Solenidade de Cristo Rei do Universo
24 novembro Festa liturgica
Padre Reginaldo Manzotti - publicado em 21/11/23
Numa linguagem atualizada, é dizer que
Nosso Senhor Jesus Cristo é maior que qualquer autoridade no mundo civil, maior
que todos os valores que podem nos fazer perder o horizonte da eternidade
O
mês de novembro é rico em festas litúrgicas que nos fazem pensar sobre o
sentido de nossa caminhada de fé. Começamos com a solenidade de Todos os
Santos, lembrando-nos que somos chamados a ser santo, como nosso Pai é santo.
Logo a seguir celebramos a Festa da Esperança. Nela refletimos a finitude da
vida humana e a recompensa eterna para aqueles que creem em Jesus e na sua
ressurreição gloriosa. Finalmente, encerrando o ano litúrgico, celebramos a
solenidade de Cristo Rei. Esta festa é uma das
mais importantes do calendário litúrgico, e tem o sentido escatológico, pois
celebramos Jesus Cristo como Rei e Senhor de todo o universo.
Hoje,
vivemos a democracia. Os reis que ainda restam não têm força, são figurativos.
Mas lembremos de que já houve época em que um rei era o soberano e tinha nas
mãos o direito sobre a vida de seus súditos, como, por exemplo, o império da
Babilônia com Nabucodonosor, que dominou toda uma região. Também, no império
romano, os césares dominaram o mundo, tão grande era o poder de um imperador.
Essa
festa é para colocar Jesus acima de todos os imperadores que já existiram. Numa
linguagem atualizada, é dizer que Nosso Senhor Jesus Cristo é maior que
qualquer autoridade no mundo civil, portanto, para nós tem que ser maior que
todos os valores que podem nos fazer perder o horizonte da
eternidade. Perdemos esse referencial se não colocamos Jesus no topo de
nossa vida como o soberano, como o Senhor a quem servimos.
Se
não for assim, justifica-se a corrupção e a injustiça. Se Jesus não fosse
Aquele que está acima de todo bem temporal, de toda força política e toda força
do mal, justificar-se-iam a riqueza e a pobreza desnivelada, a mentira, a
morte, o fingimento e tudo o que há de errado. Então, para que lutar? Seríamos
estúpidos em levar uma vida de sofrimento e resignação se Ele não fosse o
Senhor. De fato, Jesus é o Rei do Universo e, mesmo antes de tudo ser criado
Ele já existia, e quando tudo terminar, Ele ainda existirá. Ele é o Alfa e o
Ômega, o Primeiro e o Último, o Começo e o Fim (cf. Ap 22,13).
Rei
é uma palavra que significa poder, influência, domínio e esse título é dado a
Jesus. “O Reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo.
Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende
tudo o que tem para comprar aquele campo” (Mt 13,44).
Jesus
Rei do Universo tem o mundo em suas mãos, mas o ser humano nas suas opções, por
não acreditar no Reino, não está cuidando bem esse mundo. Ele nos deu para que o
administrássemos e não estamos fazendo isso bem. Muitos me perguntam por que
Deus não interfere logo, não julga os bons e os maus, faz logo uma limpeza?
Porque Deus fez de Seu Filho Rei e Bom-Pastor.
Proclamemos
o senhorio de Jesus consentindo que Ele reine em nossas vidas, praticando o
amor, o direito e a justiça.
Leitura do santo Evangelho segundo São João 18,33b-37
"Pilatos chamou Jesus e
perguntou-lhe: “Tu és o rei dos judeus?”
Jesus respondeu: “Estás dizendo isto por ti mesmo, ou outros te disseram isto
de mim?”
Pilatos falou: “Por acaso sou judeu? O teu povo e os sumos sacerdotes te
entregaram a mim. Que fizeste?”
Jesus respondeu: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste
mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas
o meu reino não é daqui”.
Pilatos disse a Jesus: “Então tu és rei?”
Jesus respondeu: “Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto:
para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha
voz”."
