01
Jan - SOLENIDADE DE MARIA, SANTA MÃE DE DEUS.
Com
grande sabedoria, São Gregório de Nazianzo afirmou que, quem não reconhece
Maria como verdadeira Mãe de Deus, não crê na Divindade, é ateu. Prostrados aos
vossos pés santíssimos, ó Maria, vos proclamamos como verdadeira Mãe de Deus e,
de hoje em diante, vos escolhemos
como nossa Mãe celestial! (S 32).
São Jose Marello
Lucas 2,16-21
"Eles foram depressa, e
encontraram Maria e José, e viram o menino deitado na manjedoura. Então
contaram o que os anjos tinham dito a respeito dele. Todos os que ouviram o que
os pastores disseram ficaram muito admirados. Maria guardava todas essas coisas
no seu coração e pensava muito nelas. Então os pastores voltaram para os
campos, cantando hinos de louvor a Deus pelo que tinham ouvido e visto.
E tudo tinha acontecido como
o anjo havia falado.
Uma semana depois, quando
chegou o dia de circuncidar o menino, puseram nele o nome de Jesus. Pois o anjo
tinha dado esse nome ao menino antes de ele nascer."
Para
marcar a conclusão da oitava de natal e o início do novo ano civil, a Igreja
celebra a solenidade da Santa Mãe de Deus, Maria, recordando a afirmação do
Concílio de Éfeso (ano 431) que a definiu como “Theotókos”, cujo significado
literal é “aquela que gerou Deus”. O objetivo da Igreja com esta festa e com a
definição conciliar, no entanto, é afirmar a identidade de Jesus como
verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e não necessariamente promover o culto e a
devoção a Maria. Inclusive, até o ano de 1970, esta festa se chamava “festa da
circuncisão de Jesus”, fundamentada na tradição judaica de circuncidar as
crianças do sexo masculino no oitavo dia após o nascimento, como aconteceu, sem
dúvidas, com Jesus. O título atual da festa já é, portanto, fruto da reforma
litúrgica do Concílio Vaticano II.
No
ano de 1968, o então papa Paulo VI proclamou este dia – primeiro de janeiro –
também como o Dia Mundial da Paz, convidando a inteira humanidade a empenhar-se
na construção da paz e da fraternidade universal. Isso torna esta celebração
ainda mais significativa.
O
evangelho lido na liturgia deste dia é a continuação quase exata daquele da
noite de Natal, sendo separado por apenas um versículo: Lc 2,15. Enquanto na
noite de Natal o evangelho foi Lc 2,1-14, na solenidade de hoje o texto
proposto é Lc 2,16-21. Por isso, consideramos que o primeiro passo para uma boa
compreensão do evangelho de hoje é recordar o versículo que o antecede: «Quando
os anjos os deixaram e foram para o céu, os pastores disseram uns aos outros:
‘Vamos já a Belém para ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer’»
(Lc 1,15). Ora, os pastores ficaram maravilhados com a Boa Notícia que o anjo
lhes tinha anunciado: um Salvador nasceu para eles, naquela noite (cf. Lc
2,10). E, ao anúncio do anjo, seguiu-se o canto da multidão da corte celeste
que desceu à terra, para junto dos pastores, proclamando a glória de Deus nos
céus e a correspondente paz na terra entre a humanidade (cf. 2,13-14).
Portanto, era inevitável a surpresa e a perplexidade nos pobres pastores, assim
como a dúvida, afinal, conforme os parâmetros religiosos da época, eles seriam
os últimos a receber uma mensagem do céu, pois pertenciam à categoria das
pessoas mais simples e marginalizadas, e eram considerados impuros, compondo o
último estrato social e religioso da época.
Uma
das grandes novidades de Jesus, desde o nascimento, foi contradizer o que a sua
religião tinha afirmado sobre o Messias e sobre Deus. Ora, a religião oficial
tinha classificado as pessoas como puras e impuras, justas e pecadoras,
imaginando que a vinda do Messias seria marcada pelo extermínio das
classificadas como impuras e pecadoras, como eram considerados os pastores na
época. Ao invés de seguir as determinações da religião, Jesus preferiu, desde o
início, exatamente as categorias excluídas, contradizendo e frustrando muitas
expectativas. É nessa perspectiva que podemos e devemos compreender a reação
dos pastores ao anúncio do nascimento de Jesus. A eles, a religião tinha
ensinado que estava fora de cogitação a salvação, pois eram gente da pior
qualidade e que não observava a Lei. De repente, eles recebem um anúncio de
salvação e sentem-se amados por Deus. Além, disso, a religião de Israel tinha
alimentado as expectativas pela vinda de um messias poderoso, guerreiro e
glorioso, e o que veio foi uma criança pobre, nascida em condições sub-humanas.
