17 março - Que Deus cumule os nossos
corações com aquela confiança que guiava o nosso Santo Patrono em todos os
passos da sua via. (L 159). São Jose
Marello
JOÃO 12,20-33 (ANO B)
"Entre o povo que tinha
ido a Jerusalém para tomar parte na festa, estavam alguns não-judeus. Eles
foram falar com Filipe, que era da cidade de Betsaida, na Galiléia, e pediram:
Senhor, queremos ver Jesus. Filipe foi dizer isso a André, e os dois foram
falar com Jesus. Então ele respondeu: Chegou a hora de ser revelada a natureza
divina do Filho do Homem. Eu afirmo a vocês que isto é verdade: se um grão de
trigo não for jogado na terra e não morrer, ele continuará a ser apenas um
grão. Mas, se morrer, dará muito trigo. Quem ama a sua vida não terá a vida
verdadeira; mas quem não se apega à sua vida, neste mundo, ganhará para sempre
a vida verdadeira.Quem quiser me servir siga-me; e, onde eu estiver, ali também
estará esse meu servo. E o meu Pai honrará todos os que me servem. Jesus
continuou: Agora estou sentindo uma grande aflição. O que é que vou dizer? Será
que vou dizer: Pai, livra-me desta hora de sofrimento? Não! Pois foi para
passar por esta hora que eu vim. Pai, revela a tua presença gloriosa!
Então do céu veio uma voz,
que dizia: Eu já a revelei e a revelarei de novo. A multidão que estava ali
ouviu a voz e dizia que era um trovão. Outros afirmavam que um anjo tinha
falado com Jesus. Mas ele disse: Não foi por minha causa que veio esta voz, mas
por causa de vocês. Chegou a hora de este mundo ser julgado, e aquele que manda
nele será expulso. E, quando eu for levantado da terra, atrairei todas as
pessoas para mim. Ele dizia isso para indicar de que maneira ia morrer."
Neste quinto domingo da quaresma, a liturgia
propõe novamente um texto do Quarto Evangelho: João,12,20-33. Se trata de um
trecho bastante longo, o que nos impede de comentá-lo versículo por versículo,
além de muito rico e complexo, tanto do ponto de vista teológico quanto
literário. Procuraremos, em nossa reflexão, colher a mensagem central,
destacando alguns versículos específicos, após uma indispensável
contextualização.
O nosso texto está inserido em uma posição privilegiada do Quarto
Evangelho: entre o final da vida pública de Jesus e o início da narrativa da
sua paixão, ou seja, entre o “livro dos sinais” e o “livro da glória” como os
estudiosos costumam dividir o Evangelho segundo João. O importante é que se
trata de um episódio de transição entre as duas fases da vida de Jesus.
Junto com seus discípulos, Jesus já se encontra em Jerusalém para
participar de mais uma “páscoa dos judeus” (cf. 11,55), a última. Como sabemos,
com a expressão “páscoa dos judeus” o evangelista denuncia que aquela festa já
não pertencia mais a Deus, uma vez que, ao invés de ser celebração de libertação,
transformou-se em instrumento de exploração, com o templo sendo transformado em
“casa de comércio” (cf. Jo 2,13-22). É importante perceber a relação entre o
evangelho de hoje com aquele da denúncia dos vendedores no templo, refletido no
terceiro domingo.
Ao denunciar a mercantilização de Deus, Jesus propôs a destruição do
templo-edifício de pedras e se auto apresentou como o novo, verdadeiro e
definitivo templo, decretando a completa falência da instituição religiosa
judaica. Do primeiro versículo do evangelho de hoje, percebemos o início da
realização daquela proposta profética: “Havia alguns gregos entre os
que tinham subido a Jerusalém para adorar durante a festa” (v. 20).
Com a expressão “alguns gregos” (em grego: {Ellhne,j tinej – Helenés
tines) o evangelista se refere aos prosélitos ou simpatizantes do
judaísmo, mas de origem não judaica, os estrangeiros; participavam da vida
religiosa judaica, observavam a lei e sentiam-se atraídos pelo Deus de Israel,
por isso iam a Jerusalém para adorá-lo, mesmo não sendo admitidos oficialmente
na religião.
Com o templo transformado em casa de comércio, a adoração a Deus tinha
se tornado algo impossível naquela estrutura. Por isso, os gregos “Aproximaram-se
de Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e disseram: ‘Senhor, gostaríamos de
ver Jesus’” (v. 21). O desejo dos gregos de ver Jesus significa que a
religião do templo já não favorecia mais o encontro das pessoas com Deus. Ver,
aqui, significa conhecer, contemplar, ver em profundidade. Os gregos não
queriam conhecer os traços físicos de Jesus, mas fazer uma experiência de vida
com ele. Os pagãos são os primeiros a reconhecer Jesus como o templo
verdadeiro, antes mesmo da destruição do edifício (cf. Jo 2,19-22); esse é um
dado de grande importância. Além da falência da instituição religiosa, o
evangelista apresenta, ao mesmo tempo, o alcance universal da mensagem de
Jesus: não estando preso a uma estrutura fixa e rígida, ele se torna acessível
as pessoas de todos os povos e culturas.
Os gregos que queriam ver Jesus procuraram um discípulo, Filipe, esse
por sua vez, procurou outro discípulo: “Filipe combinou com André, e os
dois foram falar com Jesus” (v. 22). O evangelista não está “burocratizando”
Jesus, mas enfatizando o papel essencial da comunidade cristã de favorecer o
encontro com o Senhor. É na comunidade que se conhece e se faz verdadeiramente
encontro com Jesus. E quem já o conheceu, obviamente, não mede esforços para
que outras pessoas também o conheçam. Na comunidade, todos devem ser acolhidos,
independente da origem, das características ou da identidade; a comunidade
cristã não pode negar a ninguém o direito de encontrar-se com Jesus.