Chegamos ao último domingo do ano litúrgico,
o qual vem intitulado pela liturgia como solenidade de nosso Senhor Jesus
Cristo, rei do universo. Esse título, por si só, já nos desperta bastante
atenção e curiosidade, despertando também a necessidade de profunda reflexão
para não distorcermos a natureza da realeza de Jesus. Ao falar de alguém como
rei, a tendência imediata é atribuir-lhe as características próprias dos reis
deste mundo, como coroa, trono, cetro e poder; associar Jesus a esses sinais de
realeza é trair completamente o seu Evangelho, mesmo que as imagens e
representações usadas em muitas igrejas o representem assim. Dar a Jesus trono,
cetro e coroa é zombar dele; independente do contexto histórico, é repetir a
zombaria dos soldados que o crucificaram: “Os soldados, tendo feito uma
coro de espinhos, colocaram-na em sua cabeça, e o envolveram com um manto de
púrpura” (Jo 19,2).
Mesmo concentrando a nossa reflexão no texto
evangélico proposto – João 18,33b-37 – é oportuno e necessário fazermos uma
pequena contextualização histórica da instituição desta solenidade; essa foi
instituída no ano de 1925, pelo Papa Pio XI. Aquele era um momento conturbado
para a Europa e todo o mundo: a primeira guerra mundial tinha acabado há pouco
tempo e já se sentia o clima da segunda; o desejo desenfreado de poder com as
consequências que desse derivam estavam em efervescência, mais do que nunca. Na
época, já estavam consolidados o fascismo na Itália, o stalinismo na Rússia, e
o nazismo estava em gestação na Alemanha. Havia muita gente querendo ser “senhor
do mundo”. Foi nesse contexto que o Papa Pio XI instituiu, com muita sabedoria,
a solenidade de Cristo Rei, como um lembrete e advertência para aqueles que
almejavam o senhorio da história e o domínio do mundo.
Uma vez instituída e consolidada, essa festa não
deixa de trazer certos perigos em sua interpretação. O problema se dá na
concepção e representação que se tem feito da realeza de Jesus. Combater os
reinos deste mundo para implantar o Reino de Deus não é uma simples
substituição na detenção do poder, mas uma mudança radical na forma de conceber
o seu reino. Assim como Jesus não pretendeu ocupar o lugar de César (o
imperador romano), jamais pretenderia também ocupar o lugar de Mussolini,
Stálin, Hitler ou qualquer outro dirigente totalitário. A sua proposta de
reinado é totalmente incompatível com as experiências de poder até hoje
experimentadas pela humanidade. Jesus não propõe apenas um mundo diferente
desse que tem proporcionado os detentores de poder, mas um mundo totalmente
oposto, com relações completamente novas, capazes de gerar paz, justiça e
fraternidade.
O texto evangélico específico para a liturgia de
hoje faz parte do relato da paixão de Jesus no Quarto Evangelho; É um trecho do
processo de Jesus diante de Pilatos, governador romano da província da Judéia,
na época. A capital da província era a cidade de Cesaréia Marítima, onde morava
o governador; porém, nos períodos das grandes festas, como a páscoa, a
governadoria se transferia para Jerusalém. Por isso, Pilatos teve a
oportunidade de interrogar Jesus, pois já se encontrava em Jerusalém por
ocasião da páscoa. Jesus estava sozinho diante de Pilatos, pois os judeus não
podiam entrar no palácio, com medo de ficarem impuros e, assim, não poderiam
celebrar a páscoa no dia seguinte. Por isso, Jesus entrou sozinho no pretório
para ser interrogado. O encontro de Jesus com Pilatos é apenas uma formalidade;
a sua morte já estava decidida. A cúpula da religião judaica, incomodada com a
pregação e a práxis de Jesus já planejava a sua morte há muito tempo. Estava
decidido que daquela páscoa ele não passaria! Como os chefes religiosos não
tinham poder de execução, mesmo com a pena decidida, era necessário convencer o
poder romano a fazer a execução.
Eis o que diz o texto: “Pilatos chamou
Jesus e perguntou-lhe: “Tu és o rei dos judeus?” (v. 33b). A pergunta
dá a entender que Pilatos já sabia que aquele caso se tratava de uma questão
muito interna da religião judaica, embora representasse também uma ameaça de
rebelião que poderia trazer consequências para o poder romano. Na verdade,
todos os governadores romanos enviados para a província da Judéia já iam
prevenidos do risco constante de rebeliões de líderes radicais dos movimentos
populares do judaísmo. A pergunta revela também uma espécie de surpresa: o homem
que está diante de Pilatos não aparenta causar perigo algum à ordem imperial;
embora tenha sido entregue como agitador, parece que Pilatos não vê Jesus como
ameaça. Além de surpresa, essa pergunta também expressa escárnio. Jesus não se
intimida com a pergunta do governador, e faz o diálogo fluir: “Estás
dizendo isto por ti mesmo ou outros te disseram isto de mim?” (v. 34).
