24 março - É preciso procurar em São
José as próprias inspirações, ele que foi na terra o primeiro a cuidar dos
interesses de Jesus; tratou dele quando criança, protegeu-o menino, fez-lhe
papel de pai nos primeiros trinta anos de sua vida na terra. (L 76). São Jose Marello
MARCOS 14,1 – 15,47 (ANO B)
- Faltavam dois dias para a Páscoa e a festa
dos Pães sem fermento. Os sumos sacerdotes e os escribas procuravam um modo de
prender Jesus e matá-lo à traição, pois diziam: «Não na festa, para que não
haja tumulto entre o povo».
Quando Jesus estava sentado à mesa, em Betânia,
em casa de Simão, o leproso, veio uma mulher com um frasco de alabastro cheio
de perfume de nardo puro, muito caro. Ela o quebrou e derramou o conteúdo na
cabeça de Jesus. Alguns que lá estavam ficaram irritados e comentavam: «Para
que este desperdício de perfume? Este perfume poderia ter sido vendido por
trezentos denários para dar aos pobres». E se puseram a censurá-la. Jesus,
porém, lhes disse: «Deixai a em paz! Por que a incomodais? Ela praticou uma boa
ação para comigo. Os pobres sempre tendes convosco e podeis fazer-lhes o bem
quando quiserdes. Mas a mim não tereis sempre. Ela fez o que estava a seu
alcance. Com antecedência, ela embalsamou o meu corpo para a sepultura. Em
verdade vos digo: onde for anunciado o Evangelho, no mundo inteiro, será
mencionado também, em sua memória, o que ela fez».
Judas Iscariotes, um dos Doze, foi procurar os
sumos sacerdotes para lhes entregar Jesus. Ouvindo isso, eles ficaram contentes
e prometeram dar-lhe dinheiro. Judas, então, procurava uma oportunidade para
entregá-lo.
No primeiro dia dos Pães sem fermento, quando se
sacrificava o cordeiro pascal, os discípulos perguntaram a Jesus: «Onde queres
que façamos os preparativos para comeres a páscoa?». Jesus enviou então dois
dos seus discípulos, dizendo-lhes: «Ide à cidade. Um homem carregando uma bilha
de água virá ao vosso encontro. Segui-o e dizei ao dono da casa em que ele
entrar: ‘O Mestre manda perguntar: Onde está a sala em que posso comer a ceia
pascal com os meus discípulos? ’ Ele, então, vos mostrará, no andar de cima,
uma grande sala, arrumada. Lá fareis os preparativos para nós!». Os discípulos
saíram e foram à cidade. Encontraram tudo como ele tinha dito e prepararam a
ceia pascal.
Ao anoitecer, Jesus foi para lá com os Doze.
Enquanto estavam à mesa comendo, Jesus disse: «Em verdade vos digo, um de vós
vai me entregar, aquele que come comigo». Eles ficaram tristes e, um após o
outro, começaram a perguntar: «Acaso, serei eu?». Jesus lhes disse:«É um dos
doze, aquele que se serve comigo do prato». O Filho do Homem se vai, conforme
está escrito a seu respeito. Ai, porém, daquele por quem o Filho do Homem é
entregue. Melhor seria que tal homem nunca tivesse nascido!».
Enquanto estavam comendo, Jesus tomou o pão,
pronunciou a bênção, partiu-o e lhes deu, dizendo: «Tomai, isto é o meu corpo».
Depois, pegou o cálice, deu graças, passou-o a eles, e todos beberam. E
disse-lhes: «Este é o meu sangue da nova Aliança, que é derramado por muitos.
