07 julho - Esta, pois, é a nossa
missão: fazer conhecer, fazer amar, fazer viver a doutrina de Jesus Cristo. (L 25). São Jose Marello
Marcos 6,1-6
“Jesus voltou com os seus discípulos para a cidade de Nazaré,
onde ele tinha morado. No sábado começou a ensinar na sinagoga. Muitos que o
estavam escutando ficaram admirados e perguntaram:
– De onde é que este homem consegue tudo isso? De onde vem a sabedoria dele?
Como é que faz esses milagres? Por acaso ele não é o carpinteiro, filho de
Maria? Não é irmão de Tiago, José, Judas e Simão? As suas irmãs não moram aqui?
Por isso ficaram desiludidos com ele. Mas Jesus disse:
– Um profeta é respeitado em toda parte, menos na sua terra, entre os seus
parentes e na sua própria casa.
Ele não pôde fazer milagres em Nazaré, a não ser curar alguns doentes, pondo
as mãos sobre eles. E ficou admirado com a falta de fé que havia ali.”
O
texto possui uma localização estratégica: importantes acontecimentos o
antecedem e o sucedem, o que lhe garante também um grau de importância
fundamental para todo o Evangelho. É precedido por dois sinais extraordinários
praticamente simultâneos: a cura da mulher hemorroíssa, cujo padecimento já
durava doze anos, e a reanimação de uma menina de doze anos, filha de Jairo,
chefe da sinagoga (cf. Mc 5,21-43). Após esses dois sinais, entrelaçados pelo
número doze, o evangelista apresenta Jesus em Nazaré, decepcionado com a
incredulidade dos seus conterrâneos (Mc 6,1-6), o texto adotado para a liturgia
de hoje. Logo na sequência desse, vem o envio e a missão dos Doze (cf. Mc
6,7-13); a eles, Jesus dá algumas instruções e lhes confere autoridade sobre os
espíritos impuros.
Podemos
concluir, a nível de contexto, com o seguinte dado: após curar uma mulher de
uma enfermidade que durava doze anos, e reavivar uma menina de doze anos, Jesus
percebe, na incredulidade dos seus conterrâneos na sinagoga de Nazaré, que o
verdadeiro enfermo era Israel com suas tradições, seus costumes e suas
concepções de mundo; isso se evidencia pela marca de doze anos nos dois casos.
Em Nazaré, Jesus faz o diagnóstico dessa enfermidade crônica de Israel, e
percebe que somente o Evangelho, ou seja, a sua proposta de vida, poderia sanar
Israel dessa enfermidade, por isso, na sequência, ele enviou os Doze em missão.
Feita
a contextualização, olhemos para o texto: “Naquele tempo, Jesus foi a
Nazaré, sua terra, e seus discípulos o acompanharam” (v. 1). De
início, já identificamos um equívoco na tradução litúrgica: o evangelista não
emprega a palavra Nazaré, mas diz apenas que Jesus foi à sua terra ou pátria
(em grego: patri,j – patrís), embora saibamos que era Nazaré a sua
terra. No entanto, a ausência do nome Nazaré é proposital para o evangelista;
com isso, ele amplia a dimensão do evento. O triste episódio de Nazaré é o
retrato do que acontecia em todo o Israel: apego exagerado à tradição e
fechamento aos sinais dos tempos. Da rejeição de uma aldeia, o evangelista
prevê a rejeição futura de todo o país, o que levará Jesus à morte.
Jesus
foi acompanhado de seus discípulos, a sua nova família, o que deve ter
aumentado o choque nos nazarenos. A última cena em que o evangelista tinha
feito referências a habitantes de Nazaré foi no conflito de Jesus com os seus
familiares, incluindo a mãe, quando esses foram captura-lo em Cafarnaum,
imaginando que ele estava louco (cf. Mc 3,20). Ali, diante dos familiares e da
multidão, Jesus afirmou que a sua verdadeira família já não era mais
determinada pela consanguinidade, mas somente pela prática da vontade de Deus e
escuta da Palavra. Acompanhado dos discípulos, portanto, Jesus reafirma a
necessidade de tornar-se seu discípulo para fazer parte da sua família.
Como
de costume, também em Nazaré “Quando chegou o sábado, começou a ensinar
na sinagoga” (v. 2a). Marcos não menciona o conteúdo do ensinamento de
Jesus, mas certamente é o mesmo que Lucas detalha (cf. Lc 4,16-27), até pelas
reações suscitadas: “Muitos que o escutavam ficavam admirados e
diziam: “De onde recebeu ele tudo isto? Como conseguiu tanta sabedoria? E esses
grandes milagres que são realizados por suas mãos?” (v. 2bc). Ao invés
de “ficavam admirados”, a forma mais correta seria “ficavam chocados ou
perturbados” (verbo grego evkeplh,ssomai – ekplessomai). A
tradução litúrgica empregou “ficavam admirados” para suavizar o texto. Ouvindo
Jesus, seus conterrâneos questionam a origem da sua sabedoria, autoridade e
conhecimento, bem como a sua capacidade de fazer coisas “diferentes”, os
milagres. Não poderiam imaginar que alguém com suas características pudesse
agir daquele modo. Para os habitantes da pequena Nazaré, era inaceitável que
alguém proponha algo diferente do que sempre foi ensinado e feito.
