REFLEXÃO PARA O 17º DOMINGO DO TEMPO COMUM – Mt
13,44-52 (Ano A)
A liturgia deste décimo sétimo domingo do tempo
comum marca a conclusão da leitura do discurso em parábolas do Evangelho de
Mateus, iniciada há dois domingos. O discurso em parábolas é o terceiro dos
cinco grandes discursos de Jesus em Mateus, ocupando, assim, uma posição
central, o que evidencia a sua importância para a teologia do respectivo
Evangelho. Isso corresponde à centralidade do tema do Reino na pregação de
Jesus, pois o tema desse discurso é exatamente o Reino dos Céus e sua dinâmica,
descrito simbolicamente a partir de sete parábolas. O texto específico que a
liturgia oferece para este domingo é Mt 13,44-52, o qual contém as últimas três
das sete parábolas, uma vez que as quatro primeiras já foram lidas nos dois
últimos domingos. De acordo com o contexto narrativo do Evangelho de Mateus, os
destinatários primeiros do discurso foram os discípulos e as multidões que se
reuniram à beira-mar para ouvir Jesus (Mt 13,1-2). Porém, mais do que
reconstituir e descrever fielmente um acontecimento concreto da vida de Jesus,
o evangelista organizou o discurso para responder às necessidades da sua
comunidade que vivia um momento de crise, como já contextualizamos nos domingos
anteriores.
Tendo em vista que o contexto já foi bastante
evidenciado nos dois últimos domingos, podemos dispensar hoje uma
contextualização mais ampla, embora seja necessário recordar alguns elementos.
Ora, tendo já apresentado as diversas características do Reino dos Céus por
meio das quatro parábolas anteriores, nas três de hoje o objetivo do
evangelista é motivar os seguidores e seguidoras de Jesus e a própria
comunidade a fazer uma opção absoluta pelo Reino, preferindo-o a qualquer outra
realidade ou bem. Por isso, as parábolas de hoje são mais motivadoras do que
descritivas, propriamente. Isso se evidencia, sobretudo, nas duas primeiras,
principalmente, a do tesouro e a do comprador de pérolas (vv. 44-46),
respectivamente. Elas são, acima de tudo, motivações para a acolhida do Reino
do que uma mera descrição comparada desse. O encontro com o Reino e seus
valores exige uma decisão e tomada de posição radicais e inadiáveis. A terceira
parábola do texto de hoje e última do discurso retoma a descrição, evidenciando
as contradições e a diversidade que compõem o Reino dos Céus, prevenindo a comunidade
cristã de qualquer tendência ao puritanismo e segregação, convidando-a à
aceitação da diversidade e à inclusão. Certamente, essa era uma das principais
preocupações de Jesus e do evangelista Mateus, que via o risco da mentalidade
separatista do farisaísmo se instalar na sua comunidade.
Feitas as devidas observações a nível de contexto,
olhamos para o texto, começando pela primeira parábola, que é bastante curta,
pois corresponde apenas ao primeiro versículo: «O Reino dos céus é como um
tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de
alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo» (v. 44).
Um tesouro no contexto da época, era um vaso de argila cheio de moedas valiosas
e joias que os proprietários enterravam em suas propriedades quando percebiam
perigo de guerras, invasões ou saques. Apesar de não se tratar de um
acontecimento tão frequente, a descoberta de um tesouro na antiguidade era uma
possibilidade bem real, de modo que os primeiros ouvintes-leitores do Evangelho
compreendiam bem a imagem. Ora, quando um proprietário de terras tinha de fugir
às pressas por causa de uma invasão, enterrava o seu tesouro, imaginando um dia
voltar para recuperá-lo. No entanto, dificilmente retomava a posse da terra;
essa passava para outros proprietários que não sabiam do tesouro escondido. Por
isso, geralmente, esses tesouros eram encontrados muito tempo depois de
enterrados, por pessoas que não sabiam da sua existência; daí a ideia de
surpresa subentendida no texto, seguida da mencionada alegria. Por sinal, uma
palavra-chave no Evangelho de hoje é exatamente alegria, como uma
característica essencial de quem encontrou o Reino e a ele aderiu
plenamente.