Em verdade, não beberei mais do fruto da videira até o dia em que beberei o
vinho novo no Reino de Deus». Depois de cantarem o salmo, saíram para o Monte
das Oliveiras
Jesus disse aos discípulos: «Todos vós caireis,
pois está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas se dispersarão». Mas, depois
que eu ressuscitar, irei à vossa frente para a Galileia». Pedro, então, disse:
«Mesmo que todos venham a cair, eu não». Respondeu-lhe Jesus: «Em verdade te
digo, hoje mesmo, esta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me
negarás». Pedro voltou a insistir: «Ainda que eu tenha de morrer contigo, não
te negarei». E todos diziam a mesma coisa.
Chegaram a uma propriedade chamada Getsêmani.
Jesus disse aos discípulos: «Sentai-vos aqui, enquanto eu vou orar». Levou
consigo Pedro, Tiago e João, e começou a sentir pavor e angústia. Jesus, então,
lhes disse: «Sinto uma tristeza mortal! Ficai aqui e vigiai!». Jesus foi um
pouco mais adiante, caiu por terra e orava para que aquela hora, se fosse
possível, passasse dele. Ele dizia: «Abbá! Pai! tudo é possível para ti. Afasta
de mim este cálice! Mas seja feito não o que eu quero, porém o que tu queres». Quando
voltou, encontrou os discípulos dormindo. Então disse a Pedro: «Simão, estás
dormindo? Não foste capaz de ficar vigiando uma só hora? Vigiai e orai, para
não cairdes em tentação! O espírito está pronto, mas a carne é fraca». Jesus
afastou-se outra vez e orou, repetindo as mesmas palavras. Voltou novamente e
encontrou-os dormindo, pois seus olhos estavam pesados de sono. E eles não
sabiam o que responder. Ao voltar pela terceira vez, ele lhes disse: «Ainda
dormis e descansais? Basta! Chegou a hora! Vede, o Filho do Homem está sendo
entregue às mãos dos pecadores. Levantai-vos! Vamos! Aquele que vai me entregar
está chegando».
Jesus ainda falava, quando chegou Judas, um dos
Doze, acompanhado de uma multidão com espadas e paus; eles vinham da parte dos sumos
sacerdotes, escribas e anciãos. O traidor tinha combinado com eles um sinal: “É
aquele que eu vou beijar. Prendei-o e levai-o com cautela!». Chegando, Judas
logo se aproximou e disse: «Rabi!» E beijou-o. Então, eles lançaram as mãos em
Jesus e o prenderam. Um dos presentes puxou a espada e feriu o servo do sumo
sacerdote, cortando-lhe a ponta da orelha. Tomando a palavra, Jesus disse:
«Viestes com espadas e paus para me prender, como se eu fosse um bandido? Todos
os dias eu estava convosco, no templo, ensinando, e não me prendestes. Mas,
isto acontece para que se cumpram as Escrituras”». Então, abandonando-o, todos
os discípulos fugiram. Um jovem o seguia coberto só de um lençol. Eles o
pegaram, mas ele largou o lençol e fugiu nu.
Levaram Jesus ao sumo sacerdote, e reuniram-se
todos os sumos sacerdotes, os anciãos e os escribas. Pedro tinha seguido Jesus
de longe até dentro do pátio do sumo sacerdote. Sentado com os guardas,
aquecia-se perto do fogo. Os sumos sacerdotes e o sinédrio inteiro procuravam um
testemunho contra Jesus para condená-lo à morte, mas não encontravam. Muitos
testemunhavam contra ele falsamente, mas os depoimentos não concordavam entre
si. Alguns se levantaram e falsamente testemunharam contra ele: «Nós o ouvimos
dizer: ‘Vou destruir este santuário feito por mão humana, e em três dias
construirei um outro, não feito por mão humana’!».Mas nem assim concordavam os
depoimentos deles. O sumo sacerdote se levantou no meio deles e perguntou a
Jesus: «Nada tens a responder ao que estes testemunham contra ti?». Jesus
continuou calado e nada respondeu. O sumo sacerdote perguntou de novo: «És tu o
Cristo, o Filho de Deus Bendito?». Jesus respondeu: «Eu sou. E vereis o Filho
do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso, vindo com as nuvens do céu». O
sumo sacerdote rasgou suas vestes e disse: «Que necessidade temos ainda de
testemunhas? Ouvistes a blasfêmia! Que vos parece?». Então, todos o
sentenciaram réu de morte. Alguns começaram a cuspir nele. Cobrindo-lhe o
rosto, batiam nele e diziam: «Profetiza!» Os guardas, também, o receberam a
tapas.
