15 janeiro - Quem está preocupado e cheio de ansiedade para
agir, comete injúria a Deus e não reza com o coração o “Pater noster”
Pai-Nosso. Aceitemos pura e simplesmente o que Deus nos manda, sem aflição e
sem tristeza. (L 23).). São Jose Marello
João 1,29-34
Naquele tempo, 29João viu
Jesus aproximar-se dele e disse: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo. 30Dele é que eu disse: Depois de mim vem um homem que passou
à minha frente, porque existia antes de mim. 31Também eu não o
conhecia, mas se eu vim batizar com água, foi para que ele fosse manifestado a
Israel”. 32E João deu testemunho, dizendo: “Eu vi o Espírito descer,
como uma pomba do céu, e permanecer sobre ele. 33Também eu não o
conhecia, mas aquele que me enviou a batizar com água me disse: ‘Aquele sobre
quem vires o Espírito descer e permanecer, este é quem batiza com o Espírito
Santo’. 34Eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus!”
A liturgia do segundo
domingo do Tempo Comum sempre propõe um texto joanino, independente do
evangelista do ano. Neste ano, o texto proposto é João 1,29-34, a continuação
do testemunho de João Batista sobre Jesus, apresentando-o como Cordeiro e Filho
de Deus. Trata-se de um texto denso, como é todo o Evangelho de João.
Para uma compreensão mais adequada do
texto é necessário fazer uma pequena observação ou correção na versão
litúrgica: ao invés da genérica e desnecessária expressão ‘Naquele tempo’, o
texto original possui uma delimitação temporal específica, infelizmente,
omitida pela liturgia. De fato, o versículo 29 é introduzido pela expressão “No
dia seguinte”; pode parecer apenas um detalhe, porém é muito importante.
Eis, portanto, a forma correta: “No dia
seguinte, João viu Jesus aproximar-se dele e disse: ‘Eis o Cordeiro de Deus,
que tira o pecado do mundo’” (v 29). Ora, o Quarto Evangelho apresenta a famosa
‘semana inaugural’ da vida pública de Jesus, e a expressão omitida pela
liturgia, ‘No dia seguinte’, nos distância do contexto daquela semana.
O primeiro dia foi marcado pela
comitiva enviada pelas autoridades religiosas de Jerusalém para interrogar João
sobre sua identidade (cf. Jo 1,19-28), e o último ou sétimo foi o dia das bodas
de Caná (cf. Jo 2,1), o qual é introduzido pela “no terceiro dia”, mas em
relação aos quatro dias anteriores e, portanto, é o sétimo da primeira semana.
Essa observação é interessante porque
nos faz perceber que o evangelista João apresenta o início do ministério de
Jesus evocando a criação, também ritmada pela estrutura de uma semana (cf. Gn 1,1
– 2,4). O Evangelho de hoje, portanto, apresenta o segundo dia da nova criação,
ou seja, do novo tempo que o autor do Quarto Evangelho quer apresentar.
Um dia após ter sido interrogado pelos
comissários de Jerusalém, “João viu Jesus aproximar-se dele” (v. 29a). É
necessário perceber a importância da ação de Jesus: vir, aproximar-se, caminhar
em direção a alguém, no caso, João Batista. Uma nova ordem na história da
salvação está sendo inaugurada, e João a contempla como testemunha
privilegiada: é Deus quem vem ao encontro dos homens e mulheres, ou seja, ao
encontro da humanidade. À humanidade, cabe o papel de reconhecer, acolher e
testemunhar, como soube fazer o Batista.
Quanta alegria para quem era
considerado incapaz de ir até Deus (os pecadores), e quanta tristeza para quem
tinha ‘aprisionado’ Deus em um conjunto de ritos e um edifício (judaísmo
oficial da época)! De agora em diante, a crise será inevitável, pois duas
ordens entram em choque: a religião oficial e o novo jeito de manifestar-se de
Deus, em Jesus.
A reação de João Batista diante do que
estava contemplando foi decisiva e corajosa. Na verdade, com a afirmação “Eis o
Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (v. 29b), o Batista desmascarou
de vez toda a elite religiosa e política do seu tempo; não apenas colocou em
xeque as autoridades da época, mas decretou a completa falência delas.
Para a expressão “Cordeiro de Deus”,
muitas possibilidades de interpretação foram sugeridas ao longo da história,
umas convincentes e outras não, umas condizentes com a lógica do Quarto
Evangelho e outras não. Portanto, diversas perspectivas podem ser apresentadas.
Uma primeira perspectiva para a
compreensão dessa afirmação é a messiânica. Ora, estava consolidada no
imaginário do judaísmo da época, a imagem de um messias valente, guerreiro, rei
forte e potente; com a imagem do cordeiro, João desconstrói completamente essa
imagem, pois o cordeiro era símbolo da mansidão, o oposto das expectativas do
povo. Com isso, o evangelista quer dizer que o messias autêntico não é um
guerreiro lutador, mas homem manso e não violento. Porém, mansidão não quer
dizer resignação, como Jesus vai mostrar ao longo de sua vida pública. Lutou
incessantemente pela ruptura total dos costumes e tradições, mas sem jamais
empunhar as armas da violência.