A respeito do homem que encontra o tesouro, o texto
não diz muita coisa. Não sabemos o que fazia antes, se estava no campo por
acaso ou trabalhando. O que sabemos é que ele encontrou um motivo para mudar a
sua vida. Encontrou algo pelo qual valia a pena renunciar a tudo o que possuía
para ficar somente com o bem precioso que tinha acabado de encontrar. A chamada
de atenção de Jesus para os discípulos e a multidão, e de Mateus para a sua
comunidade, visa deixar ainda mais claro que o Reino deve ser a primeira opção
de quem o encontra. O Reino desestabiliza a normalidade das coisas, é
reviravolta, subversão, é o revés da ordem estabelecida, tanto a política
quanto a religiosa, embora comece de modo acanhado e silencioso, como a postura
do homem ao encontrar o tesouro, que não fez alarde, o manteve escondido até a
posse definitiva. Essa discrição inicial do Reino já havia sido mostrada nas
parábolas anteriores, sobretudo a da semente de mostarda e a do fermento na
massa, lidas no domingo passado. O homem encontrou o tesouro por acaso, ou
seja, sem fazer esforço algum. Essa é uma das possibilidades de encontro com o
Reino, pois como já tinha dito o próprio Jesus, «o Reino dos céus está
próximo» (Mt 10,17), ou seja, é ele quem vem ao encontro das pessoas,
embora sejam feitas exigências para experimentá-lo: «convertei-vos» (Mt
10,17). A decisão do homem da parábola significa uma verdadeira conversão, pois
foi fruto de uma mudança de mentalidade. Ele se deu conta que não valia a pena
continuar com os bens que possuía, tendo encontrado algo muito mais valioso. Ao
desfazer-se de todos os bens para possuir um único bem mais valioso do que
tudo, ele demonstrou grande desapego, fruto de discernimento, certamente. Ora,
não basta contemplar nem saber que o Reino dos céus chegou, é necessário fazer
esforço para nele entrar; esse esforço consiste em deixar de lado tudo o que
não é compatível com ele, como fez o homem dessa primeira parábola e vai fazer
o personagem da segunda
A segunda parábola tem muita semelhança com a
primeira. Também nela se evidencia a necessidade de uma tomada de decisão
radical, embora sejam bem evidentes também as diferenças. Na segunda, o Reino é
comparado à pessoa que procura e encontra algo, e não ao objeto encontrado,
propriamente. Eis o que diz o texto: «O Reino dos céus é como um comprador
de pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai,
vende todos os seus bens e compra aquela pérola» (vv. 45-46). Também nessa,
as informações sobre o homem envolvido são poucas. Tudo indica que se trata de
um homem experiente e inquieto, capaz de distinguir o valioso do vulgar. É
alguém que sabe avaliar as coisas, examinando-as de modo minucioso, como fruto
da experiência e da busca constante. Assim como o da parábola anterior, também
esse homem encontra algo que lhe faz tomar uma decisão radical. Porém, ao
contrário do homem que encontrou o tesouro por acaso, na primeira parábola,
nessa segunda se trata de um homem que buscava. Lidas juntas, as duas parábolas
mostram que não há contradição entre dom e esforço. A conquista do Reino exige
esses dois elementos. O Reino é dom gratuito de Deus ao mundo, mas não se entra
nele sem esforço, pois, para fazer parte dele são feitas exigências.