É costume de Jesus responder a uma pergunta com uma nova pergunta. Com isso,
ele chama a atenção de Pilatos para pensar por conta própria sem deixar-se
manipular pela opinião dos outros.
Na continuidade do diálogo, Pilatos reage à
pergunta provocatória de Jesus: “Pilatos falou: “Por acaso, sou judeu? O teu
povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim. Que fizestes?” (v.
35). A intenção do governador é isentar-se o máximo possível da
responsabilidade pela condenação de Jesus. Ao tentar provar neutralidade,
Pilatos exerce a pior das hipocrisias: a indiferença diante da injustiça. Ao
mesmo tempo, sintetiza uma realidade que já fora demonstrada ao longo de todo o
Quarto Evangelho: toda a classe dirigente dos judeus estava contra Jesus: “o
teu povo e os sumos sacerdotes” significa o complô dos grupos judaicos
hegemônicos com os dirigentes do templo. No final, por mais que o poder romano
tenha sido conveniente e executor da condenação de Jesus, o evangelista deixa
claro de onde partiu a iniciativa: das autoridades religiosas judaicas.
Pilatos tinha perguntado o que Jesus tinha feito
para ser entregue pelo seu próprio povo; a essa pergunta Jesus não respondeu,
mas preferiu voltar para o tema da primeira pergunta, a respeito da natureza do
seu reino: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste
mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas
o meu reino não é daqui” (v. 36). A declaração “o meu reino
não é deste mundo” é bastante esclarecedora, mas também fácil de ser
distorcida. Antes de tudo, não se trata de uma contraposição entre o céu e a
terra. Aqui, Jesus se refere à origem, à concepção do seu reino, e não à sua
efetivação; os reinos deste mundo se sustentam com o uso da força, da
violência, da injustiça e da hipocrisia de um modo geral. Jesus, com essa
afirmação, diz que seu reino não se baseia nesses meios. Porém, ele não está
falando de um reino para o além ou outro mundo. O seu reino, baseado na
justiça, no amor e na fraternidade deve ser efetivado nesse mundo, onde estão
as pessoas com suas necessidades e angústias. O reino de Jesus não é deste
mundo por não se assemelhar aos reinos deste mundo, mas deve ser construído e
vivido já nesse mundo.
A Pilatos, Jesus dá uma prova de que seu reino não
é deste mundo: não tem exército nem guardas para lutar contra a sua condenação.
Um exército era a primeira necessidade para a formação de um reino na antiguidade.
Inclusive, os movimentos judaicos de resistência que, vez ou outra preocupavam
à casta sacerdotal e ao poder romano, proponham a luta armada, faziam recruta
de militantes; nem com esses o movimento de Jesus se assemelhava. Para Jesus e
seus seguidores, a violência nunca pode ser a resposta. À violência, ao ódio e
à injustiça e ao mal em geral, a resposta ensinada por Jesus é sempre o amor.
Por isso, é sempre incoerente caricaturá-lo com os sinais de realeza terrena,
come ele vem caracterizado na maioria das imagens e pinturas. É uma verdadeira
traição ao seu projeto.
Ao dizer que tem um reino, mesmo não sendo deste
mundo, Jesus despertou ainda mais a curiosidade de Pilatos, que perguntou
novamente: “Então tu és rei?” (v. 37a). A insistência com a
mesma pergunta revela a insegurança e o medo de um possível concorrente, o que
faz parte da lógica dos reinos deste mundo, compostos por oprimidos e
opressores, privilegiados e não privilegiados. A concorrência é a negação da
fraternidade e da igualdade. À nova indagação de Pilatos, finalmente, Jesus
confirma que é rei, mas faz questão de reforçar a incompatibilidade entre o seu
reino e aquele que Pilatos representava: Jesus respondeu: “Tu o dizes:
eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade.
Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (v. 37). Pilatos
perguntou, no início, se Jesus era rei dos judeus; a essa pergunta Jesus se
negou a responder. Quando responde ser rei, não se diz de um povo específico, o
que mostra o alcance universal de sua mensagem. Jesus não veio ao mundo com uma
missão restrita a uma nação, mas trouxe um projeto de reino universal, baseado
na verdade.
A verdade (em grego αληθεια = aletéia) é uma palavra chave para a
construção da missão e da identidade de Jesus no Evangelho segundo João. Ainda
no prólogo, no versículo chave, quando o evangelista afirma que “a Palavra se
fez carne, como Unigênito do Pai”, ele diz que esse Unigênito, Jesus, veio
“cheio de verdade” (cf. Jo 1,14); ainda no prólogo, o evangelista contrapõe a
graça à lei, dizendo que junto com a graça, veio a verdade ao mundo, por meio
de Jesus Cristo (cf. Jo 1,17). Na ceia, ao responder a uma pergunta de Tomé,
Jesus se revelou como “o caminho, a verdade e a vida” (cf. Jo 14,6).
Finalmente, no processo, diante de Pilatos, Jesus reafirma a sua relação com a
verdade e sua missão de testemunhá-la. A verdade é um atributo de Jesus e ao
mesmo tempo a sua meta e missão, como deve ser de seu discipulado. Não se trata
de uma doutrina para ser preservada e anunciada, mas de uma realidade a ser
vivida e testemunhada, o que só é possível em estreita comunhão de vida com
ele. É essa comunhão que faz nascer o verdadeiro reino por Jesus anunciado.
24/11
– Santo André Dung-Lac e Companheiros (Mártires do Vietnã)
A evangelização do Vietnã começou no
século XVI, através de missionários europeus de diversas ordens e congregações
religiosas. São quatro séculos de perseguições sangrentas que
levaram ao martírio milhares de cristãos massacrados nas
montanhas, florestas e em regiões insalubres. Enfim, em todos os lugares onde
buscaram refúgio. Foram bispos, sacerdotes e leigos de diversas idades e
condições sociais, na maioria pais e mães de família e alguns deles
catequistas, seminaristas ou militares.
Hoje,
homenageamos um grupo de cento e dezessete mártires vietnamitas,
beatificados no ano jubilar de 1900 pelo papa Leão XIII. A maioria viveu e
pregou entre os anos 1830 e 1870. Dentre eles muito se destacou o padre dominicano André
Dung-Lac, tomado como exemplo maior dessas sementes da Igreja Católica vietnamita.
Filho
de pais muito pobres, que o confiaram desde pequeno à guarda de um
catequista, ordenou-se sacerdote em 1823. Durante seu
apostolado, foi cura e missionário em diversas partes do país. Também foi salvo
da prisão diversas vezes, graças a resgates pagos pelos fiéis, mas nunca
concordou com esse patrocínio.
Uma
citação sua mostra claramente o que pensava destes resgates: “Aqueles que
morrem pela fé sobem ao céu. Ao contrário, nós que nos escondemos continuamente
gastamos dinheiro para fugir dos perseguidores. Seria melhor deixar-nos prender
e morrer”. Finalmente, foi decapitado em 24 de novembro de 1839, em
Hanói, Vietnã.
Passada
essa fase tenebrosa, veio um período de calma, que durou cerca de setenta anos. Os
anos de paz permitiram à Igreja que se reorganizasse em numerosas dioceses que
reuniam centenas de milhares de fiéis. Mas os martírios recomeçaram com a chegada do comunismo
à região.
A
partir de 1955, os chineses e os russos aniquilaram todas as instituições religiosas,
dispersando os cristãos, prendendo, condenando e matando bispos, padres e fiéis, de maneira
arrasadora. A única fuga possível era através de embarcações
precárias, que sucumbiam nas águas que poderiam significar a liberdade, mas que
levavam, invariavelmente, à morte.
Entretanto
o evangelho de Cristo permaneceu no coração do povo vietnamita, pois quanto mais perseguido maior se
tornou seu fervor cristão, sabendo que o resultado seria
um elevadíssimo número de mártires. O Papa João Paulo II, em 1988, inscreveu
esses heróis de Cristo no livro dos santos da Igreja, para serem comemorados
juntos e como companheiros de Santo André Dung-Lac no dia de sua morte.
Santo
André Dung-Lac e Companheiros, rogai por nós!
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