Pedro estava no pátio, em baixo. Veio uma criada
do sumo sacerdote e, quando viu Pedro que se aquecia, olhou bem para ele e
disse: «Tu também estavas com Jesus, esse nazareno!». Mas, Pedro negou dizendo:
«Não sei nem entendo de que estás falando!». Ele saiu e foi para a entrada do
pátio. E o galo cantou. A criada, vendo Pedro, começou outra vez a dizer, aos
que estavam por perto: «Este é um deles». Mas Pedro negou outra vez. Pouco
depois os que lá estavam diziam a Pedro:«É claro que és um deles, pois tu és
Galileu». Ele começou então a praguejar e a jurar: «Nem conheço esse homem de
quem estais falando!». E nesse instante, pela segunda vez, o galo cantou. Pedro
se lembrou da palavra que Jesus lhe tinha dito: «Antes que o galo cante duas
vezes, três vezes me negarás». E começou a chorar.
Logo de manhã, os sumos sacerdotes, com os
anciãos, os escribas e o sinédrio inteiro, reuniram-se para deliberar. Depois,
amarraram Jesus, levaram-no e o entregaram a Pilatos. Pilatos interrogou-o: «Tu
és o Rei dos Judeus?» Jesus respondeu: «Tu o dizes». Os sumos sacerdotes faziam
muitas acusações contra ele. Pilatos perguntou de novo: «Não respondes nada?
Olha de quanta coisa te acusam!». Jesus, porém, não respondeu nada, de modo que
Pilatos ficou admirado.
Por ocasião da festa, Pilatos costumava soltar
um preso que eles mesmos pedissem. Havia ali o chamado Barrabás, preso com
amotinados que, numa rebelião, cometeram um homicídio. A multidão chegou e
pediu que Pilatos fizesse como de costume. Pilatos respondeu-lhes: «Quereis que
eu vos solte o Rei dos Judeus?». Ele sabia que os sumos sacerdotes o tinham
entregue por inveja. Os sumos sacerdotes instigaram a multidão para que, de
preferência, lhes soltasse Barrabás. Pilatos tornou a perguntar: «Que quereis
que eu faça, então, com o Rei dos Judeus?». Eles gritaram: «Crucifica-o!».
Pilatos lhes disse: «Que mal fez ele?». Eles, porém, gritaram com mais força:
«Crucifica-o». Pilatos, querendo satisfazer a multidão, soltou Barrabás, mandou
açoitar Jesus e entregou-o para ser crucificado.
Os soldados levaram Jesus para dentro do pátio
do pretório e chamaram todo o batalhão. Vestiram Jesus com um manto de púrpura
e puseram nele uma coroa trançada de espinhos. E começaram a saudá-lo: «Salve,
rei dos judeus!». Batiam na sua cabeça com uma vara, cuspiam nele e, dobrando
os joelhos, se prostravam diante dele. Depois de zombarem dele, tiraram-lhe o
manto de púrpura e o vestiram com suas próprias roupas. Então o levaram para
crucificá-lo.
Os soldados obrigaram alguém que lá passava
voltando do campo, Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo, a carregar a
cruz. Levaram Jesus para o lugar chamado Gólgota (que quer dizer Calvário).
Deram-lhe vinho misturado com mirra, mas ele não tomou. Eles o crucificaram e
repartiram as suas vestes, tirando sorte sobre elas, para ver que parte caberia
a cada um. Eram nove horas da manhã quando o crucificaram.
