01 de junho - Quando sentimos o coração
duro e irritável, vamos buscar um pouco de doçura no Coração de Jesus. (S 176). São Jose Marello
EVANGELHO - Mc 10,46-52
Naquele tempo,
quando Jesus ia a sair de Jericó
com os discípulos e uma grande multidão,
estava um cego, chamado Bartimeu, filho de Timeu, a pedir esmola à beira do
caminho.
Ao ouvir dizer que era Jesus de Nazaré que passava, começou a gritar:
«Jesus, Filho de David, tem piedade de mim». Muitos repreendiam-no para que se
calasse. Mas ele gritava cada vez mais:
«Filho de David, tem piedade de mim».
Jesus parou e disse: «Chamai-O».
Chamaram então o cego e disseram-lhe: «Coragem! Levanta-te, que Ele está a
chamar-te».
O cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus. Jesus perguntou-lhe:
«Que queres que Eu te faça?» O cego respondeu-Lhe: «Mestre, que eu veja».
Jesus disse-lhe:
«Vai: a tua fé te salvou». Logo ele recuperou a vista
e seguiu Jesus pelo caminho.
Comentário
O
Evangelho desta quinta feira propõe-nos a última etapa desse caminho
(geográfico, mas também espiritual) que Jesus iniciou com os discípulos na
Galileia e que irá levá- lo a Jerusalém, ao encontro da paixão, morte e
ressurreição. É a última cena de um percurso que não tem sido fácil e no qual
os discípulos, como cegos, se aferram às suas ideias e projetos próprios,
recusando-se a entender e a aceitar que o caminho do Reino deva passar pela
cruz e pelo dom da vida.
O
episódio que hoje nos é proposto situa-nos à saída da cidade de Jericó. Jericó,
a "cidade das Palmeiras", é um oásis situado na margem do rio Jordão,
a norte do Mar Morto, e que dista cerca de 30 quilómetros de Jerusalém. Na
época de Jesus, era uma cidade relativamente importante, onde Herodes, o
Grande, tinha edificado um luxuoso palácio de Inverno.
Além
de Jesus, Marcos coloca no centro da cena um mendigo cego com o nome de
Bartimeu ("filho de Timeu"). Este nome, meio aramaico
("bar") e meio grego ("timaios"), é um nome perfeitamente
usual no ambiente hebraico - palestinense onde a história é situada (nunca
aparece entre os cerca de 2.000 nomes próprios que ocorrem no Antigo
Testamento); aos leitores romanos de Marcos, contudo, o nome devia evocar o
"Timeo", um dos mais conhecidos "diálogos" de Platão.
Alguns autores pensam que, mais do que um personagem histórico, o cego Bartimeu
seria uma figura simbólica.
Os
"cegos" faziam parte do grupo dos excluídos da sociedade palestina de
então. As deficiências físicas eram consideradas - pela teologia oficial - como
resultado do pecado. Segundo a concepção da época, Deus castigava de acordo com
a gravidade da culpa. A cegueira era considerada o resultado de um pecado
especialmente grave: uma doença que impedisse o homem de estudar a Lei era
considerada uma maldição de Deus por excelência.
Pela
sua condição de impureza notória, os cegos eram impedidos de servir de
testemunhas no tribunal e de participar nas cerimónias religiosas no Templo.
Reflexão
É
natural que Jesus tenha encontrado, quando saía de Jericó, um cego que
mendigava junto da estrada... No entanto, parece claro que, à volta desse
acontecimento fundamental, Marcos construiu uma catequese para os seus
leitores. Quem é, na catequese de Marcos, este "cego" que Jesus
encontra ao longo do caminho, quando se dirige para Jerusalém? Ele representa
todos esses a quem a teologia oficial considerava pecadores, malditos, impuros,
marginais, longe de Deus e da sua proposta de salvação.
O cego
da nossa história está sentado à beira do caminho, provavelmente a pedir
esmola. O estar sentado significa acomodação, instalação, conformismo. Ele está
privado da luz e da liberdade e está conformado com a sua triste situação,
sabendo que, por si só, é incapaz de sair dela. O pedir esmola (o texto refere
explicitamente a sua condição de mendigo - verso 46) indica a situação de
escravidão e de dependência em que o homem se encontra.
Contudo,
a passagem de Jesus de Nazaré dá ao cego a consciência da sua situação de
miséria, de dependência, de escravidão. Então, Bartimeu percebe o sem sentido
da sua situação e sente a vontade de apostar numa outra experiência. A passagem
de Jesus na vida de alguém é sempre um momento de tomada de consciência, de
questionamento, de desafio, que leva a pôr em causa a vida velha e a sentir o
imperativo de ir mais além ...
