14 julho - Após a leitura do ponto de meditação, deixemos que o
Senhor fale; e se prestarmos atenção, quantas coisas nos serão ditas por Ele,
muito melhores e mais oportunas e eficazes do que as do livro! (L 157). SÃO JOSE MARELLO
Marcos 6,7-13
"Jesus
ensinava nos povoados que havia perto dali. Ele chamou os doze discípulos e os enviou dois a dois, dando-lhes
autoridade para expulsar espíritos maus. Deu ordem para não levarem nada na
viagem, somente uma bengala para se apoiar. Não deviam levar comida, nem
sacola, nem dinheiro. Deviam calçar sandálias e não levar nem uma túnica a
mais. Disse ainda:
- Quando vocês entrarem numa
cidade, fiquem hospedados na casa em que forem recebidos até saírem daquela
cidade. Mas, se em algum lugar as pessoas não quiserem recebê-los, nem
ouvi-los, vão embora. E na saída sacudam o pó das suas sandálias, como sinal de
protesto contra aquela gente.
Então os discípulos foram e
anunciaram que todos deviam se arrepender dos seus pecados. Eles expulsavam
muitos demônios e curavam muitos doentes, pondo azeite na cabeça deles."
REFLEXÃO PARA O XV DOMINGO DO TEMPO COMUM
O Evangelho deste décimo quinto domingo do tempo
comum é Mc 6,7-13, texto que apresenta o envio missionário dos Doze por
Jesus. Esse texto é apresentado pelo evangelista como a resposta de Jesus à
rejeição sofrida em sua terra natal, Nazaré (cf. Mc 6,1-6), como refletimos no
domingo passado. Ao sentir-se rejeitado enquanto portador da Boa Nova de Deus,
e até ridicularizado, como foi, a reação de Jesus não foi de desespero, nem de
condenação, mas uma tomada de consciência de que havia muito mais a ser feito,
os esforços deveriam ser dobrados daquele momento em diante. Era necessário que
a missão fosse ampliada com urgência. Jesus tinha consciência de que aquela
lamentável rejeição em Nazaré, marcada pela incredulidade dos seus habitantes
na sinagoga, não era um caso isolado, mas um retrato de todo o Israel. Por
isso, enviou os Doze para que sua missão se expandisse e os sinais do Reino de
Deus frutificassem mais rápido, tendo em vista a necessidade urgente: Israel
padecia e não havia mais razão para retardar o advento do Reino.
Ainda a nível de contexto, é importante recordar que Jesus constituiu os
Doze com duas finalidades: “E constituiu Doze, para que ficassem com
ele, e para enviá-los a pregar, com autoridade para expulsar os demônios” (Mc
3,14). Ora até aqui, no capítulo sexto, os Doze tinham apenas estado com Jesus,
acompanhando-o na sua itinerância, escutando sua pregação e observando os
sinais operados. O episódio de Nazaré faz Jesus perceber que era chegado o
momento de enviá-los, pois a necessidade era grande. Jesus sabia que eles ainda
não estavam totalmente prontos, pois no prosseguimento do Evangelho lhes fará
diversas correções e advertências pelas incoerências percebidas (cf. Mc 8,33;
10,35). No entanto, era necessário fazer um primeiro teste, tendo em vista as
exigências das circunstâncias.
Ao invés de fechar-se diante da rejeição sofrida, Jesus toma consciência
da necessidade de ampliar a sua missão, por isso, “chamou os Doze, e
começou a enviá-los dois a dois” (v. 7a). Certamente, na Galileia
havia muitos outros povoados com gente fechada e incrédula como em Nazaré. O
envio dos discípulos visa fazer a Boa Nova do Reino chegar a mais lugares
simultaneamente. Jesus os envia dois a dois para enfatizar a dimensão
comunitária da fé. Conforme a mentalidade judaica, para um acontecimento
importante ser confirmado, era necessário o testemunho de pelo menos duas
pessoas. Porém, para Jesus e sua comunidade, o mais importante aqui era a
dimensão comunitária da vivência da fé. Não há razão alguma para
individualismos na comunidade cristã; a fé deve ser vivida e testemunhada em
espírito de partilha, ou seja, comunitariamente. Andando dois a dois, os
discípulos tem mais possibilidades de recordarem que os dons do Reino não são
propriedade deles, mas pertencem a Deus.