Perplexos diante de tudo isso, eles decidiram ir a Belém para conferir e tirar
todas as dúvidas (cf. Lc 2,15).
Diante
de uma novidade sem precedentes, é impossível esperar, por isso diz o texto que
«Os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria, José, e o recém-nascido
deitado na manjedoura» (v. 16). Merece destaque a expressão adverbial “às
pressas” (em grego: σπεύσαντες – speussantes), a qual possui grande relevância
no vocabulário da teologia lucana: encontra-se logo após o anúncio do anjo a
Maria, introduzindo a visita a Isabel (cf. Lc 1,39), e na ordem de Jesus a
Zaqueu, para que desça da árvore, para acolher a salvação em sua casa (cf. Lc
19,5-6). Isso quer dizer que, para Lucas, a salvação é uma Boa Notícia que não
pode ser adiada, mas deve ser experimentada sem demora, com urgência. Tanto
quem recebe quanto quem proclama o anúncio da salvação devem ter pressa. No
caso dos pastores, mais ainda: como passaram a vida inteira às margens,
sofrendo o desprezo e a exclusão, não poderiam mais perder tempo. Para eles e
todas as categorias de pessoas marginalizadas, a inclusão tem de ser agora,
hoje. Por isso, foram às pressas a Belém.
Se
os pastores ficaram surpresos com o anúncio do anjo, talvez tenham ficado mais
ainda com o que viram em Belém: «encontraram Maria, José, e o recém-nascido
deitado na manjedoura» (v. 16b). Na verdade, encontraram tudo conforme lhes
tinha sido anunciado (cf. Lc 2,12), mas é impossível que não tenham se
surpreendido, tamanha a reviravolta na história. Ouviram que tinha nascido para
eles um Salvador, e encontram na manjedoura, junto aos pais, uma pequena
criança, provavelmente em meio às moscas e esterco de gado, sem nenhum sinal
distintivo que revelasse glória ou poder, atributos próprios de um salvador.
Porém, o que encontraram confirmava o que lhes tinha sido anunciado (cf. Lc
2,12). Apesar da inevitável surpresa, veio a consciência da novidade e da nova
história que estava começando. Ora, se tivesse nascido um Salvador conforme as
expectativas da religião oficial, os pastores não conseguiriam sequer chegar
perto, e seriam os últimos a saber. Aos poucos, foram compreendendo que um novo
tempo com uma nova ordem estava surgindo, quem estava às margens estava
passando para o centro, como eles. E essa mudança só se tornava possível porque
o Salvador veio identificado com eles. Nesta cena, Lucas delineia o primeiro
grande esboço de uma Igreja pobre e para os pobres!
Na
sequência, o evangelista diz que os pastores «tendo-o visto, contaram o que
lhes fora dito sobre o menino» (v. 17), tornando-se assim, também eles,
mensageiros de salvação, portadores de Boa Notícia. Contaram que o anjo lhes
aparecera anunciando o nascimento do Salvador, e que depois “uma multidão da
corte celeste” baixou perto deles glorificando a Deus e anunciando a paz em toda
a humanidade (cf. Lc 2,10-14). Contaram coisas maravilhosas, de modo que quem
os escutava também se maravilhava, ou seja, ficavam perplexos, admirados, pois,
até então, não se tinha notícia de um Deus que fizesse conta de gente pouco
importante e sem currículo, como eram eles, conforme os padrões da sociedade e
da religião da época. Com isso, o evangelista ensina que os pastores foram os
primeiros evangelizados com o nascimento de Jesus e se tornaram os primeiros
evangelizadores de tão grande acontecimento. Assim, Lucas faz deles modelos de
anunciadores, prefigurando neles a missão dos apóstolos e dos discípulos e
discípulas de todos os tempos. De fato, mais adiante, no auge da missão e
sofrendo as primeiras perseguições, os apóstolos vão confirmar a fidelidade
seguindo o exemplo dos pastores: «não podemos deixar de falar sobre o que vimos
e ouvimos» (At 4,20). Não calar diante do que se vê e se ouve é exigência
básica da evangelização. E os pastores foram os primeiros a fazer isso.
De
todas as pessoas que ouviram o relato dos pastores e ficaram maravilhadas, o
texto destaca a reação de Maria como mais profunda, com menos surpresa e mais
reflexão. Afinal de contas, ela já estava habituada às maravilhas de Deus, pois
foi a primeira destinatária do anúncio salvífico através do anjo Gabriel (cf.