No
entanto, Bartimeu está consciente da sua debilidade e sente que, sem a ajuda de
Jesus, continuará envolvido pelas trevas da dependência, da escravidão, da
instalação ... Por isso, pede: "Jesus, filho de David, tem misericórdia de
mim" (vers. 47). O título "filho de David" é um título
messiânico. Portanto, Bartimeu vê em Jesus esse Messias libertador que, segundo
a mentalidade judaica, havia de vir não só para salvar Israel dos opressores,
mas também para dar vida em plenitude a cada membro do Povo de Deus.
Antes
de referir a intervenção de Jesus, Marcos dá conta da reação dos que estão à
volta de Jesus: repreendiam o cego e queriam fazê-lo calar (vers. 48). Quando
alguém encontra Jesus e resolve deixar a vida antiga para aderir ao Reino que
Jesus veio propor, encontra sempre resistências (que vêm, por vezes, dos
familiares, dos amigos, dos colegas). Estes que repreendem e mandam calar o
cego representam, portanto, todos aqueles que colocam obstáculos a quem quer
deixar a sua situação de miséria e de escravidão para aderir à proposta
libertadora que Cristo faz. No entanto, a oposição não só não desarma o cego,
como o leva a gritar ainda mais forte: "filho de David, tem misericórdia
de mim" ...
A
incompreensão ou a oposição dos homens nunca fazem desistir aquele que viu
Jesus passar e que viu n'Ele uma proposta de vida e de liberdade.
Jesus parou e mandou chamar o cego. A cena recorda-nos os relatos do chamamento
dos discípulos (cf. Mc 1,16-20; 2,14; 3,13). Os mediadores que transmitem ao
cego as palavras de Jesus dizem-lhe: "coragem, levanta-te que Ele
chama-te" (vers. 49). Ou seja: deixa a tua situação de miséria, de
escravidão e de dependência, porque Jesus chama-te. O chamamento é sempre,
nestes casos, a tornar-se discípulo, a seguir Jesus no caminho do amor e do dom
da vida.
Em
resposta, o cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus (vers.
50). A capa podia estar colocada debaixo do cego, como almofada, ou nos seus
joelhos, para recolher as moedas que lhe atiravam; em qualquer caso, a capa é tudo
o que um mendigo possui, a única coisa de que ele pode separar-se (outros
deixaram o barco, as redes ou a banca onde recolhiam impostos). O deitar fora a
capa significa, portanto, o deixar tudo o que se possui para ir ao encontro de
Jesus. É um corte radical com o passado, com a vida velha, com a anterior
situação, com tudo aquilo em que se apostou anteriormente, a fim de começar uma
vida nova ao lado de Jesus.
Jesus
perguntou ao cego: "que queres que te faça?". É a mesma pergunta que,
pouco antes, Jesus fizera a João e Tiago (cf. Mc 10,36). A identidade da
pergunta acentua, contudo, a diferença da resposta ... Os dois irmãos queriam
sentar-se ao lado de Jesus e ver concretizados os seus sonhos de grandeza e de
poder; o cego Bartimeu, ao contrário, cansado de estar sentado numa vida de
escravidão e de cegueira, quer encontrar a luz para seguir Jesus (vers. 51).
Jesus
responde a Bartimeu: "vai, a tua fé te salvou" (vers. 52). A fé não é
a simples adesão a determinadas verdades abstratas, que o crente aceita
acriticamente; mas, no contexto neo - testamentário, a fé é a adesão a Jesus e
à sua proposta de salvação. Por isso, Marcos termina a sua história dizendo que
o cego recuperou a vista e seguiu Jesus - isto é, fez-se discípulo de Jesus. Ao
aderir a Jesus e à sua proposta de salvação, ao aceitar seguir Jesus no caminho
do amor e do dom da vida (Jesus prepara-Se para entrar em Jerusalém, onde vai
fazer dom da sua vida em favor dos homens), Bartimeu encontrou a salvação:
deixou a vida da escuridão, da escravidão, da dependência em que estava e
nasceu para essa vida verdadeira e eterna que, através de Jesus, Deus oferece
aos homens.
O cego
Bartimeu que encontráramos a mendigar, sentado à beira do caminho, à saída de
Jericó representava, inicialmente, os pecadores que viviam longe de Deus e à
margem da salvação. Depois de encontrar Jesus, Bartimeu transforma-se e
torna-se o protótipo do verdadeiro discípulo ... Destinatário privilegiado da
proposta de salvação que Jesus traz, ele proclama sem hesitações a sua fé,
invoca a ajuda e a misericórdia de Jesus, acolhe sem hesitações o chamamento
que lhe é feito, liberta-se da vida velha e, com alegria, decisão e entusiasmo,
aceita, sem condições, seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida. É com
Bartimeu que os discípulos de Jesus são convidados a identificar-se.