Jesus confere aos discípulos os mesmos dons que recebeu do Pai, e os
capacita a tornarem real a sua própria presença durante a missão: “dando-lhes
poder sobre os espíritos impuros” (v. 7b). Esses espíritos impuros são
todas as forças do mal presentes no mundo que geram violência, injustiça,
exclusão, morte e preconceito; é tudo o que impede o ser humano de uma relação
saudável com o Deus da vida e com o próximo e consigo mesmo; por isso, se
constituem como obstáculos à realização do Reino de Deus. Muitas vezes, esses
elementos eram criados pela própria religião, como a segregação e condenação
por doenças físicas e psíquicas. O poder (em grego: evxousi,a –
ekzussia) conferido sobre tudo isso é o mesmo que o próprio Jesus já exercia.
Não é um poder de domínio sobre as pessoas, mas o contrário: é o poder de
combater tudo o que escraviza e priva o ser humano de sua liberdade e dignidade
plenas.
O envio compreende algumas recomendações, das quais depende o êxito da
missão: “Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um
cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de
sandálias e que não levassem duas túnicas” (vv. 8-9). A austeridade e
simplicidade de vida é exigência indispensável para o cumprimento da missão
conferida por Jesus. O discípulo não deve ter outra preocupação além do anúncio
da Boa Nova, por isso deve deixar de lado tudo o que possa distraí-lo e
torna-lo sobrecarregado. A sobriedade ajuda a manter o foco naquilo que é
essencial, além de revelar total confiança na providência de Deus. Desprovidos
de qualquer segurança e conforto, os discípulos missionários sentem a
necessidade de adaptação ao que lhes for oferecido. Ao mandar que os discípulos
andassem de sandálias, Jesus reforça o caráter itinerante da sua missão,
apresentando-a como um constante caminhar. O lugar do discípulo não é o lar com
seu conforto, mas a estrada com seus perigos e adversidades.
Escrito há cerca de três décadas após a morte e ressurreição de Jesus, o
Evangelho segundo Marcos já reflete uma tendência preocupante para a comunidade
cristã: o distanciamento do estilo de vida de Jesus em seus seguidores. Ao
recordar essas recomendações de Jesus aos discípulos, o evangelista quis
reforçar o que é essencial e chamar a atenção da comunidade para não se
distanciar do modelo de vida que Jesus propôs. Além do estilo de vida, o
evangelista também se preocupava com outros elementos importantes que corriam o
risco de desaparecer da comunidade, como a hospitalidade, por exemplo. Por
isso, recordou também as palavras de Jesus sobre esse aspecto: “E Jesus
disse ainda: “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida” (v.
10). Aqui, além de chamar a atenção dos missionários para aceitarem o que lhes
for oferecido como hospedagem, também se chama a atenção da comunidade para
acolher os peregrinos e missionários em casa. Se estabelece, assim, uma reciprocidade
na missão e na edificação do Reino. É necessária uma real inserção nas diversas
realidades pelos discípulos, de modo que se sintam família na casa em que forem
acolhidos, permanecendo nela enquanto estiverem no mesmo povoado. Permanecer
quer dizer criar relações e laços duradouros. Da mesma forma, é necessário que
as casas dos membros da comunidade estejam sempre disponíveis para a acolhida
dos peregrinos e necessitados.
Tendo sido rejeitado em seu próprio povoado, Jesus via a rejeição como
uma possibilidade bem concreta e possível, por isso, preveniu também os seus
discípulos: “Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos
escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles”
(v. 11). Essa recomendação reflete bem o momento vivido por Jesus em Nazaré.
Ainda chocado (cf. Mt 6,6) com a rejeição ali recebida, Jesus alerta os
discípulos a não insistirem, pois devem respeitar a liberdade das pessoas; o
Reino é anunciado e oferecido, mas não pode ser imposto. Mais uma vez, o
evangelista aproveita também essas mesmas palavras para combater a tendência na
comunidade de afastar-se do princípio da hospitalidade. Todos devem estar
disponíveis a acolher o peregrino, sobretudo, quando esse é portador da Boa
Nova. O “testemunho contra” não é uma forma de condenação, mas
a confirmação de que o Evangelho foi proposto, porém foi rejeitado. As
consequências para quem rejeita o Evangelho é viver privado do amor e da
bondade de Deus, tão essenciais para o sentido da vida.