O letreiro com o motivo da condenação dizia: «O
Rei dos Judeus!». Com ele crucificaram dois ladrões, um à direita e outro à
esquerda. Os que passavam por ali o insultavam, balançando a cabeça e dizendo:
«Ah! Tu que destróis o templo e o reconstróis em três dias, salva-te a ti
mesmo, descendo da cruz». Do mesmo modo, também os sumos sacerdotes zombavam dele
entre si e, com os escribas, diziam: «A outros salvou, a si mesmo não pode
salvar. O Messias, o rei de Israel desça agora da cruz, para que vejamos e
acreditemos!». Os que foram crucificados com ele também o insultavam.
Quando chegou o meio-dia, uma escuridão cobriu
toda a terra até às três horas da tarde. Às três da tarde, Jesus gritou com voz
forte: «Eloí, Eloí, lemá sabactâni? — que quer dizer «Meu Deus, meu Deus, por
que me abandonaste?». Alguns dos que estavam ali perto, ouvindo-o, disseram:
«Vede, ele está chamando por Elias!». Alguém correu e ensopou uma esponja com
vinagre, colocou-a na ponta de uma vara e lhe deu de beber, dizendo: “Deixai!
Vejamos se Elias vem tirá-lo da cruz. Então Jesus deu um forte grito e expirou.
Nesse mesmo instante, o véu do Santuário
rasgou-se de alto a baixo, em duas partes. Quando o centurião, que estava em
frente dele, viu que Jesus assim tinha expirado, disse: «Na verdade, este homem
era Filho de Deus». Estavam ali também algumas mulheres olhando de longe; entre
elas Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago Menor e de Joset, e Salomé. Quando ele
estava na Galileia, estas o seguiam e lhe prestavam serviços. Estavam ali
também muitas outras mulheres que com ele tinham subido a Jerusalém.
Já caíra a tarde. Era o dia de preparação (isto
é, a véspera do sábado). Por isso, José de Arimateia, membro respeitável do
sinédrio, que também esperava o Reino de Deus, cheio de coragem foi a Pilatos
pedir o corpo de Jesus. Pilatos ficou admirado quando soube que Jesus estava
morto. Chamou o centurião e perguntou se tinha morrido havia muito tempo.
Informado pelo centurião, Pilatos entregou o corpo a José. José comprou um
lençol de linho, desceu Jesus da cruz, envolveu-o no lençol e colocou-o num
túmulo escavado na rocha; depois, rolou uma pedra na entrada do túmulo. Maria
Madalena e Maria, mãe de José, observavam onde ele era colocado.
******
O texto evangélico que a liturgia propõe para este
domingo de ramos é a versão de Marcos da narrativa da paixão e morte de Jesus:
Mc 14,1 – 15,47. São dois capítulos inteiros que narram os últimos momentos de
Jesus com a comunidade de discípulos, a sua condenação, o flagelo, a morte e o
sepultamento. A grande extensão do texto nos impede de construir uma reflexão
mais detalhada e pontual; por isso, consideraremos apenas alguns aspectos
específicos do longo relato, procurando colher a mensagem global do texto.
Como sempre, consideramos essencial o conhecimento
do contexto para uma compreensão adequada do texto em si. Os relatos da paixão
e morte de Jesus constituem o ápice dos evangelhos. É claro que o nosso foco
nesse ano é especificamente o relato de Marcos, mas muitos aspectos
introdutórios valem também para os demais evangelhos. Ora, as primeiras páginas
escritas dos livros que hoje conhecemos como evangelhos, foi exatamente as
narrativas da paixão e morte de Jesus e, por sinal, foi Marcos o primeiro
evangelho.
