08 setembro - Sinto-me feliz em saber que a alegria espiritual reina entre os filhos de São José. (L 168). São Jose Marello
Marcos 7,31-37
Naquele tempo, 31Jesus saiu de novo da região de
Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galileia, atravessando a
região da Decápole. 32Trouxeram então um homem surdo, que falava com
dificuldade, e pediram que Jesus lhe impusesse a mão. 33Jesus
afastou-se com o homem, para fora da multidão; em seguida, colocou os dedos nos
seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele. 34Olhando para
o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!” 35Imediatamente
seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem
dificuldade.
36Jesus recomendou com insistência que
não contassem a ninguém. Mas, quanto mais ele recomendava, mais eles
divulgavam. 37Muito impressionados, diziam: “Ele tem feito bem todas
as coisas: Aos surdos faz ouvir e aos mudos falar
No vigésimo terceiro domingo do tempo comum, a liturgia oferece Marcos 7,31-37 para o Evangelho, texto que contém o relato da cura de um surdo-mudo por Jesus, em terras pagãs. Esse episódio é exclusivo do Evangelho segundo Marcos, e possui grande significado para a sua teologia, o que se evidencia pela riqueza de pormenores que traz, desde a dimensão espacial até a forma como se dá a relação de Jesus com o personagem por ele curado. O episódio do evangelho de hoje é, portanto, paradigmático. Nele, Jesus revela o máximo da sua pedagogia do cuidado e da atenção.
Tendo decretado a inutilidade e o fim das leis de pureza alimentar, como
refletimos no domingo passado (cf. Mc 7), Jesus praticamente aboliu, pelo menos
para os seus seguidores, qualquer obstáculo que impedisse a relação com os
povos pagãos. Ora, como nada do que é externo pode tornar a pessoa humana
impura, mas somente o que é gerado no coração, não pode mais haver impedimento
para o contato físico e a convivência fraterna com as pessoas de outras etnias
e religiões diferentes. Por isso, Jesus fez, logo em seguida, uma pequena
campanha missionária em terras pagãs, cumprindo, também ali, sinais semelhantes
aos já cumpridos na Galileia, com duas curas exemplares: a expulsão de um
demônio da filha de uma mulher pagã, a siro-fenícia (cf. 7,24-30) – episódio
saltado pela liturgia – e a cura de um surdo-mudo, episódio do evangelho de
hoje: 7,31-37.
Os relatos de milagres de Jesus relacionados com os olhos, os ouvidos e
a língua têm um significado simbólico muito relevante, sobretudo no Evangelho
segundo Marcos. Mais que uma demonstração de poderes sobrenaturais de Jesus, é
uma oportunidade para o evangelista chamar a atenção da comunidade cristã a
respeito das suas necessidades concretas, com as deficiências que a impedem de
um seguimento mais perseverante e fiel. É também uma forma de reforçar, entre
os membros da comunidade, a responsabilidade na luta pela superação de todas as
barreiras que impedem as pessoas de viver com a justa e necessária dignidade,
bem como um convite à inclusão, tolerância e respeito às diferenças individuais
e culturais.
A grande densidade simbólica do episódio narrado no evangelho de hoje já
se evidencia no primeiro versículo, com a descrição de uma dimensão espacial
completamente improvável: “Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou
por Sidônia e continuou até o mar da Galileia, atravessando a região da
Decápole” (v. 31). A forma como o versículo está estruturado no texto
litúrgico não denuncia a incoerência do percurso, mas em uma tradução melhor
isso se torna muito evidente. Porém, como sabemos, os evangelhos não são livros
de crônicas, mas de teologia. O importante nessa descrição é a passagem de
Jesus por regiões pagãs, abrindo o horizonte da comunidade para essa
necessidade. Tanto Tiro, quanto Sidônia e as dez cidades da Decápole eram
terras pagãs. Com isso, o evangelista diz que, ao contrário da lei, o evangelho
não é destinado apenas a Israel, mas ao mundo inteiro. Nenhuma barreira
cultural ou religiosa pode impedir a difusão do evangelho, a boa notícia que,
de fato, comunica vida.
Após os indicativos espaciais, o evangelista apresenta o personagem com
quem Jesus irá interagir: um homem surdo, que falava com dificuldade. Além de
mostrar a necessidade de inclusão das pessoas portadoras dessas necessidades, o
evangelista quer descrever a situação da comunidade: fechada para ouvir a boa
nova, essa se torna também incapaz de anunciar, ou seja, de falar do amor e da
justiça propostos por Jesus. Essa precisa ser ajudada, como foi o personagem do
evangelho: “Trouxeram então um homem surdo, que falava com dificuldade,
e pediram que Jesus lhe impusesse a mão” (v. 32). O gesto de alguém
ter levado o homem até Jesus revela a necessidade da comunidade para a
experiência da fé. É importante que quem já conhece o evangelho facilite para
que outras pessoas também possam conhece-lo, não obstante as dificuldades e
barreiras. A surdez era sinônimo de maldição, conforme a mentalidade judaica,
pois impedia a pessoa de ouvir a proclamação e a explicação da torá; ora, sem
as normas da torá, o ser humano estava perdido, sem rumo, impedido de caminhar
retamente. Ao colocar Jesus em contato com um homem surdo e que fala com
dificuldade, o primeiro ensinamento transmitido pelo evangelista é a acolhida e
a inclusão.
A acolhida de Jesus ao homem deficiente que lhe portaram, revela a
grandeza da sua pedagogia: ele olha para cada um em particular, e age de acordo
com as reais necessidades. A imagem da multidão no evangelho, tem um papel
ambíguo e, na maioria das vezes, negativo; representa a indecisão, a falta de
compromisso, a superficialidade e a indiferença ao evangelho. Por isso, um
passo importante para a conversão é afastar-se da multidão, como mostra o
evangelista: “Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão; em
seguida, colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a
língua dele” (v. 33). Esse afastar-se não significa puritanismo nem
exclusão, mas a profundidade da relação estabelecida por Jesus: o seu contato é
pessoal, ele olha e toca em cada um e cada uma, olha nos olhos, interage, cria
relação. Afastar-se da multidão é, também, o primeiro passo para se tornar
discípulo e discípula.
Os gestos descritos pelo evangelista são muito significativos: toca nos
ouvidos e cospe com a saliva. Esses gestos significam o cuidado ímpar que Jesus
dispensa a cada necessitado. Ao tocar, ele deixa sua marca no outro, transmite
a sua essência. Tocando nos ouvidos, ele doou o dom da escuta ao Evangelho. As
palavras comprometedoras do Evangelho não conseguem ressoar em quaisquer
ouvidos; antes de tudo, é um dom, como ele estava concedendo aquele homem. Do
dom da escuta, nasce o do anúncio; é esse o sentido do tocar na língua com a
saliva. Para a mentalidade semita, a saliva continha o espírito da pessoa; por
isso, o evangelista quer afirmar que Jesus transmitiu seu espírito vivificador
àquele homem, tornando-o apto também para o anúncio.
A sequência do episódio mostra, ainda mais, a sua importância; o
evangelista diz que, Jesus “olhando para o céu, suspirou e disse:
“Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!” (v. 34). Ora, o detalhe de Jesus
olhar para o céu é raro ao longo dos evangelhos. Ele não faz isso em qualquer
situação. Esse gesto significa a oração e a comunhão com Deus, o Pai. É o
reconhecimento dos limites das forças humanas e a confiança no divino, o que
revela ainda mais a importância desse sinal. O imperativo “abri-te” (em aramaico:
efatá) é uma ordem dada não apenas aos órgãos deficientes (ouvidos e língua),
mas a toda a pessoa. O verbo grego usado pelo evangelista (διανοιγω – dianóigo) significa abrir completamente,
escancarar, como deve ser o ser humano diante do Evangelho, para que esse possa
ser elemento transformador.
À ordem de Jesus, segundo o texto, “imediatamente seus ouvidos
se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade” (v.
35). Isso revela a mudança radical que a palavra de Jesus é capaz de provocar
no ser humano. O evangelista insiste, com isso, na urgência com que a
comunidade cristã deve estar atenta ao Evangelho. É preciso ter ouvidos abertos
e atentos para ouvir, e a língua livre para anunciar. Sendo aquele homem um
pagão, o evangelista quer dizer que o anúncio do Evangelho não é privilégio de
um povo, como era a lei, mas um dom ofertado a todas as nações. Os critérios de
etnia, religião e cultura não tem valor algum diante da palavra de Jesus. O que
importa é ter coração disponível para o amor.
Como é praxe em Marcos, mais uma vez “Jesus recomendou com
insistência que não contassem a ninguém. Mas, quanto mais ele recomendava, mais
eles divulgavam” (v. 36). Embora nunca fosse atendido, Jesus costumava
pedir segredo quando cumpria um gesto prodigioso. Ele temia que sua fama de
messias se espalhasse com distorções, embora nesse episódio essa ordem não
tenha muito sentido, pois a fama de messias se espalhava entre os judeus e,
nesse caso, ele se encontrava em território pagão. A ênfase aqui é dada na
difusão da sua atividade também em terras pagãs, ou seja, fora de Israel.
A conclusão é muito significativa, pois associa a obra de Jesus à
criação: “Muito impressionados, diziam: “Ele tem feito bem todas as
coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar” (v. 37). Ora, fazer
bem todas as coisas é a característica do Deus Criador que, ao final de cada
obra criada, contemplava que aquilo era muito bom (cf. Gn 1). Fazer bem as
coisas é, portanto, agir como Deus. Fazer os surdos ouvir e os mudos falar é a
realização das expectativas messiânicas anunciadas pelo profeta Isaías (cf. Is
35,5), o que significa uma nova criação. Assim, Jesus, restituindo a vida e a
dignidade àquele homem, recria à imagem do Pai, fazendo bem, e elevando a
criação a sua máxima realização.
Como destinatários do evangelho, hoje, somos chamados, antes de tudo, a
permitir que sejam escancarados nossos ouvidos a tudo o que Jesus ensinou, para
que, vivendo tudo isso, seja autêntico o nosso anúncio. Como comunidade de fé,
devemos promover a libertação em todas as instâncias, sobretudo, identificando
na multidão, quem necessita de cuidado e atenção especiais, como fez Jesus com
o homem surdo que falava com dificuldade. Que a ordem “abri-te” continue
ecoando, para tornar nossas comunidades mais acolhedoras, compreensivas,
inclusivas e abertas.
A vida cristã não é festa e alegria constante. Atravessamos fases de desolação, momentos obscuros e ruins, em que as coisas parecem perder o sentido. O momento da cruz desafia a fé. E justamente nesse momento que é preciso resistir. Junto à cruz, firmes e perseverantes, lá estavam a mãe de Jesus e algumas mulheres. O sim de Maria, dado a Deus quando jovenzinha, agora é reafirmado. Qualidade importante do seguidor de Jesus é a perseverança, compromisso de vida que perdura no tempo de crise. Jo 19,25
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