31 março - Que São José cubra com o seu manto paterno os seus
filhos devotos. (L 272). São Jose Marello
JOÃO 20, 1-9 31
"Domingo bem cedo,
quando ainda estava escuro, Maria Madalena foi até o túmulo e viu que a pedra
que tapava a entrada tinha sido tirada. Então foi correndo até o lugar onde
estavam Simão Pedro e outro discípulo, aquele que Jesus amava, e disse: -
Tiraram o Senhor Jesus do túmulo, e não sabemos onde o puseram!
Então Pedro e o outro
discípulo foram até o túmulo. Os dois saíram correndo juntos, mas o outro
correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro. Ele se abaixou para olhar
lá dentro e viu os lençóis de linho; porém não entrou no túmulo. Mas Pedro, que
chegou logo depois, entrou. Ele também viu os lençóis colocados ali e a faixa
que tinham posto em volta da cabeça de Jesus. A faixa não estava junto com os
lençóis, mas estava enrolada ali ao lado. Aí o outro discípulo, que havia
chegado primeiro, também entrou no túmulo. Ele viu e creu. (Eles ainda não
tinham entendido as Escrituras Sagradas, que dizem que era preciso que Jesus
ressuscitasse.) E os dois voltaram para casa."
***
Todos os anos, o
evangelho proposto para a liturgia do Domingo de Páscoa é João 20,1-9. Ao invés de ser um relato da ressurreição,
como normalmente vem chamado, esse é, na verdade, um relato do «sepulcro
encontrado vazio», pois a ressurreição em si não é relatada, uma vez que é
acontecimento indescritível, ao contrário da paixão e da morte de Jesus, as
quais são descritas minuciosamente pelos evangelhos. Esse fato pode parecer
estranho, considerando que é a ressurreição o evento fundante do cristianismo
e, por isso, o centro da fé cristã, e foi exatamente em função dessa que os
evangelhos foram escritos. Mesmo assim, os evangelistas não conseguiram
descrevê-la. O texto proposto hoje – Jo 20,1-9 – é apenas a introdução daquilo
que o Quarto Evangelho dedica à ressurreição, sem, no entanto, descrevê-la: a
descoberta do sepulcro vazio, o que pode significar muita coisa ou quase nada,
a depender de quem faz a constatação. Três personagens entram em cena nesse
texto: Maria Madalena, Simão Pedro e o Discípulo amado. O número três já é, por
si, um grande e rico sinal; se trata de um indicativo teológico: significa uma
comunidade que, embora se encontre profundamente abalada, devido ao final
trágico de seu líder, aos poucos vai sendo recomposta, à medida em que a
esperança será recuperada.
O primeiro
versículo apresenta o retrato da comunidade antes de vivenciar a experiência da
ressurreição: «No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de
Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha
sido retirada do túmulo» (v. 1). O “primeiro dia da semana” é o dia
seguinte ao sábado, último dia da antiga criação. Com essa expressão, o
evangelista indica que há uma nova criação em curso; um novo tempo e um novo
mundo estão sendo gestados, mas ainda está na etapa primordial, o caos,
simbolizado pela expressão «quando ainda estava escuro»; o escuro, como
sinônimo de caos, fora constatado também na primeira criação (Gn 1,1-2). Na
verdade, o indicativo temporal «bem de madrugada» e seu complemento
enfático «quando ainda estava escuro» não é apenas uma indicação
temporal; significa o estado da comunidade naquelas circunstâncias. A ausência
de Jesus e a procura pelo seu corpo na morada dos mortos – o túmulo – reflete
uma realidade de trevas na comunidade. Essa situação de trevas não se deve à
ausência da luz física, mas significa que a vida não está triunfando na
comunidade, ou seja, a morte está prevalecendo. Trevas é ausência de vida e de
esperança, sobretudo na teologia de João. E a primeira atitude de inconformismo
diante das trevas é de Maria Madalena. Sua atitude vai despertar toda a
comunidade a buscar uma saída para a superação das trevas.
