assumindo uma
centralidade tanto literária quanto teológica.
O texto
diz que “Jesus foi para o outro lado do mar da Galileia, também chamado
de Tiberíades” (v. 1). Embora fosse apenas um lago, o evangelista se
refere como mar para chamar a atenção do leitor e evocar uma cena de
libertação. De fato, passar de uma margem a outra do mar é sempre uma
recordação do Êxodo, evento fundante da história de Israel, embora seus frutos
já não fossem mais experimentados, ou seja, o povo não vivia mais conforme a
liberdade sonhada por Deus; tinha voltado a ser escravo do sistema dominante
religioso e político e de suas próprias concepções equivocadas de Deus. Por
isso, a mensagem de Jesus é um convite à libertação porque o seu povo tinha se
tornado escravo novamente.
O destino do novo
êxodo não é uma terra distante nem uma vida no além: é o Reino de Deus, um
sistema baseado na partilha, solidariedade, amor, justiça e dignidade. Para
ingressar nesse, não são necessárias longas caminhadas, mas somente a
conversão, ou seja, a mudança de mentalidade. Mesmo na posse da terra, Israel
deixou de ser livre ao reproduzir o sistema do antigo opressor. Por isso, o que
Jesus propõe é uma mudança de mentalidade e consciência, ou seja, uma mudança
interior que, no entanto, conduz a novas práticas, como a partilha, foco
central do Evangelho de hoje. Porém, reduzir esse trecho do Quarto Evangelho a
uma mera comparação com o antigo êxodo é um grande
reducionismo.
Jesus chamava a atenção das pessoas e atraía a
multidão em seu seguimento “porque viam os sinais que ele operava a
favor dos doentes” (v. 2). Ao mencionar os doentes, o evangelista enfatiza a prática de Jesus em favor dos mais
necessitados, pobres e vulneráveis. Os doentes representam as categorias de
todas as pessoas excluídas, sofredoras e abandonadas, de quem Jesus sentiu
compaixão (cf. Mc 6,34). As multidões se admiram com Jesus, por isso o seguem.
Ora, era difícil alguém se preocupar com os marginalizados da sociedade,
principalmente os doentes; naquela época, a doença era considerada como castigo
pelos pecados, o que tornava o doente uma pessoa desprezível. Como Jesus
priorizava as pessoas que o sistema descartava, muitos o viam como sinal de
esperança e de mudança, por isso, muita gente o seguia. As multidões seguiam Jesus enquanto “estava
próxima a Páscoa, a festa dos judeus” (v. 4). Com isso, o evangelista
enfatiza Jesus como único sinal autêntico de libertação e alternativa para
aquele povo abandonado como ovelha sem pastor. A páscoa, como “festa dos
judeus”, tinha sido transformada em instrumento de exploração, dominação e
manutenção da ordem vigente. Mesmo sutilmente, o evangelista apresenta uma
grande ironia: aquela festa celebrada em Jerusalém já não era Páscoa de Iahweh,
mas “festa dos judeus” (em grego: h` e`orth. tw/n VIoudai,wn – hé
heorté ton Iudaion). Quando João usa o termo judeus, não se refere a todo o
povo, mas às classes e grupos dirigentes, principalmente aos sacerdotes do
templo que, de fato, tinham desfigurado o rosto verdadeiro de Deus. Portanto,
Jesus é a alternativa de Deus à religião opressora do templo, e os primeiros a
perceber isso são as pessoas mais simples e humildes, os pobres e excluídos que
o seguem, quem tinha sido abandonado pelos maus pastores de Israel.
André,
outro discípulo, parece começar a compreender a lógica de Jesus, embora ainda
não tenha muita convicção: “Está aqui um menino com cinco pães de
cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?” (v. 9).
Enquanto Filipe pensou em solucionar o problema com base na economia, André
olhou para a própria comunidade, percebendo o que já tinha, mesmo reconhecendo
não ser suficiente. Aqui está a transição para a proposta de Jesus, a lógica do
Reino: a solução dos problemas da comunidade deve ser buscada em seu interior.
Os
cristãos não podem esperar que o mundo ofereça condições para o Reino de Deus
se estabelecer, mas são eles mesmos quem tem que começar a viver os valores do
Reino, mesmo em condições desfavoráveis. Embora considerando insuficiente, a
observação de André é muito importante: “um menino tem cinco pães de
cevada e dois peixes”. Um menino era uma figura muito pouco representativa
na época, sem nenhum valor reconhecido, uma vez que não produzia. Para
enfatizar ainda mais esse aspecto, o evangelista emprega o diminutivo: um
menininho (em grego: παιδαριον – paidárion).