Para
fundamentar a crítica, os ouvintes de Jesus recordam sua profissão e sua
origem: “Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de
Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco? E
ficaram escandalizados por causa dele” (v. 3). O termo traduzido por
carpinteiro (em grego: te,ktwn – tekton) designa o artesão de um
modo geral, e não apenas a pessoa que trabalha com madeira; essa era uma
profissão comum nos vilarejos. Como era difícil a sobrevivência com apenas uma
atividade, geralmente se fazia um pouco de tudo: trabalho com madeira e pedra
para construção, principalmente. Citando os parentes conhecidos que moravam no
vilarejo, os ouvintes reforçam a incompatibilidade entre a origem de Jesus e a
sua atividade messiânica. Ora, o messias, o enviado de Deus para libertar o seu
povo, era esperado há séculos em Israel. Mas esperava-se que ele tivesse
outras características, como a força e a capacidade para a guerra, jamais que
fosse uma pessoa comum e parente de gente simples. Logo, não poderia ser aquele
carpinteiro.
A
identificação como “filho de Maria”, pejorativa para a época, é mais um
indicativo do desprezo recebido por Jesus; as pessoas eram identificadas a
partir do nome do pai, autoridade do clã, mesmo que esse já tivesse morrido. O
nome da mãe não tinha importância alguma para aquela sociedade. Chama-lo de
“filho de Maria” equivalia a chama-lo de filho ilegítimo, o que seria um motivo
a mais para não vê-lo como um enviado de Deus. Antes foram os parentes a
considera-lo louco ou “fora de si” (cf. Mc 3,20), dessa vez é toda a comunidade
a considera-lo assim. Ao invés de repetir o ensinamento da tradição, Jesus
procurava apresentar um novo rosto de Deus; um Deus que já não se comunicava
pela força, mas pela simplicidade, amor, acolhimento e justiça, por isso,
“ficaram escandalizados”, ou seja, sentiam que Jesus estava mais atrapalhando
do que ajudando-os a observarem a fé transmitida e ensinada pelos antepassados.
Até
então, Jesus tinha recebido oposição severa das autoridades religiosas e da
família, apenas. Do povo, em geral, tinha recebido boa aceitação por onde
passava. Esse episódio de Nazaré apresenta a primeira oposição coletiva à sua
mensagem. Para a mentalidade provinciana dos habitantes de Nazaré, o que
deveria ter nas mãos de um carpinteiro seriam calos, e não capacidade de operar
sinais extraordinários. Embora ali não tenha feito milagres (cf. v. 5), a sua
fama já tinha chegado a Nazaré. Sendo Jesus uma pessoa simples, tendo crescido
em um vilarejo simples, não era normal que ele tivesse tamanha sabedoria e,
muito menos, que fosse o messias.
Jesus
reage à oposição dos seus conterrâneos com um provérbio: “Um profeta só
não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (v. 4).
Para ele, não era surpresa um profeta ser rejeitado em sua terra, por parentes
e conhecidos. Esse provérbio nasceu e amadureceu a partir da própria vivência
dos profetas ao longo da história de Israel. Os principais exemplos dessa
experiência de rejeição na própria terra foram Jeremias (cf. Jr 11,18-23; 12,6)
e Ezequiel (cf. Ez 2,2-5). Ser rejeitado se torna a sina de quem permanece fiel
a Deus e a missão por ele confiada.
A
rejeição a Jesus bloqueia a ação salvífica de Deus. Por isso, “ali não pôde
fazer milagre algum. Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos” (v.
5). Os milagres de Jesus não eram meras demonstrações de poder e força, mas
comunicação com a humanidade, e isso exigia interação e reciprocidade através
da fé. Jesus se sentiu bloqueado, não imune de força, mas impedido de
interagir, porque o Deus que ele veio revelar é alguém que se comunica, se
relaciona com o ser humano de modo pessoal, e não através de sinais grandiosos.
A fé é adesão à sua proposta de vida.
Se
a reação dos habitantes de Nazaré foi de perplexidade, também Jesus “admirou-se
com a falta de fé deles” (v. 6a). A falta de fé é a incapacidade de
adesão à sua mensagem; aqui, significa o fechamento e a dureza de coração, a
insensatez. Diante da rejeição recebida, a resposta de Jesus é a missão: Jesus
percorria os povoados da redondeza, ensinando” (v. 6b). Como em Nazaré
ele diagnosticou que Israel todo padecia, eis que reagiu a isso indo ao
encontro de mais povoados, e enviando também os Doze com a mesma autoridade com
que ele mesmo agia, como refletiremos no próximo domingo.
Os
habitantes de Nazaré rejeitaram Jesus porque ele lhes apresentou um Deus
acolhedor, misericordioso, justo e simples, fora dos esquemas apresentados
pelas tradições de Israel. O Deus de Jesus não age pela força, nem pela
imposição, mas se revela na simplicidade e na pequenez. O erro dos habitantes
de Nazaré é repetido pelos cristãos quando imaginam e desejam uma Igreja
triunfante, forte e poderosa. Que o Evangelho de hoje nos ajude a compreender e
viver o que é essencial para a nossa fé, e a acolher a grandeza de Deus que se
revela na pequenez.
*
A medida que
Deus reinar entre nós, a vida social será espaço de fraternidade, justiça, paz,
dignidade para todos. O Reino se concretiza na justiça e quem mais precisa de
justiça os pobres. Os cristãos devem se comprometer na construção de um
mundo mais fraterno, mais humano, mais solidário, sem guerras e opressões, oferecendo
esperança aos desesperançados, acolhendo os rejeitados, defendendo os fracos
diante dos poderosos, fazendo justiça aos injustiçados, perdoando os culpados e
oferecendo-lhes uma nova chance. Isso já está acontecendo porque o Reino de
Deus é já e ainda não. Cada vez que o amor é vivido, o reino já acontece. Cada
vez que agimos contra ele, ficamos na esperança de que um dia ainda aconteça. Mt 6,10a
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