A imagem do cordeiro representa a
primeira dimensão da identidade de Jesus; a segunda, será apresentada no final
do texto: a filiação divina (v. 34). A função salvífica do ‘Cordeiro’ também é
desanimadora para as aspirações religiosas nacionalistas da época: tirar o
pecado do mundo! Ora, esperava-se um messias potente e guerreiro como
libertador único e exclusivo de Israel e que viesse para exterminar os
pecadores; e João anuncia um messias manso como um cordeiro e de alcance
salvífico universal... que loucura!
Ao mesmo tempo que contradiz as
expectativas messiânicas, a imagem do cordeiro também desmascara o culto: já
não há mais necessidade de cordeiros e touros serem imolados no templo, pois um
só é o autêntico ‘Cordeiro’; esse, não ‘expia’ pecados, mas elimina
definitivamente o pecado do mundo; a eliminação do pecado do mundo representa a
falência total do templo: não há mais necessidade de comprar animais para
oferecer em sacrifício, uma vez que Deus veio ao encontro da humanidade, em
Jesus Cristo.
Jesus não veio para expiar os pecados,
mas para abolir o pecado e, não apenas de Israel, mas da humanidade inteira, ou
seja, ‘o pecado do mundo’. Tirar o pecado do mundo significa restabelecer na
humanidade a sua capacidade de comunicação com Deus. A visão de pecado do
Quarto Evangelho é completamente diferente daquela que a religião impôs; não é
a singular transgressão de regras criadas pela própria religião, mas a falta de
comunicação com Deus. E, quem tinha distanciado Deus da humanidade e, portanto,
impossibilitado essa comunicação, tinha sido a própria religião.
O Evangelho de Jesus é um projeto de
vida plena, marcado pela igualdade, fraternidade, justiça, solidariedade e
amor; é nesse projeto que Deus se revela e, portanto, faz desaparecer o pecado.
Logo, os sistemas cultuais expiatórios perdem seu sentido e seu valor. Para
quem vivia “às custas do pecado” do povo, como o templo de Jerusalém, essa nova
ordem é altamente prejudicial; na verdade, é destruidora.
O testemunho do Batista é importante
porque reconhece a necessidade de vir depois dele, alguém que já existia antes
dele (v. 30), ou seja, reconhece o quanto são maravilhosos os desígnios de
Deus: a humanidade não poderia permanecer nem perecer daquela forma e naquele
estágio; o que preexistia, deveria se manifestar, e João teve a graça de
testemunhar essa manifestação que marcou o início de uma nova humanidade ou
nova criação.
João tinha consciência de que, embora a
salvação agora contemplada, tivesse um alcance universal, seria manifestada
primeiro a Israel, através do sinal exterior do seu batismo com água (v. 31).
Portanto, no momento da eleição, por privilégio, no tempo de João, por
necessidade, Israel não poderia deixar de ser o primeiro campo de manifestação
dessa nova ordem ou etapa da história da salvação.
A continuidade do testemunho de João
atesta sua autenticidade: ele mesmo fez a experiência e viu “O Espírito descer
como uma pomba, do céu e permanecer sobre ele” (v. 32). Com essa imagem, João
atesta a provisoriedade do seu batismo e da religião: o Espírito desceu do céu
e permaneceu em Jesus; a morada da divindade na terra não é mais o templo...
Posteriormente, após a ressurreição, esse mesmo Espírito será enviado a toda a
humanidade.
João proclama que Jesus é a morada do
Espírito e, assim, a humanidade é transformada e reordenada. É a contemplação
da descida e permanência do Espírito em Jesus (v. 33) que dá a João a certeza
de que Ele é, inclusive, mais que Cordeiro: é o Filho de Deus (v. 34).
Sendo Filho de Deus, Jesus é ‘igual’ ao
Pai e, portanto, herdeiro; por ter em si o Espírito, somente Ele poderá doá-lo,
transmitindo-o a toda a humanidade, como fará após a ressurreição. Assim,
acolhendo, todos podem tornar-se também filhos de Deus (cf. Jo 1,12). De fato,
o reconhecimento de Jesus como Filho de Deus é o objetivo de todo o Quarto
Evangelho, como vem afirmado na primeira conclusão: “Esses sinais foram
escritos para crerdes que Jesus é o Filho de Deus” (Jo 20,31a). Por isso, logo
no início apresenta uma testemunha privilegiada, João Batista (cf. Jo
1,6-8.19.29.32.34), e no final, toda a comunidade dos discípulos e discípulas
(cf. Jo 20,1-31).
Esperava-se um Messias valente para
exterminar os pecadores... Deus enviou um, manso como um cordeiro, para tirar o
pecado do mundo, através de uma proposta nova de vida para todos,
principalmente os pecadores!
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