• A
situação inicial do cego Bartimeu (que jaz na escuridão, dependente, acomodado,
conformado) evoca uma realidade que conhecemos bem ... Evoca a condição do
homem escravo, prisioneiro do egoísmo, do orgulho, dos bens materiais, da
preguiça, da vaidade, do êxito; evoca a condição daquele que está acomodado na
sua situação de miséria, instalado nos seus preconceitos e projetos pessoais,
conformado com uma vida de horizontes limitados; evoca a condição daquele que
se sente refém dos seus vícios, hábitos e paixões e que sente a sua
incapacidade em romper, por si só, as cadeias que o impedem de ser livre...
Esta situação será uma situação insuperável, a que o homem está condenado de
forma permanente?
• A
Palavra de Deus que nos é proposta garante-nos que a situação do homem cego,
prisioneiro da escuridão, não é uma situação incontornável, obrigatória, sem
remédio ... Jesus veio ao mundo, enviado pelo Pai, com uma proposta de
libertação destinada a todos aqueles que procuram a luz e a vida verdadeira.
Esse Jesus de Nazaré que Se cruzou com o cego à saída de Jericó continua a
cruzar-Se hoje, de forma continuada, com cada homem e com cada mulher nos
caminhos da vida e oferece-lhes, sem cessar, a proposta libertadora de Deus ...
É preciso, no entanto, que não nos fechemos no nosso egoísmo e na nossa auto - suficiência,
surdos e cegos aos apelos de Deus; é preciso que as nossas preocupações com os
valores efémeros não nos distraiam do essencial; é preciso que aprendamos a
reconhecer os desafios de Deus nesses acontecimentos banais com que, tantas
vezes, Deus nos interpela e questiona ...
• O
que é que implica aceitar a proposta que Jesus faz? Fundamentalmente implica -
como aconteceu com Bartimeu - tornar-se discípulo ... Ser discípulo de Jesus é
aderir à sua pessoa, acolher os seus valores, viver na obediência aos projetos
do Pai, fazer da vida um dom de amor aos irmãos; é solidarizar-se com os
pequenos, com os pobres, com os perseguidos, com os marginalizados e lutar por
um mundo onde todos sejam acolhidos como filhos de Deus, iguais em direitos e
em dignidade; é lutar contra as estruturas que geram injustiça, opressão e
morte; é ser testemunha, com palavras e com gestos, da verdade, da justiça, da
paz, da reconciliação. Quem aceita seguir o caminho do discípulo escolhe viver
na luz e está a contribuir para a construção de um mundo novo.
• Quando reconhecemos o "chamamento" de Deus, qual deve ser a nossa
resposta?
Bartimeu, logo que ouviu dizer que Jesus o chamava, atirou fora a sua capa e
correu ao encontro de Jesus. O gesto de Bartimeu representa, aqui, a renúncia
imediata à vida antiga, ao egoísmo, ao comodismo, à escravidão, aos
comportamentos incompatíveis com a adesão a Cristo e a esse caminho novo que
Jesus o convida a percorrer. É isso, também, que é pedido a todos aqueles a
quem Jesus chama à vida nova ...
• Na história do encontro de Bartimeu com Cristo, aparecem outros personagens,
com papéis vários. Uns constituem obstáculos à adesão de Bartimeu a Cristo;
outros apresentam-se como intermediários entre Cristo e Bartimeu e transmite ao
cego as palavras de Jesus... Este fato serve para nos tornar conscientes do
papel daqueles que nos rodeiam no nosso caminho da fé ... Ao longo da nossa
caminhada, encontraremos sempre pessoas que nos ajudam a ir ao encontro de
Cristo e pessoas que (muitas vezes com óptimas intenções) tentam impedir-nos de
encontrar Cristo. Precisamos de aprender a discernir entre as várias opiniões
que nos são propostas e a dar a devida importância a quem nos ajuda a descobrir
o caminho para a verdadeira vida.
• Quem
encontra Cristo e aceita o desafio para viver como discípulo tem, a partir daí,
um caminho fácil? De forma nenhuma. Tem de abandonar a vida cómoda e instalada
em que vivia e enfrentar uma nova realidade, num desafio permanente, num
questionamento constante; tem de aprender a enfrentar as críticas, as
incompreensões, os confrontos com aqueles que não compreendem a sua opção; tem
de percorrer, dia a dia, o difícil caminho do amor, do serviço, da entrega, do
dom da vida ... É preciso, no entanto, que o discípulo esteja consciente de que
o caminho de Jesus não é um caminho que leva à morte, mas é um caminho que leva
à ressurreição, à vida verdadeira e eterna.
"Que queres que te faça?", diz Jesus ao
cego ... Não tenhamos medo, nós também, de dizer a Jesus: "que eu
veja". A alegria de Cristo que nos ama é esta fé, esta confiança nele. Não
tenhamos medo de Lhe dizer a nossa fé e confiança, muitas vezes!
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