A princípio, a resposta de Jesus aos discípulos que lhe levaram o pleito
dos gregos parece não atender às expectativas: “Jesus respondeu-lhes:
‘Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado” (v. 23).
Porém, não só atende, como vai além: a glorificação de Jesus é o alcance
universal da sua mensagem, até então muito concentrada e destinada a um pequeno
grupo. A “chegada da hora” é um tema central do Evangelho segundo João; tudo o
que Jesus vivenciou até então, foi preparação para a sua “hora”: hora de
entregar-se definitivamente, mas sobretudo, hora de demonstrar que os sistemas
vigentes, político e religioso, não toleram que alguém viva somente para o
amor! Foi por causa do seu excesso de amor que lhe levaram para o tribunal e,
em seguida, para a cruz. Essa glorificação não significa uma entronização ou
coroamento; é a explosão do amor que se torna acessível a todos, sendo capaz de
contagiar o mundo inteiro. Esse amor não pode mais ser contido, será revelado
plenamente e todos poderão acolhê-lo: gregos e judeus, bons e maus, justos e
pecadores.
Como uma declaração solene, e fazendo uso da imagem do grão de trigo,
Jesus anuncia sua morte e, ao mesmo tempo, o seu efeito: “Em verdade,
em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele
continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto” (v.
24). “Em verdade, em verdade” (em grego: avmh.n avmh.n – amém, amém)
é uma expressão que sempre introduz um ensinamento solene e irrenunciável;
significa a importância do que está sendo proclamado. A entrega, a capacidade
de morrer por amor é irrenunciável para a comunidade cristã. Não se trata de
uma simples entrega passiva, mas é a coragem de lutar pela vida até as últimas
consequências; essa luta não pode ser feita, senão movida pelo amor. Uma morte
assim será sempre sinal de vida e de frutos abundantes, à semelhança do grão de
trigo enterrado no chão.
Recordando que todo esse discurso faz parte de uma resposta ou
apresentação de Jesus aos gregos que queriam vê-lo, podemos perceber a
preocupação do evangelista com a sua comunidade e com as comunidades de todos
tempos: ver ou conhecer Jesus é envolver-se com o seu projeto de vida. E esse
projeto exige renúncias, decisões e tomadas de posição. A primeira e decisiva
posição diz respeito à própria vida! Para seguir Jesus é necessário compreender
e aceitar que o sentido da vida está na capacidade de doá-la por amor, torná-la
fecunda, como ele mesmo diz: “Quem se apega à sua vida, perde-a; mas
quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna” (v.
25). Jesus não está convidando seus seguidores a menosprezarem suas vidas ou
suas existências terrenas; pede que lhe deem sentido; esse sentido passa pela
capacidade de não apegar-se tanto a ela, para que dela outras vidas também
venham a ter sentido.
O convite ao seguimento é reforçado: “Se alguém me quer servir,
siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai
o honrará” (v. 26). Muitos querem ver Jesus ou receber explicações a
seu respeito. Mas o próprio Jesus deixa claro que ele é inexplicável; para
conhecê-lo e servi-lo é indispensável o seu seguimento. É importante essa
responsabilidade: deve haver uma simbiose entre a comunidade e Jesus. Aqui o
evangelista faz uma advertência muito séria: a comunidade tem a missão de, onde
ela estiver, tornar presente Jesus e o Pai. Isso só é possível onde o servir e
o seguir são de fato prioridades, tendo o amor por motivação.
Como o nosso texto antecede de imediato a narrativa da paixão, é muito
oportuno que o evangelista ressalte a humanidade de Jesus: “Agora
sinto-me angustiado! E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora!’? Mas foi
precisamente para esta hora que eu vim” (v. 27). Dar a própria vida
custa dor e sangue. Porém, mais forte que a dor e angústia foi a confiança no
Pai e a certeza de que, daquele amor transbordante, muitas vidas novas
surgiriam, muitos frutos brotariam. Foi de fato, para “esta hora” que ele veio;
não para morrer tragicamente como aconteceu, mas para testemunhar o amor até as
últimas consequências. Como o(s) príncipe(s) deste mundo (cf. v. 31) não o
suportaram a irradiação do seu amor em demasia, eis que a “hora” se transformou
em dor. O(s) príncipe(s) deste mundo: todas as forças de morte, toda oposição
ao amor e à justiça; tudo o que se opõe ao Reino de Deus. Porém, o Pai deu a
resposta definitiva: na mesma cruz em que morreu um corpo, dela irradiou-se
amor como nunca antes visto.
No momento da angústia, a esperança e a confiança no Pai são
reforçados: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a
mim” (v. 32). É claro que “ser elevado” diz respeito à crucifixão;
àquela hora, já estava clara qual seria a sua pena: a cruz, como era para quem
ousava desmascarar o sistema da época, comandado pelo(s) príncipe(s) deste
mundo, na época os chefes religiosos e políticos, hoje em dia com muitas outras
formas de expressão. Jesus sabia que o seu elevar-se na cruz seria tão
frutífero quanto o enterrar um grão de trigo no chão: sementes haveriam de
germinar; sementes de amor, justiça, solidariedade, inconformismo e fé.
Não obstante a dor e angústia, assim como Jesus, o cristão é convidado a
crer que o sangue derramado por amor faz germinar; o amor tem uma força de
atração indescritível. Como comunidade cristã, somos convidados a tornar Jesus
conhecido e acessível através do nosso modo de viver, pelas nossas atitudes e
pelo amor partilhamos. Só vê Jesus quem o segue e vive verdadeiramente o
mandamento do amor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário