04 novembro - Saibamos manter-nos naquela perfeita igualdade de espírito, que é tão vantajosa para o progresso na virtude, e conservemo-nos sempre numa tal disposição de ânimo que nos faça estar prontos para tudo, sem nunca nos perturbar. (S 237). São Jose Marello
Lucas 14,25-33
Naquele tempo, grandes multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele
lhes disse: “Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua
mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria
vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha
atrás de mim, não pode ser meu discípulo. Com efeito: qual de vós,
querendo construir uma torre, não se senta primeiro e calcula os gastos, para
ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, ele vai lançar o
alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a
caçoar, dizendo: ‘Este homem começou a construir e não foi
capaz de acabar!’ Ou ainda: Qual rei que, ao sair para guerrear com outro,
não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o
outro que marcha contra ele com vinte mil? Se ele vê que não pode,
enquanto o outro rei ainda está longe, envia mensageiros para negociar as condições
de paz. Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a
tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!”
Meditação:
O
evangelho da liturgia de hoje, Jesus colocando as condições fundamentais para
quem quer segui-lo no caminho da cruz. Diante da prioridade do seguimento, todo
o resto se torna relativo.
Jesus está a caminho de Jerusalém. Virando-se para a multidão que o
seguia, ele deixa claro que o caminho do seguimento é exigente e demanda
renúncias. É uma opção radical.
Nesse sentido, a proposta do discipulado não é para a multidão, a
“massa”. A militância por vida plena é uma decisão para pessoas livres de tudo
o que escraviza. Jesus diria que as pessoas que optam pelo reino são como o
“fermento” que transforma a massa (Lucas 13,21). A decisão pelo reino não é de
facilidades. Talvez seja por isso que poucas pessoas decidam seguir pelo
caminho proposto por Jesus.
1. Seguir Jesus exige renúncias
1.1 Renunciar a família (Lucas 14,26)
Uma das cláusulas que Jesus estabelece para as pessoas que o querem
seguir é desapegar-se dos laços afetivos com a família, da segurança que a
família proporciona. A prioridade é o seguimento. A família é secundária.
Conforme a comunidade de Lucas, Jesus usa o verbo “odiar” em relação aos
familiares (Lucas 14,26). É palavra forte.
Aqui, no entanto, odiar quer dizer colocar em segundo plano diante de
algo prioritário. Para Jesus, as relações familiares não podem impedir a adesão
ao projeto do reino. Este é a prioridade.
É Jesus mesmo quem nos dá o exemplo, ao dar preferência à missão. Quando
sua mãe e seus irmãos querem vê-lo, Jesus afirma ter uma família mais
importante. É a família de quem, como ele, vive o projeto do Pai. “Minha mãe e
meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam” (cf. Lucas
8,19-21).
1.2 Renunciar os interesses pessoais (Lucas 14,26)
Outra condição exigida por Jesus é colocar os interesses pessoais, a
própria vida, em segundo lugar diante da prioridade, que é o projeto do reino e
sua justiça.
Nosso mundo estimula o individualismo, os desejos egoístas e o bem-estar
individual. Jesus, no entanto, propõe como critério para segui-lo no caminho da
cruz a busca do bem-viver coletivo, o serviço na gratuidade, a ajuda solidária
na luta por uma sociedade justa. Em outras palavras, decidir pelas relações do
reino é imitar o próprio mestre.
1.3 Renunciar os bens (Lucas 14,33)
Seguir Jesus supõe também ser totalmente livre diante dos bens. Exige
estar desapegado de tudo, isto é, do orgulho e da competição, das seguranças e
das ambições, de todas as formas de riqueza.
Optar pelo reino é colocar os bens a serviço da vida. E Jesus recorda
mais de uma forma de como fazer com que os bens nos ajudem a ser “ricos para
Deus” (cf. Lucas 12,21). Os bens geram vida quando partilhados (Lucas 12,33-34;
14,15-24; 18,18-23; 19,1-10) ou quando investidos a serviço do reino, isto é,
de projetos que têm em vista a igualdade, tal como fizeram as mulheres que o
seguiam desde a Galileia (Lucas 8,1-3).
Jesus quer ajudar-nos a não colocar os bens como o mais importante,
transformando-os em ídolos que escravizam. “Não podeis servir a Deus e às
riquezas” (Lucas 16,13). E servir a Deus, à vida, é ser verdadeiramente livre.
2. Seguir Jesus requer novas atitudes
2.1 Tomar a cruz e seguir (Lucas 14,27)
Seguir as relações do reino e da sua justiça é estar disposto a carregar
a cruz. É tomar decisões que requerem desapego e geram conflitos que levam ao
desprendimento, a sofrimentos. É uma opção de vida que supõe riscos e exige
renúncias. Que renúncias? Aqui, podemos lembrar as recusas do próprio Jesus.
Primeiro, deixou sua família em Nazaré, priorizando a missão conferida
pelo Espírito do Senhor no anúncio de uma boa notícia para os pobres (Lucas
4,16-31). Para priorizar o projeto do Pai, Jesus renunciou aos valores
oferecidos por este mundo injusto, simbolizado pela figura do diabo. Diante
dele, o nazareno rejeitou as riquezas, recusou o poder real e não aceitou a
oferta de prestígio (Lucas 4,1-13).
Isso significa que, para seguir Jesus na radicalidade, é necessário ser
uma pessoa livre, que não se deixa escravizar pela propaganda consumista e pela
oferta de bens, poder e fama como sentido de vida.
2.2 Ser prudente e realista (Lucas 14,28-32)
Seguir o projeto do reino requer novas atitudes, exige que sejamos
pessoas recriadas. Então, Jesus conta duas parábolas que ilustram o desafio
para quem opta em segui-lo no caminho.
Na primeira (Lucas 14,28-30), ele mostra que o seguimento não é fruto de
uma opção que se faz de uma hora para outra, mas é resultado de decisões bem
pensadas, amadurecidas. Elas devem estar de acordo com a realidade de cada
pessoa que quer assumir o discipulado na radicalidade. Somente assim pode haver
fidelidade até o fim, evitando-se falsas ilusões, uma vez que não basta boa
vontade.
Diferente é uma decisão momentânea. Esta é como fogo de palha que logo
se extingue e não persevera. Seguir Jesus é ser como o construtor de uma torre.
Ele planeja sua obra e avalia se tem recursos para levar a obra até a sua
conclusão.
Na segunda parábola (Lucas 14,31-32), Jesus apresenta o exemplo de um
rei prudente ao se defender de outro rei que vem batalhar contra ele. A
prudência leva a avaliar as condições que se tem para assumir a missão.
É necessário ter sabedoria e humildade para assumi-la com coerência. É
preciso também coragem e firmeza para suportar as consequências, as cruzes que
resultam da opção pela justiça do reino. As parábolas insistem na clareza ao se
fazer a opção em seguir Jesus na missão de viver as relações do reino.
E nós hoje
Certamente, as exigências de Jesus nos questionam quando nossa ação
evangelizadora está voltada mais para as “massas” e não tanto para o
“fermento”, isto é, o engajamento radical em favor da democracia, da justiça e
da partilha, da gratuidade e da superação de preconceitos.
É evidente que Jesus não recusa ninguém. Ele mesmo acolheu com ternura
um homem muito rico. Porém, não deixou de lhe mostrar que o caminho da
felicidade passa pela partilha (Lucas 18,18-23). Também foi comer na casa de um
ladrão confesso. Mas deixou claro que ele se tornaria discípulo do reino na
medida em que devolvesse o que roubara e partilhasse outro tanto com os pobres
(Lucas 19,1-10).
Com a narrativa da liturgia deste final de semana, a comunidade de Lucas
quer encorajar as pessoas que, ainda hoje, decidem assumir fielmente o
seguimento da proposta de Jesus. Quer animá-las a se manterem firmes diante das
calúnias e das difamações, das perseguições por causa da justiça ou até da
própria morte que vierem a sofrer por parte de indivíduos e instituições que
servem às riquezas deste mundo.
Este evangelho nos convida a perseverarmos na fidelidade ao projeto do
reino, custe o que custar, mesmo que a luta em favor da inclusão de mulheres,
pessoas negras e pobres gere o ódio da Casa Grande contra nós. Importa que a
vontade do Pai se torne realidade em nossas vidas (cf. Lucas 22,42). E isso
será possível na medida em que abrirmos nossos corações ao mesmo Espírito que
animou a missão de Jesus de Nazaré na intimidade com o Pai (Lucas 4,18).
Qual é a
nossa atitude diante dessas condições exigentes que Jesus nos coloca? É de
acolhida ou de indiferença? É de adesão ou de repulsa?
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