Na primeira parábola, o tesouro foi encontrado como
puro dom, sem nenhuma busca: o homem simplesmente encontrou. Na segunda, o
personagem é alguém que procura, seleciona criteriosamente o que tem grande
valor e o que não tem. O importante em ambas as situações é a decisão tomada ao
encontrar algo que pode mudar o sentido da vida. O mais relevante não é a forma
como cada coisa foi encontrada, mas a decisão tomada para possuí-la, conforme a
linguagem das parábolas, o que corresponde à busca pelo Reino e a inserção
nele. Em cada situação, a decisão tomada de vender todos os bens para possuir o
objeto encontrado recorda a decisão dos primeiros discípulos chamados por
Jesus, as duas duplas de pescadores às margens do mar da Galileia: ao ouvir o
chamado de Jesus, eles deixaram tudo para segui-lo (Mt 4,18-22). Naquela
ocasião, não houve venda e compra, mas a decisão de deixar tudo. É claro que a
participação no Reino não depende de um processo de compra e venda. Não se
trata de relação comercial nem de lógica mercadológica. Os exemplos das
parábolas do tesouro e do comprador de pérolas visam apenas ilustrar a
necessidade de tomar decisão para entrar no Reino. Por sinal, os objetos de
valor em questão – tesouro e pérola preciosa – são imagens tradicionais da
Bíblia, sobretudo da tradição sapiencial, para representar realidades de valor
imensurável, como a sabedoria e a própria Lei, no Antigo Testamento. Portanto,
a decisão dos dois personagens de vender todos os bens corresponde ao deixar
tudo dos discípulos e discípulas de Jesus, em todos os tempos, para viver uma
vida pautada pelos valores do Reino: justiça, amor, solidariedade, acolhimento,
sinceridade, alegria e coragem para lutar contra tudo o que impede o seu
crescimento.
A última parábola do discurso, a terceira do
evangelho de hoje, é aquela da rede jogada ao mar: «O Reino dos céus é ainda
como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo. Quando está
cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e recolhem os peixes
bons em cestos e jogam os que não prestam» (vv. 47-48). Muitos estudiosos
insistem em relacioná-la com aquela do joio e do trigo, refletida no domingo
passado (Mt 13,24-30). É certo que existem semelhanças entre as duas, mas as
diferenças são bem maiores. Naquela do joio e do trigo, quem semeou a semente
nociva foi um inimigo, enquanto o dono do campo e da semente boa dormia. Nessa
da rede, os peixes bons e ruins têm uma mesma origem, não são frutos da ação de
dois personagens diferentes. Essa diferença é muito importante. Ora, desde a
comunidade apostólica, havia na Igreja a tendência equivocada de querer ser uma
comunidade de santos, justos ou eleitos, ou seja, uma comunidade separada e
isolada. Essa tendência, comum no judaísmo da época, era e é um entrave para a
concretização do Reino. Com essa parábola da rede, bem mais do que com a do
joio e o trigo, Jesus apresenta o universalismo do Reino, marcado pela
diversidade e inclusão, e sua exposição aos perigos. Como as parábolas
respondem a uma situação de crise da comunidade, é interessante retornar às
origens, ao primeiro chamado: «Vinde, segui-me, e eu farei de vós pescadores
de homens» (v. 4,19). Essa parábola é, portanto, um convite para os
discípulos retornarem às origens do chamado. Ora, Jesus não os chamou para irem
à procura de pessoas boas e santas, mas simplesmente para “pescar seres
humanos”, ou seja, ir ao encontra da humanidade inteira, sem distinção nem
classificação, como uma rede que apanha todo tipo de peixe.
