Leitura do santo Evangelho segundo São Mateus 22,15-21
"Os fariseus saíram e fizeram um plano para conseguir alguma prova contra Jesus. Então mandaram que alguns dos seus seguidores e alguns membros do partido de Herodes fossem dizer a Jesus:
- Mestre, sabemos que o
senhor é honesto, ensina a verdade sobre a maneira de viver que Deus exige e
não se importa com a opinião dos outros, nem julga pela aparência. Então o que
o senhor acha: é ou não é contra a nossa Lei pagar impostos ao Imperador
romano?
Mas Jesus percebeu a malícia
deles e respondeu:
- Hipócritas! Por que é que
vocês estão procurando uma prova contra mim? Tragam a moeda com que se paga o
imposto!
Trouxeram a moeda, e ele
perguntou:
- De quem são o nome e a cara
que estão gravados nesta moeda?
Eles responderam:
- São do Imperador.
Então Jesus disse:
- Dêem ao Imperador o que é
do Imperador e dêem a Deus o que é de Deus."
Meditação:
A liturgia do 29º Domingo do Tempo Comum convida-nos a refletir acerca da forma como devemos equacionar a relação entre as realidades de Deus e as realidades do mundo.
Diz-nos que Deus é a nossa prioridade e que é a Ele que devemos subordinar toda a nossa existência; mas avisa-nos também que Deus nos convoca a um compromisso efetivo com a construção do mundo.
O evangelho de Mateus, com sua força eclesiológica renovadora, nos impulsiona a
trabalhar incansavelmente por uma igreja mais próxima da proposta de Jesus,
mais centrada nas pessoas, nas relações entre irmãos e menos pendente da norma
e da estrutura, cuja atenção não pode ser colocada acima da justiça e da defesa
dos pequenos, os prediletos de Deus.
O evangelho de hoje, o mais comentado na história da igreja e também o
evangelho do qual se tem as interpretações mais dogmáticas e espiritualizante.
É o marco de um texto polêmico em um contexto social no qual se divinizava o
Imperador.
O evangelho de Mateus é a primeira síntese da tradição judaica e cristã depois
da destruição do templo de Jerusalém na guerra de 66-74 dC.
O texto lido faz parte de uma série de controvérsias entre Jesus e os fariseus (e outros grupos) sobre temas como o tributo, a ressurreição dos mortos, o mandamento maior, o filho de Davi... Todas essas controvérsias têm, como pano de fundo, o confronto de Jesus com a lei romana.
Sob o tema do tributo, encontramos uma realidade sofrida das comunidades cristãs (nas quais o evangelho foi escrito), sob o domínio do império romano.
O povo de Israel, que séculos antes havia sonhado uma sociedade como confederação de tribos, na qual o único Senhor fosse Deus, o Deus da libertação, vive agora as consequências de uma monarquia que explora o pobre para sustentar sua estrutura.
Os mais pobres são os mais afetados pela política fiscal, pois a taxação recaia
diretamente sobre os trabalhadores do campo, lavradores ou arrendatários.
Porém, indo um pouco mais além do tributo, fixemo-nos na figura do Imperador.
Roma carregava sobre si a influência do mundo religioso do Egito e da Grécia. A
relação dos romanos com estes deuses faz parte da estrutura ordinária e
cotidiana da vida social: entendia-se o Imperador como um deus, Roma era uma
teocracia.
As comunidades cristãs, que haviam optado por outra forma de entender a relação
com Deus, com o Deus de Jesus, com o Abba, não podiam entender como o imperador
podia se apresentar como um deus, e se enfrentam com a religião oficial optando
pelo caminho alternativo, que neste caso é a proposta de vida em pequenas comunidades
de irmãos e irmãs.
Diante
dessa realidade, a comunidade cristã busca, na experiência vivida com o mestre,
e diante desse cenário, a frase: "Dar a Cesar o que é de Cesar e a Deus o
que é de Deus".
Portanto, já nos albores da reflexão da Comunidade, está a consciência de que o
imperador não é Deus e nunca o será, porque Deus é amor, justiça, igualdade…
valores ausentes em qualquer império, de qualquer época.
Com o correr do tempo, o que é alternativo se transforma em oficial e se faz necessário compreender o caminho da criatividade, da renovação, do alternativo.
Na atualidade não há imperadores que se apresentem como deuses, porém nos
encontramos com certas estruturas religiosas monárquicas e imperiais que, longe
de refletir a vivencia da comunhão entre irmãos e irmãs, pretendem impor a
exploração dos pobres no melhor estilo do Império.
Por isso, ao meditar este texto a partir da mentalidade de hoje, temos que
dizer com voz profética: "À estrutura oficial religiosa o que é dela"
e "a Deus o que é de Deus", ou seja, "a Deus Pai e ao seu Reino
toda a nossa entrega e fidelidade.
Na abordagem de Jesus, a questão deixa de ser uma simples discussão acerca do
pagamento ou do não pagamento de um imposto, para se tornar um apelo a que o
homem reconheça Deus como o seu senhor e realize a sua vocação essencial de
entrega a Deus (ele foi criado por Deus, pertence a Deus e transporta consigo a
imagem do seu senhor e seu criador).
"Dá-me, filho meu,
o teu coração e os teus olhos observem os meus caminhos" (Pv
23,25). É isto que Deus quer. Não umas moedas, não uns bens terrestres, não um
pouco de nós ou do nosso tempo, mas tudo o que temos e somos a Ele deve ser
consagrado. "Rogo-vos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos
corpos (vidas) em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, pois isto é o
vosso culto racional.…" (Rm 12,1-2).
Jesus não está preocupado em afirmar que o homem deve repartir equitativamente
as suas obrigações entre o poder político e o poder religioso; mas está,
sobretudo, preocupado em deixar claro que o homem só pertence a Deus e deve
entregar toda a sua existência nas mãos de Deus. Tudo o resto deve ser
relativizado, inclusive a submissão ao poder político.
Não adianta negar a soberania de Deus sobre as nossas vidas. Nós existimos por
Ele e para Ele, que nos criou e sustenta diariamente.
Submetamo-nos ao Seu domínio, que é um domínio de justiça e amor. Ele nos remiu
para glória do Seu Santo Nome, por isso pagou tão alto preço.
Propósito:
Ó Deus,
nosso Pai, por reconhecer-te como centro de nossas vidas, ensina-nos a submeter
tudo a ti, e a rejeitar o que pretende polarizar nossas atenções. Pai,
ajuda-nos a entregar-nos a ti, de todo coração, e servir-te com fidelidade no
próximo, de modo que vivamos como verdadeiros filhos teus e como irmãos de
todas as pessoas.
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