10 março - Ó glorioso Patriarca São José, não te esqueças de
nós, que vamos arrastando esta carne miseranda em dura terra de exílio. (L 35). São Jose Marello
João 3,14-21 Ano b - IV DOMINGO DA QUARESMA
"Assim como Moisés, no deserto, levantou
a cobra de bronze numa estaca, assim também o Filho do Homem tem de ser levantado,
para que todos os que crerem nele tenham a vida eterna. Porque Deus amou o
mundo tanto, que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crer não
morra, mas tenha a vida eterna. Pois Deus mandou o seu Filho para salvar o
mundo e não para julgá-lo. Aquele que crê no Filho não é julgado; mas quem não
crê já está julgado porque não crê no Filho único de Deus. E é assim que o
julgamento é feito: Deus mandou a luz ao mundo, mas as pessoas preferiram a
escuridão porque fazem o que é mau. Pois todos os que fazem o mal odeiam a luz
e fogem dela, para que ninguém veja as coisas más que eles fazem. Mas os que
vivem de acordo com a verdade procuram a luz, a fim de que possa ser visto
claramente que as suas ações são feitas de acordo com a vontade de Deus."
A enérgica denúncia de Jesus contra a corrupção da elite religiosa de
Jerusalém deve ter gerado diversos questionamentos a respeito da sua pessoa.
Muitos, certamente, o condenaram imediatamente, outros refletiram a respeito do
acontecido. Não resta dúvidas de que entre os fariseus e mestres da época,
também havia aqueles que sonhavam com uma religião mais autêntica e menos
comercial. Certamente, Nicodemos era um destes; ao invés de condenar, preferiu
ir ao encontro de Jesus e escutá-lo, motivado por muitos questionamentos.
Embora o episódio seja chamado de “diálogo”, o que se lê está mais para
monólogo, pois o evangelista concede totalmente a palavra a Jesus, a ponto de
Nicodemos pouco falar. Como o texto escolhido pela liturgia é apenas a parte
final do episódio, nele não há palavras de Nicodemos, mas apenas de Jesus; por
isso, é necessário recordar alguns aspectos importantes do que o antecede.
Nicodemos era um homem notável entre os judeus, um fariseu (cf. 3,1),
estudioso e bom conhecedor da doutrina judaica, sobretudo da lei. Procurou
Jesus na “calada da noite” (cf. 3,2). Sua curiosidade ao falar com Jesus revela
sinceridade, respeito e desejo de conhecê-lo melhor. Era alguém que desejava
uma boa reforma naquela estéril religião. Mesmo assim não estava pronto para
aderir ao projeto de Jesus, pelo menos de imediato. Porém, se distinguia da
maioria dos fariseus com quem Jesus se confrontou ao longo do evangelho.
Por precaução e medo de ser repreendido pelos seus colegas de doutrina,
Nicodemos não quis ser visto com Jesus, por isso o procurou à noite. Afinal,
Jesus tinha, há pouco tempo, desmascarado a religião judaica, ao denunciar o
comércio e a hipocrisia praticados na casa que deveria ser do seu Pai (cf.
2,13-22). As primeiras palavras de Nicodemos a Jesus fora de
reconhecimento: “Rabi, sabemos que vens da parte de Deus como mestre,
pois ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com ele” (3,2).
As poucas palavras de Nicodemos abriram caminho para uma longa catequese
de Jesus a respeito da sua identidade, sua relação com o Pai e sobre como
participar da vida em plenitude que Ele veio comunicar. O texto escolhido pela
liturgia começa com um dado escriturístico: “Do mesmo modo como Moisés
levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja
levantado” (v. 14).
Sabendo que Nicodemos conhecia bem a Escritura, o evangelista faz Jesus
citar explicitamente uma passagem do livro dos Números (cf. Nm 21,4-9), para
ilustrar o movimento de descida e subida ao céu praticado por Ele mesmo (cf. Jo
3,13) e, ao mesmo tempo, para ajudar seu interlocutor a compreender a forma
contraditória como Jesus será elevado: através da cruz, cujo mistério é aqui
antecipado. A citação do livro dos Números é, portanto, apenas ilustrativa. Na
verdade, é o próprio evangelista insistindo com sua comunidade para que aceite
a cruz com suas consequências, pois ela é necessária para a vivência plena do
amor de Deus em seu meio.
Ser levantado se torna necessidade para Jesus, pois o seu projeto de
comunicar vida em plenitude à humanidade é irrenunciável. Ele não escolheu a
cruz; escolheu ser fiel ao Pai, por amor, até as últimas consequências, e isso
implicou passar pela cruz. Por isso, “ser levantado” se tornou necessário “Para
que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (v. 15). O
importante é a doação do dom da vida em plenitude, por isso, eterna. Essa é a
primeira vez que é mencionada a “vida eterna” (em grego: zwh.
aivw,nioj – zoé aionios) no Quarto Evangelho. Crer nele não significa
expressar uma fórmula, mas deixar-se guiar pelo seu ensinamento e assumir a sua
forma de vida.
Jesus apresenta Deus como aquele que ama incondicionalmente e, ao mesmo
tempo, se auto apresenta como a prova desse amor incondicional de Deus, já que
é, Ele mesmo, o Filho doado: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu
Filho unigênito, para que não morra tudo o que nele crer, mas tenha a vida
eterna” (v. 16). O mundo é o destinatário do amor de Deus. Esse mundo
é a humanidade inteira. Ao apresentar essa novidade, Jesus estava destruindo um
dos principais pilares de sustentação da ortodoxa religião judaica: o
privilégio da eleição exclusiva de Israel como povo de Deus e destinatário
único de suas promessas.