Com a parábola do joio e o trigo Jesus pedia
tolerância e paciência. Com essa da rede, Ele vai além: pede inclusão,
aceitação e abertura constante, pois a rede envolve, junta, mistura tudo. A
semente era jogada em um terreno conhecido, mesmo que não fosse previamente
preparado. O mar onde é lançada a rede, ao contrário, é sempre imprevisível,
pois o movimento dos ventos e das águas foge de qualquer controle. Isso significa
um desafio para a comunidade e uma advertência a qualquer tendência separatista
e segregadora. Na comunidade cristã não pode ter juízes, mas apenas irmãos e
irmãs. Por isso, a explicação alegórica da parábola projeta, em linguagem
apocalíptica, a separação definitiva para o final dos tempos, e diz que essa
será feita por anjos, seres de outra esfera, e não pelas lideranças da
comunidade: «Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar
os homens maus dos que são justos. E lançarão os maus na fornalha de fogo. E aí
haverá choro e ranger de dentes» (v. 50). As explicações das parábolas são
sempre acréscimos do evangelista ou dos continuadores de suas tradições. Aqui,
faz-se uma advertência aos membros da comunidade, provavelmente às lideranças,
para evitar julgamentos, preconceitos e condenações. É uma forma de dizer que
ninguém pode julgar o outro na comunidade. No final do Evangelho, quando
retomar o tema do juízo, Jesus dirá que o critério no julgamento será a opção
pelos pequenos, pobres e marginalizados.
No final, após contar toda a série de parábolas,
Jesus faz uma pergunta simples, mas profunda, aos discípulos, os primeiros
destinatários de todo o discurso: «Compreendestes tudo isso?» (v. 51).
Ora, Jesus apresentou o Reino dos céus em sete parábolas; como o número sete
evoca perfeição e totalidade, é como se Jesus dissesse que tinha dito tudo
sobre o Reino, e que é necessário compreendê-lo em sua totalidade. A
compreensão aqui significa a aceitação da sua mensagem com as consequências que
essa implica; não se trata da abstração teórica de um conteúdo, mas de
assimilar um jeito novo de viver. Embora a resposta dos discípulos tenha sido
positiva, a história e a própria continuação do Evangelho de Mateus mostram
que, na verdade, eles ainda não tinham compreendido tudo. O importante, no
entanto, é a disposição para compreender e, para isso, é necessário fazer da
vida uma busca constante pelo maravilhoso tesouro que é «o Reino de Deus e a
sua justiça» (Mt 6,33). A conclusão do discurso é um convite reforçado ao
discernimento: «Então Jesus acrescentou: ‘Assim, pois, todo o mestre da Lei,
que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do
seu tesouro coisas novas e velhas’» (v. 52). Alguns poucos estudiosos
consideram esse versículo como uma nova parábola, mas a aceitação dessa ideia é
mínima, sobretudo porque elevaria para oito o número de parábolas do discurso,
o que comprometeria a ideia de perfeição da exposição de Jesus sobre o Reino,
representada pelo número de sete parábolas. Para muitos estudiosos, esse
versículo é também um traço autobiográfico do próprio autor Mateus: ele é um
exemplo de escriba (mestre da Lei) que se tornou discípulo, conservou e soube
tirar coisas novas e velhas do grande tesouro que são as tradições de Israel.
Inclusive, é o evangelista que mais teve cuidado de buscar elementos da
Escritura (Antigo Testamento) para justificar e fundamentar a mensagem de
Jesus. Nessa perspectiva, as coisas velhas são a Lei e os profetas, enquanto as
coisas novas são os ensinamentos de Jesus, que ele mesmo considerou como o
pleno cumprimento da Lei e dos profetas (Mt 5,17).
Considerando o evangelho de hoje e o dos últimos
domingos, nos quais foi tão bem-apresentado o Reino dos Céus com sua dinâmica e
suas características essenciais, urge pensar e repensar o agir cristão atual e
as estruturas de nossas comunidades com seus planos e propósitos. É importante
questionar se as prioridades assumidas contribuem para a construção do Reino e
se evidenciam a sua presença no mundo. Muitas vezes, o que se tem buscado é
manter estruturas enrijecidas, obsoletas, incapazes de transmitir vida, amor e
humanização. É importante, portanto, despertar o interesse pelo Reino como bem
absoluto, com coragem de abrir mão de tudo o que não condiz com a sua dinâmica.
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