Sem a experiência
do Ressuscitado, a situação da comunidade é caótica, pois essa fica sem rumo,
sem saber o que fazer, como vemos na postura de Maria Madalena: «Então,
ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que
Jesus amava, e lhes disse: ‘Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o
colocaram’» (v. 2). A pressa e as palavras de Maria Madalena indicam uma
situação de quase desespero. Embora o texto de João registre apenas a ida de
Maria Madalena ao sepulcro, é mais provável que tenha sido um grupo de
mulheres, como consta nos evangelhos sinóticos (Mt 28,1; Mc 16,1; Lc 24,1);
João cita somente a Madalena para recordar o protagonismo dela na comunidade
primitiva e para delimitar o número três com os dois discípulos mencionados
(Pedro e o Discípulo Amado), dando uma ênfase teológica maior ao fato,
indicando uma comunidade, pois o número três significa completude.
Ir ao túmulo é a
atitude de quem acredita que a morte triunfou, pois o túmulo é a morada dos
mortos, é um depósito de cadáver, mas é também uma manifestação de amor por
aquele que julgava estar morto. A surpresa e o espanto de Maria Madalena são
causados exatamente pela ausência do cadáver no túmulo. A cultura da morte e o
desânimo estavam tão presentes na mente dos discípulos que nem mesmo a pedra
removida do túmulo fora suficiente para animá-los. De fato, a remoção da pedra
e a ausência do corpo de Jesus causaram, inicialmente, preocupação e espanto,
ao invés de alegria e esperança. Na fala de Maria Madalena vem expressa a
falência da comunidade: mesmo reconhecendo Jesus como “Senhor”, ela sente a
falta de um cadáver; quer saber onde está o corpo morto para reverenciá-lo,
provavelmente com os perfumes, e chorar junto dele. É a situação de quem ainda
estava agindo na escuridão, sem reconhecer o novo dia que estava para nascer.
Com o aviso de
Maria Madalena, também Pedro e o Discípulo Amado tomam a iniciativa de ir ao
túmulo para conferir a veracidade da informação, uma vez que a palavra da
mulher não era digna de credibilidade naquela sociedade: «Saíram, então,
Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo» (v. 3). Continuando, diz o
texto que «Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais
depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo» (v. 4). A pressa do
Discípulo Amado revela sua fidelidade, testada e comprovada aos pés da cruz
(19,25-27), característica da pessoa amada. Somente quem fez uma autêntica e
profunda experiência de amor com o Senhor é capaz de opor-se ao clima de morte
reinante na comunidade, por isso, esse discípulo é anônimo; o evangelista não
lhe dá um nome, mas apenas um adjetivo: amado.
Os personagens
anônimos no Evangelho segundo João têm a função de paradigmas para a sua
comunidade e os seus leitores de todos os tempos; assim, todo aquele que ler
esse evangelho deve tornar-se um “discípulo amado” também. Ele, o Discípulo
Amado chegou primeiro e comprovou que a informação da Madalena era
verídica: «viu as faixas de linho no chão, mas não entrou» (v. 5). À
pressa do Discípulo Amado opõe-se a lentidão e o desânimo de Pedro, após ter
sido tão incoerente com o Mestre na fase final de sua vida: opôs-se a ele na
ceia, no momento do lava-pés (Jo 13,6-8), e o negara durante o processo (Jo
18,15-27). A falta de motivação de Pedro foi, certamente, marcada pelo remorso
da negação e outras incoerências, o que será transformado quando experimentar o
Ressuscitado em sua vida.
O Discípulo Amado,
embora tenha chegado primeiro, espera que Pedro também chegue e faça ele mesmo
a sua experiência: «Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e
entrou no túmulo. Viu as faixas de linho no chão» (v. 6). Tendo
entrado no túmulo, Pedro comprova a ausência do corpo de Jesus e, certamente,
faz uma longa reflexão a respeito de tudo o que tinha acontecido nos últimos
dias. Embora a tradução litúrgica diga que ele “viu” as faixas de linho, o
evangelista emprega um verbo de significado muito mais profundo: “contemplar”
(em grego: θεωρέω theorêo), o que significa mais que
simplesmente ver; inclusive, desse verbo grego deriva a palavra teoria, como
consequência de uma observação profunda: um olhar contemplativo, processado na
mente e no coração.