Como a catequese e a vida litúrgica das primeiras
comunidades priorizava a ressurreição, logo muitas dúvidas surgiram a respeito,
tipo: como viveu e como morreu aquele que ressuscitou? A primeira necessidade,
então, diante de tais questionamentos, foi contar como se deu a morte de Jesus,
até porque as comunidades começavam a sofrer perseguições tanto da parte do
poder político romano quanto da religião judaica. Inclusive a morte começava a
se tornar uma realidade também para aqueles que insistiam em anunciar o Cristo
Ressuscitado. Para quem não tinha convivido com Jesus, tornava-se cada vez
difícil acreditar no seu nome. Para animar e fortalecer uma comunidade ameaçada
pela perseguição, nada melhor que reconstruir a memória da perseguição e morte
de Jesus, priorizando sua fidelidade aos propósitos do Pai e sua resistência.
Os evangelhos surgem, portanto, como resposta às dúvidas e crises vividas pelas
primeiras comunidades.
É claro que toda a vida de Jesus, desde o início
com a pregação do Batista, é edificante para as comunidades cristãs. Mas, a
memória da sua paixão foi a primeira necessidade para dar credibilidade ao
anúncio da ressurreição. Embora seja o mais breve e sóbrio, o relato da paixão
em Marcos pode ser considerado, paradoxalmente, o mais completo dos quatro. Não
se trata de um anexo do Evangelho, como alguns consideram, mas de uma conclusão
preciosa de uma vida que não poderia ter um fim diferente. Ora, desde o início,
a vida de Jesus foi uma alternativa a todos os sistemas vigentes, político e
religioso. Logo, seu desfecho final foi o rechaço da parte desses sistemas.
Durante toda a sua trajetória terrena Jesus
praticou e pregou o que a religião e o sistema político da época não aceitavam:
o amor ao próximo, a justiça, o cuidado com os mais necessitados, a
solidariedade e o bem acima de tudo. Uma vida marcada por estas características
não poderia ter outro fim, senão a condenação e morte precoces. É importante
perceber que a cruz, a pior das penas aplicadas na época, não foi opção nem
acidente, mas consequência de uma trajetória marcada pelo inconformismo diante
das atrocidades do sistema.
Jesus não se adequou aos padrões de comportamento
da época: não foi um cidadão exemplar, nem um devoto fiel. Foi nessa
perspectiva que Marcos construiu o seu relato da paixão e morte de Jesus,
evidenciado, melhor que qualquer outro evangelista, a humanidade de Jesus e o
fracasso de uma comunidade quando não persevera ao lado do mestre, mesmo no
sofrimento. Dito isto, procuremos destacar alguns elementos pontuais do texto,
considerados essenciais.
Um primeiro aspecto que destacamos, por sinal
negativo, é a dispersão da comunidade: “Então todos o abandonaram e
fugiram” (14,50). Os discípulos, também sedentos por mudanças,
sentem-se frustrados à medida em que percebem que o projeto de Jesus não
corresponde às suas expectativas. No início do evangelho, Marcos tinha afirmado
que, diante do chamado de Jesus ao seguimento, “os discípulos
abandonaram tudo e seguiram Jesus” (1,18.20). Agora, é a Jesus que
eles abandonam. Judas tinha acabado entregá-lo, Jesus está sendo preso, e
os discípulos lhe faltam com a mínima solidariedade. O mais resistente, o
último a fugir, é um jovem anônimo (cf. 14,51-52) que não fazia parte do seleto
grupo dos doze. A fuga dos discípulos é sinônimo de medo e covardia, mas também
de decepção com o pretenso messias.
Além da traição de Judas e da fuga dos demais,
outros aspectos negativos dos discípulos também são evidenciados por Marcos.
Tendo já denunciado a falta de perseverança na oração (cf. 14,32-42), o
evangelista denuncia também a superficialidade no seguimento: “Pedro
seguiu Jesus de longe” (14,54a). Seguir de longe é não comprometer-se.
Embora os demais nem de longe estivessem mais seguindo, não é admissível na
comunidade um discipulado superficial. Quem segue de longe não suporta a
pressão nem a perseguição, por isso está fadado à renegação, como de fato
aconteceu com Pedro: “Nem conheço esse homem de quem estais
falando” (14,71b). O evangelista deixa claro, com isso, que não
pretende denunciar com seu relato somente as forças externas que perseguem a
comunidade; também de dentro da comunidade podem surgir muitas forças tão
danosas ao seu crescimento quanto os poderes externos.