Dadas as instruções de envio, “Então os doze partiram e pregaram
que todos se convertessem” (v. 12). Quanto ao conteúdo específico da
pregação, o evangelista não entra em detalhes. Apenas diz que consistia num
anúncio de conversão. Ora, conversão (em grego: metanoia – metanoia)
significa mudança de mentalidade e pensamento. A adesão aos valores do
Evangelho exige rupturas com a maneira tradicional de pensar e compreender as
coisas, inclusive a relação com Deus. Jesus percebeu em Nazaré que era urgente
que aquele povo passasse por um processo de conversão, passando a um jeito novo
de conceber o mundo, a vida e Deus. Por isso, enviando seus discípulos a outros
povoados, propõe que todas as pessoas passem por esse processo. Com a mentalidade
antiga conservadora, apegada à lei, era impossível acolher a novidade do Reino
de Deus.
Imediatamente, o evangelista já antecipa o resultado da missão, por
sinal, bastante positivo: “Expulsavam muitos demônios e curavam
numerosos doentes, ungindo-os com óleo” (v. 13). A principal razão
para chegar a tais resultados é a fidelidade ao que foi recomendado. Quando a
proposta de conversão proposta pelo Evangelho é aceita, os sinais do Reino de
Deus se evidenciam. O evangelista pensa na sua comunidade, sobretudo:
perseguições do império e hostilidade dos judeus. Com muita probabilidade, esse
Evangelho segundo Marcos foi escrito em Roma, durante a perseguição de Nero.
Era uma época em que o mal prevalecia explicitamente, e a ação dos cristãos
parecia ter pouco efeito no combate. No entanto, se as palavras de Jesus forem
realmente vividas, muitos resultados serão alcançados. O uso do óleo como um
elemento medicinal e terapêutico era muito comum na antiguidade, e o
cristianismo conservou essa tradição, adotando-o como elemento sacramental. Os
doentes são, em Marcos, a síntese do necessitado e, por isso, destinatários
privilegiados dos anunciadores da Boa Nova.
Ao ler e meditar hoje esse trecho do Evangelho segundo Marcos, a
comunidade cristã é convidada a refletir sobre a sua fidelidade aos
ensinamentos de Jesus e ao seu envio, para recuperar aquilo que é realmente
essencial à vida cristã. No mundo de hoje, marcado pelo individualismo e pela
competitividade, não faltam questionamentos sobre a eficácia do anúncio cristão.
A única resposta adequada a esses questionamentos é a coragem dos cristãos e
cristãs para voltarem a viver à maneira de Jesus, como ele mesmo recomendou aos
primeiros discípulos enviados.
Se em apenas três décadas após a morte de Jesus, Marcos percebeu que sua
comunidade já dava sinais de distanciamento da sua proposta de vida, muito mais
pode ser percebido depois de dois mil anos. Por isso, a necessidade de
conversão é cada mais urgente. Que possamos, enquanto cristãos e cristãs,
identificar os males que nos impedem de viver radicalmente o que Jesus propõe,
para o Reino de Deus ser de novo experimento e vivido.
Deus não é
pai do cristão individualmente. Ele pai de todos os seres humanos. Ele é o Pai
nosso, como rezamos cotidianamente. O termo “nosso” é exigente porque nos
obriga a sair do “meu” eu fechado, para entrar na dinâmica dialogal da
comunidade dos outros filhos de Deus, abandonando tudo aquilo que nos separa.
Dizer “Pai nosso” na verdade é abrir-se à humanidade toda, recolhida debaixo dos
cuidados de Deus como a galinha que ajunta os seus pintinhos debaixo de suas
asas para expressar o seu cuidado. Na verdade Deus é um pai maternal, pois o
nome pai dado a Deus é simbólico e não exclui seus cuidados maternos. Mt 6,9a
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