15 agosto - “Sic Maria dilexit mundum ut Filium suum unigenitum daret”: Maria amou tanto o mundo que por ele sacrificou o que tinha de mais precioso! (S 343). São José Marello
XXIV DOMINGO DO TEMPO COMUM – MARCOS 8,27-35 15 set 2024
Marcos 8,27-35
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus
Cristo + segundo
Marcos.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, 27Jesus partiu com seus discípulos para os povoados de Cesareia de Filipe. No caminho perguntou aos discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?”
28Eles responderam: “Alguns dizem que tu és
João Batista; outros que és Elias; outros, ainda, que és um dos
profetas”. 29Então
ele perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o
Messias”.
30Jesus proibiu-lhes severamente de falar a alguém
a respeito. 31Em
seguida, começou a ensiná-los, dizendo que o Filho do Homem devia sofrer muito,
ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei; devia
ser morto, e ressuscitar depois de três dias.
32Ele dizia isso abertamente. Então Pedro tomou
Jesus à parte e começou a repreendê-lo. 33Jesus voltou-se, olhou para os
discípulos e repreendeu a Pedro, dizendo: “Vai para longe de mim, Satanás! Tu
não pensas como Deus, e sim como os homens”.
34Então chamou a multidão com seus discípulos e
disse: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me
siga. 35Pois,
quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perder a sua vida por
causa de mim e do Evangelho, vai salvá-la”.
Olhando especificamente para o texto do evangelho de hoje, a nossa
primeira observação diz respeito à dimensão espacial: “Jesus partiu com
seus discípulos para os povoados de Cesaréia de Filipe” (v. 27b). Esse
dado possui grande relevância, considerando a localização e a importância da
cidade de Cesaréia de Filipe. Ora, como Cesareia estava localizada no extremo
norte da Galileia, em área já considerada pagã, esse dado representa uma
espécie de isolamento dos discípulos em relação à ideologia nacionalista. Lá,
eles estariam livres para emitir uma opinião isenta de qualquer influência
ideológica e preconceitos. Para reconhecer a verdadeira identidade de Jesus é
necessário isolar-se dos esquemas religiosos de Israel. Além disso, a cidade de
Cesareia, como o próprio nome indica, era uma homenagem a César, um dos títulos
de honra do imperador romano; logo, o reconhecimento de Jesus como messias, na
“cidade de César” representava a oposição do projeto do Reino de Deus às forças
de morte movidas pelo poder opressor romano.
Com esse dado, o evangelista quer ensinar que as duas primeiras
exigências para o seguimento convicto de Jesus é o rompimento com as
ideologias, religiosas principalmente, e a coragem para confrontar toda forma de
poder oposta ao Reino de Deus. Essa era a situação da comunidade do evangelista
Marcos, na época da redação do evangelho: escrito fora da Palestina, quando a
convivência com a comunidade judaica já tinha se tornado insuportável e,
especificamente, na cidade de Roma, capital do império, em época de forte
perseguição. Portanto, o evangelista, para fortalecer os cristãos da sua
comunidade, narra esse episódio para mostrar que aquela situação presente já
tinha sido prevista e vivida pelo próprio Jesus com seus primeiros discípulos.
Em situações de hostilidade, é necessário renovar as convicções para
continuar o seguimento. Assim, Jesus faz uma espécie de consulta a respeito da
sua própria imagem, não interessado em fama, mas somente para saber se estava
sendo compreendido juntamente com a sua mensagem; não era preocupação com sua
imagem pessoal, mas com a eficácia do anúncio na comunidade. Por isso,
ainda “no caminho, perguntou aos discípulos: ‘Quem dizem os homens que
eu sou?’” (v. 27). Aqui, o evangelista faz questão de evidenciar o aspecto
itinerante e a falta de comodidade no discipulado. Por isso, “o caminho” com os
inerentes perigos é lugar de catequese e anúncio, o que também reflete a
situação da comunidade do evangelista: expulsos da sinagoga, os cristãos já não
tinham lugar fixo para a pregação, buscando espaços alternativos, como as
casas, as estradas e até os cemitérios. Não obstante esses desafios, a clareza
e a convicção do seguimento são fundamentais para a vida da comunidade.
A pergunta sobre o que as outras pessoas diziam a seu respeito foi
apenas um pretexto. Na verdade, Jesus queria saber mesmo era o que seus
discípulos pensavam de si. Por isso, lhes perguntou: “E vós, quem
dizeis que eu sou?” (v. 29a). Que as pessoas de fora o conhecessem
apenas superficialmente, seria tolerável, mas dos discípulos, esperava-se uma
resposta mais profunda e convicta, como de fato aconteceu: “Pedro
respondeu: ‘Tu és o Messias’” (v. 29b). Aqui, Pedro fala em nome do
grupo. Essa é a resposta da comunidade. Embora correta, a resposta de Pedro e
da comunidade não é satisfatória, por isso, “Jesus proibiu-lhes
severamente de falar a alguém a seu respeito” (v. 30). Dizer que Jesus
é o Messias, é o mesmo que dizer o Cristo, como de fato ele era.
O que fez ele proibir Pedro de repetir essa fórmula foram as possibilidades de
incompreensão que essa comportava. Ora, o messias esperado pelos judeus, cujas
expectativas foram alimentadas por muitos séculos, desde a época do exílio, era
um guerreiro, um restaurador do reino de Davi. Essas expectativas diziam
respeito a um único povo e religião, enquanto a mensagem de Jesus é
universalista e acessível a todos os seres humanos, independentemente de
qualquer cultura, etnia e religião. Portanto, podemos afirmar que Pedro deu a
resposta correta – Jesus é mesmo o Cristo – mas não tinha ainda a consciência
ideal – Jesus não veio para restaurar o reino de Davi, mas para implantar o
Reino de Deus, como realidade universal.
Diante do equívoco dos discípulos, representados por Pedro, Jesus
inaugura uma nova etapa da sua catequese, buscando revelar a sua verdadeira
identidade de messias “às avessas”: o messias descendente de Davi, esperado
pelos judeus, era um guerreiro, viria ao mundo para combater e matar os
inimigos de Israel, restaurando o trono outrora ocupado por Davi e Salomão;
Jesus mostra que sua missão é o contrário de tudo isso: “o Filho do
Homem devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e
doutores da lei; devia ser morto, e ressuscitar depois de três dias” (v.
31). Esse é o primeiro dos três anúncios da paixão presentes no evangelho. Ao
invés de matar, o Messias Jesus é quem padece e, por consequência, essa deveria
ser também a sorte dos seus discípulos.
Fechado na mentalidade nacionalista, Pedro não aceita um messias
sofredor, por isso, “tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo” (v.
32). Essa atitude de Pedro é absurda e inaceitável. O verbo repreender (em
grego: επιτιμαω – epítimao)
significa condenar por um erro, reprovar bruscamente; fazendo isso, Pedro nega
a sua condição de discípulo, e é chamado por Jesus a assumir o seu verdadeiro
lugar: “Jesus voltou-se, olhou para os discípulos e repreendeu a Pedro,
dizendo: ‘Vai para longe de mim, Satanás! Tu não pensas como Deus, e sim como
os homens’” (v. 33). Jesus, como mestre, tem autoridade para
“repreender” e condenar a atitude absurda de Pedro. Ao chama-lo de satanás,
Jesus está apenas dizendo que, com aquela postura, Pedro está sendo obstáculo
para o Reino de Deus.
Pedro queria evitar a cruz para Jesus e seus companheiros. Jesus, ao
contrário, afirma que a cruz é condição para o seguimento (v. 34). Porém, ao
contrário do que a tradução litúrgica do texto afirma, Jesus não manda Pedro
para longe, mas apenas para trás de si. Aqui, ele usa a mesma expressão do
chamado vocacional: “segue-me” – empregada em Mc 1,17; 8,34 (em
grego: ovpi,sw mou – opísso mu). Jesus repreende Pedro, mas não o
expulsa do grupo, apenas diz “vai para trás de mim”, “assume teu lugar de
discípulo”, ou simplesmente “segue-me”. Com isso, o evangelista ensina que a
última palavra na comunidade deve ser sempre a de Jesus. O discípulo nunca deve
tomar o lugar do mestre, assim como, na comunidade cristã, nenhuma pessoa pode
ter a última palavra, pois essa é sempre de Jesus.
Devido a tentação de Pedro, querendo suavizar o seguimento, diminuindo as
suas consequências, Jesus aproveita para reforçar as convicções e a necessidade
de disposição de dar a vida por sua causa e pelo Evangelho (vv. 34-35). De
fato, o discipulado é incompatível com o egoísmo e a falta de coragem de dar a
vida por causa do Evangelho. A comunidade se torna, de fato, cristã, ou seja,
discípula, quando encontra o seu verdadeiro lugar: sempre atrás do mestre, no
seguimento, não impondo os pensamentos humanos, mas apenas seguindo e fazendo o
que Jesus pediu.
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