O duplo julgamento de Jesus, um político e outro
religioso, ou seja, diante do sinédrio e de Pilatos (cf. 14,53-65; 15,1-15),
mostra a união das forças hostis, pois judeus e romanos não se suportavam,
quando tem um inimigo em comum. O sinédrio, órgão jurídico máximo do judaísmo,
o acusa de blasfêmia, e ao poder romano ele será denunciado como subversivo e
agitador, alguém que pretende ser rei (15,2). Esses dois poderes estavam
viciados na corrupção, no suborno e na mentira; mantinham um relacionamento de
conveniência, tendo o povo pobre como alvo de suas cobiças. O movimento de
Jesus surgiu como alternativa a tudo isso; logo, a repressão seria inevitável.
A cruz é decretada como pena exemplar para Jesus.
Em plena páscoa, sua festa máxima, a religião judaica não hesita em condenar
quem lhe ameaça. Não obstante tanto sofrimento, Jesus manteve-se firme em seus
propósitos e na confiança no Pai. Não hesitou, mesmo não escondendo sua
humanidade. Gritou de dor, lamentou-se, mas não abriu mão de suas convicções.
Em meio ao suplício e ao abandono dos seus, Jesus faz prevalecer as convicções
de seguir até o fim. Aquele projeto de vida nova, com justiça, igualdade e amor
sem distinção não poderia ser jogado fora de repente. O rosto amoroso do Pai
que ele veio revelar não poderia ser escondido.
A cruz veio, portanto, como consequência de uma
vida toda marcada pelo amor. E, nele, ao invés de ser simplesmente sinal de
condenação, a cruz se tornou sinal de salvação e de reconhecimento do seu amor
e de sua pertença a Deus. Na cruz ele foi escarnecido e humilhado, mas também
reconhecido em sua mais profunda identidade: “Na verdade, este homem
era Filho de Deus!” (15,9c). Surpreende que essa declaração não saiu
de nenhum discípulo, mas de um soldado romano. Isso é significativo em dois
aspectos, principalmente: primeiro, porque é na morte de cruz que a identidade
de Jesus é plenamente revelada; segundo, porque daquele momento em diante,
todos, independentemente da etnia e da religião, podem conhecer o rosto
verdadeiro de Deus revelado no seu filho amado.
O reconhecimento do centurião é mencionado após o
evangelista dizer que “a cortina do santuário rasgou-se de alto a
baixo, em duas partes” (15,38). Esse dado simbólico significa a falência
completa da religião que tinha acabado de matar Jesus. A cortina ou véu do
santuário marcava a divisória do espaço sagrado do templo. Jesus, mesmo
morrendo, mostra sua força; consegue abolir as divisões e rótulos impostos pela
religião. De agora em diante, conhece a Deus quem segue o seu filho até as
últimas consequências, quem vê na cruz instrumento de libertação e não mais
quem frequenta o templo e pratica a lei.
A comunidade de Marcos foi edificada e fortalecida
a partir deste relato. Compreendendo a fidelidade com que Jesus abraçou o
projeto de tornar o Reino de Deus acessível a todos, é possível perceber que a
morte não é capaz de destruir a vida de quem se dedica dessa maneira ao bem de
todos. A presença do Ressuscitado se tornou certeza na comunidade porque
percebeu-se que Deus não abandona jamais um projeto quando esse é conduzido
pelo amor. Também as comunidades de hoje são chamadas a fazer experiência
semelhante àquela de Marcos: perseverar com os crucificados de hoje, todos os
que lutam por um mundo de justiça, igualdade e amor, para que o Ressuscitado de
ontem continue a ressuscitar em cada coração hoje e sempre.
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