Depois de Pedro,
entra também o Discípulo Amado no túmulo. Tendo chegado primeiro, poderia ter
entrado logo, mas preferiu esperar que Pedro chegasse e entrasse logo. Não se
trata de uma preeminência de Pedro, como sugerem algumas interpretações, uma
vez que na comunidade joanina não ainda havia espaço para hierarquia, como
Jesus mesmo deixou claro no lava-pés; era na verdade uma questão de
necessidade: quem, de fato, necessitava de uma experiência mais forte era
Pedro, pois, depois de Judas, foi o discípulo que mais tinha fracassado até
então, impondo sempre resistências aos propósitos de Jesus, além da negação
durante o processo. Já o Discípulo Amado tinha feito uma experiência autêntica
com o Senhor durante toda a sua vida, por isso, «viu e acreditou» (v.
8); não se deixou vencer pelos sinais de morte vistos dentro do túmulo, mas
reforçou ali a sua fé.
Para Pedro, foi
necessário um pouco mais de tempo, pelo menos algumas horas, para convencer-se
de que o Senhor ressuscitou e vive (Jo 20,19ss). Mas, os sinais estão apontando
para isso: interiormente, ele já estava “teorizando” sua fé, reconstruindo-a
lentamente, uma vez que os acontecimentos do lava-pés ao julgamento de Jesus
foram muito fortes e deixaram suas expectativas bastante comprometidas. Será o
próprio Senhor Ressuscitado a ajudá-lo no processo de reconstrução da fé,
posteriormente, com a tríplice pergunta: «Pedro, tu me amas?» (Jo
21,15-19). Sem amor, não há discipulado e, muito menos, experiência pascal. As
percepções diferentes do sepulcro vazio por Maria, Pedro e o Discípulo Amado
são sinais da diversidade que marca comunidade cristã desde os seus primórdios.
Os três viram o mesmo fenômeno, mas cada um reagiu à sua maneira: Maria com
espanto e choro (Jo 20,11), Pedro com silêncio, e o Discípulo Amado com fé.
Embora a dimensão comunitária da fé seja indispensável, as experiências de
percepção e reação diante do mistério são sempre pessoais e devem ser
respeitadas.
É o conhecimento
da Escritura que, gradativamente, vai habilitando a comunidade a crer na
ressurreição (v. 9), pois é na Escritura que os planos de Deus são indicados e
conhecidos. A fé de Pedro, de Maria Madalena e dos demais será reformulada aos
poucos, a cada “primeiro dia” quando se reunirem para a comunhão fraterna,
compreendendo a partilha do pão e a leitura da Escritura. A comunidade que não
coloca a Escritura no centro da sua existência, tende a repetir a situação
inicial desanimadora de Maria Madalena, pois sem a Escritura «não sabemos
onde está o Senhor» (v. 2). A propósito de Maria Madalena, é necessário
considerar o fato de todos os evangelistas mencionarem as mulheres como as
primeiras personagens dos acontecimentos do “primeiro dia”; mesmo não
acreditando em primeira hora, é a partir da visão e das palavras delas que a
ressurreição vai se tornando realidade na vida da comunidade. Ora, se os
evangelistas, e João em particular, pretendem apresentar uma nova criação, a
gestação de um novo mundo e um novo tempo, é imprescindível que o papel da
mulher seja evidenciado. Mulher é sinônimo de vida nova, pois ela é, por
excelência, geradora de vida. Mesmo quando a vida nova não é gerada no ventre
de uma mulher, como no caso extraordinário da ressurreição, mas é da intuição e
da perspicácia de uma mulher (ou de várias, como nos evangelhos sinóticos) que
brotam as razões para a constatação dessa nova vida. Se na antiga criação a
mulher não passava de uma companheira para o homem, na nova criação ela assume
um protagonismo ímpar: é a primeira a ver e a falar.
Além da compreensão
da Escritura, é necessária a experiência do amor autêntico para a fé e o
encontro com o Ressuscitado. O Discípulo Amado já tinha completado essas duas
etapas, por isso, somente Ele acreditou em primeira mão, pois foi capaz de ler
os sinais do sepulcro aberto e o corpo ausente à luz do amor e das Escrituras.
Só crê num primeiro momento quem ama e sente-se amado, como aquele Discípulo
sem nome, ao qual o evangelista quer que todos os seus leitores se assemelhem!
Assim, concluímos voltando para o nosso início: a ressurreição não pode ser
descrita, pode apenas ser experimentada. Para isso, é necessário fazer a
experiência do amor profundo e do conhecimento da Escritura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário