06 outubro – Sede monges em casa e apóstolos fora de casa. (M 9/94/19).
Lucas 10,38-42
- O senhor não se importa que a
minha irmã me deixe sozinha com todo este trabalho? Mande que ela venha me
ajudar.
Aí o Senhor respondeu:
- Marta, Marta, você está agitada e
preocupada com muitas coisas, mas apenas uma é necessária! Maria escolheu a
melhor de todas, e esta ninguém vai tomar dela."
Paulo
se dirige aos fiéis da Galácia (Gl 1,13-24) para fazer uma espécie de
apologia pessoal. A atitude dos gálatas provocou no apóstolo a necessidade de
lhes esclarecer o seguinte:
Primeiro,
que todo judeu era zeloso de sua religião e das tradições de seus pais, mas
intolerante com todo aquele que tentasse sequer desfazer-se daquelas tradições
até o extremo de persegui-los.
Chamado,
contudo, por aquele mesmo a quem perseguia fora enviado a pregar o Evangelho da
graça, primeiro a seus correligionários e logo aos gentios. Paulo esclarece que
ao ter recebido diretamente a revelação de Jesus Cristo não considerou
necessária a autoridade dos outros apóstolos para dar início a seu trabalho
evangelizador.
Somente
depois de três anos sobe a Jerusalém para conhecer a Cefas com quem permaneceu
por quinze dias. Para Paulo, a autoridade de seu Evangelho e de sua missão
estava, pois no mesmo Jesus que teve por bem chamá-lo pessoalmente.
Para
Lucas, Jesus é o homem livre e libertador. Um homem comum daquela época não
teria entrado na casa dessas mulheres a não ser que estivesse em companhia de um
homem. É que não era comum que a mulher recebesse a visita de um varão.
Em
casa, Maria assume o papel que concretamente era desempenhado pelo homem:
receber o visitante. Maria descobre facilmente que aquela visita não é comum,
que o hóspede à sua frente vai modificando e até, se se quiser, passando por
cima de uma série de coisas que até então eram obstáculo para a vivência da
verdadeira liberdade interior (e isso não lhe será tirado).
Com
Jesus, o Evangelho começa pelo mais humilde, pelo mais marginalizado, mas isso
não é compreendido por todos. Marta não consegue entender as coisas desse
modo; para ela, a novidade do reino, a verdade que Jesus vai propagando ao
longo de seu caminho ainda não ganhou forma em sua vida, talvez Jesus lhe cause
muito boa impressão, fale muito bonito, relacione-se com todo mundo, a ponto de
visitá-las em sua casa, mas nada mais além disso.
As
coisas continuam iguais para ela, seu papel de mulher conhecedora do que tem de
fazer quando há hospede em casa, não muda. Não pode entender o que acontece com
Maria. Seu apego ao que é mandado, ao que está estabelecido não lhe permite
ver, e menos ainda experimentar, a novidade do reino trazida por Jesus que se
deu ao trabalho de a levar até sua própria casa.
Na
prática, a resposta de Jesus a Marta é esta: “trata de quebrar tantas barreiras
para que possas experimentar a mesma alegria, o mesmo sentimento de Maria”.
Jesus,
que vai subindo para Jerusalém, detectou, ao longo de seu ministério na
Galiléia e pelo caminho, estas duas atitudes: captação da novidade do reino e
“abandono”, relativização em tudo mais. Resistência, não tanto rejeição, mas
resistência. Lucas condensa esta constatação no relato da visita a Marta e
Maria.
Esta narrativa foi tardiamente interpretada na Igreja como se a opção pela vida contemplativa fosse melhor do que a vida ativa.
Com certeza, se consideramos superficialmente e fora do contexto algumas ações aqui narradas, podem-nos parecer injustas como, por exemplo, a atitude de Maria que não ajuda Marta nas tarefas domésticas. Mas se olharmos para além do ato mesmo e nos perguntarmos pelos motivos que levaram Maria a subtrair-se dos afazeres de casa, entenderemos que não é por preguiça, mesquinhez ou falta de solidariedade.
Ela deseja ocupar-se com algo de suma importância, aproveitar uma ocasião única, levando-se ainda em conta sua condição feminina: “ouvir os ensinamentos de Jesus”.
O que poderia ter maior importância que aprender as
palavras de Jesus de seus próprios lábios, aprofundar seu significado,
encontrar-se entre os privilegiados que podiam ouvi-lo diretamente, entre
aqueles que podiam perguntar-lhe por sua correta interpretação?
O próprio Jesus nos orienta acerca de ficarmos atentos “a coisas melhores”, às únicas que são realmente importantes. Quantas vezes nos deixamos imbuir pelos afazeres cotidianos, pelos cuidados do dia-a-dia? Quantas vezes, ficamos soterrados por montanhas de trabalho, de tarefas importantes, sim, mas não substanciais? Quantas vezes privilegiamos o atendimento do urgente em detrimento do que realmente é importante?
As palavras de Jesus nos convidam a fazer uma parada em nossos frenéticos trabalhos cotidianos para refletir sobre o transcendental; para aprender sobre seus próprios ensinamentos.
Costumamos pensar que os que se dedicam à vida contemplativa, quer dizer, consagram-se a Deus para viver num convento ou mosteiro de clausura, assumiram o papel de Maria de Betânia, enquanto os demais, que nos dedicamos à luta pela sobrevivência, à atividade pastoral e a enfrentar os problemas do dia a dia, optamos pela parte de Marta. Contudo esta divisão severa de papéis corresponde à mensagem do Evangelho.
Lucas nos convida a ‘escolhermos a melhor parte’, quer
dizer, a de nos convertermos em ouvintes e servidores de Jesus; para que,
reconhecendo quando ele se manifesta em nossa vida, nos disponhamos a escutá-lo
sem titubeios.
Certamente, como cristãos, não podemos renunciar à
dimensão contemplativa da relação com Deus, porque é o fundamento de nossa
identidade discipular.
Se não nos fizermos ouvintes dos ensinamentos do Mestre,
o que iremos anunciar? Se não formos servidores de sua Palavra, em que vamos
crer?
Temos de vencer os pudores e vergonhas do cristianismo convencional, e nos pormos em contato com os pés do Mestre para descobrir neles o caminho que nos conduz para o Reino.
Devemos nos aproximar dessa humanidade simples do Mestre
de Nazaré, para descobrir em seus ensinamentos o mistério de sua divindade
escondida pelos séculos.
A maior parte de nós – e de modo primordial os leigos – é chamada a testemunhar Cristo, vivendo no mundo, para procurar sua transformação de acordo com o Evangelho como perfeito “fermento na massa”. Compatibilizar os dois papéis implica uma sabedoria que temos de pedir a Deus com humildade e constância.
Vivemos num mundo apressado hoje. Corre para aqui corre para lá! Mas nos esquecemos que correr não quer dizer crescer. Na fúria consumista, o homem perde os valores da contemplação e da prece.
O Senhor pede para parar um pouco e ouvir. Escute Deus falar-lhe das coisas do céu! Não tenha pressa de sair quando está na missa. Ou na oração. Esqueça o tempo do mundo e viva o tempo da graça de Deus e com Deus.
Você escuta voluntariamente a Palavra de Deus? Na missa,
o sermão não se torna enjoativo? O povo prefere estar parado na frente da
televisão. O jornal e o rádio têm preferência à palavra divina proclamada na
igreja.
Existem muitas “Santas Martas” que convivem em nosso meio: mães, avós, tias, vizinhas, amigas, que nos acolhem tão bem em suas casas, por mais ingratos que sejamos. Elas apenas oferecem o que têm de melhor. E, às vezes, precisam ser lembradas que ainda mais importante do que deixar a casa impecável para recebê-lo, é preciso abrir a porta do coração para receber Jesus.
Portanto, o importante é ouvir. Jesus certamente apreciava o trabalho de Marta, mas não aprovava que ela pensasse só no trabalho.
Hoje devemos juntar as duas coisas: o trabalho e a escuta da Palavra, porque a melhor parte não é aquela que multiplica as coisas; a melhor parte é aquela que torna Deus presente em nós; então, o silêncio é mais eloqüente do que todas as palavras. No meio da escuridão do mundo de hoje, a escuta se torna difícil.
Propósito:
Pai, que o meu agir não seja movido por um ativismo
insensível à palavra de Jesus. Antes, seja toda a minha ação decorrência da
escuta atenta desta palavra.
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