O pão de cevada era o alimento dos pobres, enquanto os ricos comiam o pão de
trigo. Os dois peixes servem de complemento numérico para chegar a sete, número
que evoca perfeição e totalidade. Mais tarde, a comunidade cristã adotou também
o peixe como símbolo eucarístico.
O
menininho com cinco pães e dois peixes é a imagem do discípulo e da comunidade
cristã. Antes de tudo, para entrar na lógica do Reino é necessário fazer-se e
reconhecer-se pequeno. Reino de Deus e grandeza são incompatíveis. Não importa
a quantidade daquilo que se tem, mas a disposição de colocar a serviço do
próximo. As soluções para os problemas da comunidade devem vir de dentro. Essa
é saciada quando o pouco que tem é colocado em comum, quando cada um considera
aquilo que tem como dom de Deus e, por isso, destina à partilha. O menininho
não mostrou resistências, entregou o que tinha e “Jesus tomou os pães,
deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E
fez o mesmo com os peixes” (v. 11). André lamentou que somente cinco
pães e dois peixes não seriam suficientes. Jesus foi mais adiante: “tomou os
pães e deu graças”, ou seja, agradeceu! O evangelista usa aqui o verbo
grego ευχαριστεω (eukaristêo),
do qual provém a palavra Eucaristia, cujo significado é
agradecimento/rendimento de graças. Ao invés de lamentar-se, Jesus agradeceu
pelo pouco que tinha e, daí, veio a abundância.
Muitos
pormenores e dúvidas ficam, certamente, nas entrelinhas do texto, o que não
ofusca o grande ensinamento de Jesus para a sua comunidade. André observou que
um menininho estava com cinco pães e dois peixes, mas não diz que era somente
aquele. O importante é que alguém teve de coragem começar a colocar à
disposição dos outros o pouco que tinha, e Jesus agradeceu por aquilo. No
final, todos ficaram satisfeitos. A solução veio de dentro da comunidade. A
abundância é gerada quando ninguém considera somente seu o que possui, mas
oferece, como dom, às necessidades do próximo. E a primeira necessidade do ser
humano é o alimento, o pão de cada dia. Tendo ficado todos satisfeitos,
percebendo o que ainda tinha sobrado, “Jesus disse aos discípulos:
“Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!” Recolheram os
pedações e encheram doze cestos com as sobras dos cinco pães, deixadas pelos
que haviam comido” (v. 12-13). O número doze simboliza a totalidade do
povo, a nação inteira de Israel, reconfigurada na comunidade cristã pelos doze
apóstolos. A quantidade recolhida, doze cestos, significa, portanto, que quando
a partilha é praticada, tem alimento para todos e todas. Essa não deve ser um
ato isolado, mas uma prática constante na comunidade.
Assim como
todos os sinais cumpridos por Jesus no Evangelho segundo João visam a
manifestação da glória de Deus e o despertar da fé no Verbo Encarnado, também o
sinal da condivisão dos pães despertou reação e reconhecimento: “Este é
verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo” (v. 14).
Porém, essa é uma imagem insuficiente para descrever Jesus. Vê-lo como simples
profeta é colocá-lo em continuidade com a antiga aliança e, portanto, negar a
insuficiência e decadência daquela aliança que ele denuncia com os sinais
cumpridos. Inclusive, a continuidade dos sinais ao longo do livro, mostra a
necessidade de Jesus continuar revelando sua novidade messiânica e a superação
da antiga aliança.
O
Evangelho de hoje mostra que a comunidade deve ter prioridades irrenunciáveis,
como encontrar solução para o problema da fome, por exemplo. O exemplo do
menininho, colocando à disposição da comunidade os cinco pães e os dois peixes,
e a atitude de Jesus rendendo graças pelo pouco que tinha, oferecem muitas
luzes para os cristãos de todos os tempos. A comunidade não pode esperar ter
condições necessárias para viver o programa do Reino, mas é ela mesma que tem
que criar tais condições, encontrando dentro de si mesma a solução para os seus
problemas, vencendo o egoísmo, a inveja, o orgulho e o desejo de poder. É claro
que o Evangelho não tem respostas apenas para as necessidades materiais das pessoas,
como veremos nos próximos domingos. Mas, no texto específico de hoje, a ênfase
do evangelista é a necessidade de superar a fome de pão das pessoas
necessitadas, ou seja, das almas de carne e osso!
Nenhum comentário:
Postar um comentário