Com Jesus, a pertença a Deus deixa de ser privilégio de um povo e passa
a ser um direito da humanidade. Jesus praticamente inverte o primeiro
mandamento: foi Deus quem amou a humanidade sobre todas as coisas!
A afirmação “Deus amou o mundo” é única em toda a Bíblia. É
uma exclusividade do Quarto Evangelho. A prova maior desse amor da parte de
Deus é o seu dom: o Filho unigênito doado ao mundo para que, ao ser acolhido,
se estabeleça na humanidade a vida eterna.
É importante recordar e jamais esquecer que “Deus deu o seu
Filho” para a humanidade. O mundo inteiro é convidado a receber esse
dom do Pai. Quem o acolhe ou crê, recebe a vida eterna. Essa, a vida eterna,
não significa uma vida no além. “Eterna” aqui não é a duração,
mas é a qualidade da vida de quem acolhe Jesus e seu evangelho. A “vida
eterna” não é um prêmio que os bons receberão no futuro, como pensavam
os fariseus e ainda pensam muitos cristãos. A vida se torna eterna quando se
faz opção por Jesus e seu projeto. Essa vida é eterna porque é tão plena, a
ponto de nem a morte poder destruí-la. Ela começa aqui na terra. À medida que o
ser humano encontra sentido para a sua existência, ele eterniza a sua vida. E o
sentido pleno da vida só pode ser encontrado quando se consegue viver bem como
imagem e semelhança do Criador.
O versículo seguinte reforça o anterior: “De fato, Deus não
enviou o seu Filho para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por
ele” (v. 17). Se o anterior (v. 16) declarava o que o Filho de Deus veio
fazer entre nós, esse segundo diz o que não veio fazer: não veio julgar
(condenar)! Aqui é necessário fazer uma pequena observação a respeito da
tradução do texto litúrgico: ao invés do verbo “condenar”, é mais apropriado
usar a expressão “dar sentença” ou o verbo “julgar”, conforme a língua original
do texto, uma vez que a condenação seria o efeito do julgamento. Portanto, Deus
não enviou seu Filho nem mesmo para julgar. Só condena quem antes julga. Como
Deus só sabe amar, não julga e, portanto, não condena ninguém.
Mais uma vez Jesus contradiz a ortodoxia judaica, ao excluir a ideia de
Deus como um juiz. Obviamente, quem esperava um messias juiz que viesse ao
mundo para separar os bons dos maus, os puros dos impuros e, assim, salvar os
primeiros e condenar os segundos, não poderia acreditar no Deus que Jesus veio
revelar: um Pai louco de amor, apaixonado pela humanidade, a ponto de dar o
próprio Filho. Quem julga e condena são os próprios seres humanos com suas
convicções e crenças falsamente fundadas em nome de Deus. O Deus de Jesus nem a
juízo leva. Enquanto os homens julgam, Deus apenas justifica, ou seja, apenas
salva, porque de quem é amor só pode sair amor.
O mesmo Deus que doou livremente o seu Filho, deu também liberdade à
humanidade, de modo que essa pode acolher ou não o seu Filho, Jesus. A acolhida
se dá pela fé, uma adesão profunda capaz de deixar-se conduzir pelo seu
amor. Por isso, Jesus disse: “Quem nele crê não é condenado,
mas quem não crê já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho
unigênito” (v. 18). O ser humano que rejeita a oferta de vida em
plenitude que é Jesus, fica privado da qualidade de eternidade em sua vida e,
portanto, estará condenado. Isso não depende de um juízo divino, é escolha do
ser humano. Deixar de acreditar no nome do Filho unigênito é se recusar a fazer
comunhão com ele.
A parte mais importante do texto e talvez até de todo o Evangelho
segundo João está nos versículos 16-18. Os versículo seguintes (vv. 19-21)
apenas ilustram e constatam uma triste realidade: a tendência da humanidade em
preferir as trevas à luz, retomando o que o evangelista já tinha anunciado no
prólogo (cf. Jo 1,9-10). Quem rejeitou a luz foi a própria religião; foram as
pessoas religiosas que mais se sentiram sufocadas pela luz verdadeira que é
Jesus. A elite religiosa preferiu as trevas, odiou a luz por ter ódio da
verdade.
Não obstante a rejeição, a luz como sinônimo de vida em plenitude não
deixa de ser ofertada. Aceitar o dom do Pai, Jesus, não significa abraçar uma
doutrina, repeti-la e até impô-la, como muito se fez ao longo da história, e
ainda se faz até hoje. A oferta que Deus fez e faz é livre, como livre deve ser
a resposta. A imposição é falta de segurança e de consistência no anúncio. O
Pai simplesmente enviou, doou.... Sua proposta é sempre positiva. Ele não
julga, nem condena.
O Evangelho não diz se Jesus conseguiu convencer Nicodemos.
Provavelmente sim, pois ele aparecerá em mais dois episódios, sempre tomando
partido por Jesus: defendendo-o da ira dos fariseus quando tinha se apresentado
como fonte de água viva (cf. 7,50) e ajudando no seu sepultamento (cf. 19,39).
Certamente, o diálogo com Jesus lhe comoveu. Mesmo que não tenda aderido
completamente a Jesus, passou a ver com outros olhos aquela rígida doutrina
judaica.
Aceitar que o Deus de Jesus é somente amor pode ser
o maior fruto de conversão de uma quaresma!
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