Lc 1,26-38) e tinha assistido à exaltação de Isabel quando a visitou (cf. Lc
1,39-52). No entanto, ela não deixará de maravilhar-se, pois a trajetória de
Jesus lhe trará outras surpresas, como no episódio da apresentação no templo,
quando ela e José ficarão admirados com o que se dizia do menino (cf. Lc 2,33).
A reação de Maria é diferenciada, pois nela o evangelista está construindo a
imagem da discípula modelo: «guardava todos esses fatos e meditava sobre eles
em seu coração» (v. 19). Se na atitude dos pastores já havia esboço do modelo
de discípulo e discípula, esse modelo se aperfeiçoa em Maria: não basta contar
o que se vê e se escuta, mas é necessário também meditar, assimilar bem,
interiorizar. O verbo grego empregado pelo evangelista, traduzido pelo
lecionário como “meditar” (συμβαλλω – symbálô), possui um significado ainda
muito mais profundo: quer dizer “colocar junto”, “unir”, “reunir”. E era isso
que Maria fazia: percebia os diversos sinais e acontecimentos do agir de Deus e
juntava-os, fazendo sua própria síntese, cuja melhor demonstração está no canto
do Magnificat: uma síntese da história da salvação, com ênfase na opção de Deus
pelos pobres e humildes de sempre.
Certamente,
a meditação de Maria consistia em relacionar os acontecimentos do presente com
as ações libertadoras de Deus ao longo da história, como ela mesma já
expressara no Magnificat (cf. Lc 1,46-55) e experimentara em sua vida. É
exatamente aqui que ela se sobressai sobre os demais ouvintes, porque ela
guardava, ou seja, escutava com atenção tudo o que os pastores tinham dito, e
juntava com o que já sabia: as palavras do anjo Gabriel e as declarações de
Isabel, e o histórico de Deus em favor dos pobres e humildes. Aquela que já era
mãe, inicia agora uma nova etapa, o discipulado, e isso ela vai fazer ao longo
de toda a sua vida e a de Jesus. Ao invés de ver os fatos isoladamente, ela vai
juntando cada um, unindo as peças e percebendo, no seu coração, que a história
da salvação está sendo reescrita com novos parâmetros, uma inversão de ordem:
os últimos, como ela e os pastores, passaram a ser os primeiros. E é essa a
prova de que o Reino de Deus, de fato, irrompeu na história. Nesse sentido,
Maria se torna autêntica intérprete da nova história da salvação, sendo, por
isso, modelo ideal de discípula e discípula.
Tendo
comprovado e visto que tudo o que lhes tinha sido anunciado era verdade, «os
pastores regressaram, glorificando e louvando a Deus» (v. 20). Realmente, não
faltavam motivos para os pobrezinhos dos pastores glorificarem a Deus! É
importante lembrar que a alegria e o louvor também são traços bem
característicos de Lucas; quem faz a experiência do amor misericordioso de Deus
reage louvando e glorificando. O louvor dos pastores mostra que, em Jesus, o
abismo entre o humano e o divino foi eliminado; céus e terra foram unidos
definitivamente. Cantar glória a Deus era função dos anjos no céu que,
excepcionalmente desceram à terra e louvaram a Deus diante dos pastores (cf. Lc
1,13-14), mas logo retornaram para o céu. Agora, também aos pastores, os
últimos da terra, tem esse direito. Temos aqui uma mudança completa de
paradigma: o que era privilégio dos primeiros do céu, se torna acessível aos
últimos da terra. O louvor continuado dos pastores mostra que a experiência
vivenciada por eles foi verdadeira. O mistério contemplado deixou marcas
permanentes. Eles não assistiram apenas a um evento, mas se tornaram
participantes e construtores de uma etapa nova da história. Regressaram
transformados, renovados, animados, se sentindo gente de verdade. Por isso,
daquele momento em diante, dificilmente eles deixaram de anunciar tudo o que
tinham visto, escutado e vivido.
No
final, vem evidenciado o papel importante de José e Maria na educação de Jesus,
levando para a circuncisão conforme previa a lei e, ao mesmo tempo, a liberdade
que tinham para seguir mais a Deus do que a Lei: «Quando se completaram os
oitos dias para a circuncisão do menino, deram-lhes o nome de Jesus como fora
chamado pelo anjo antes de ser concebido» (v. 21). A circuncisão não era
exclusividade de Israel. Era um costume comum a vários povos do antigo Oriente,
sendo que a motivação era por questão de higiene e saúde. Em Israel se
transformou em preceito religioso, passando a ser o principal sinal de pertença
de um homem ao povo eleito. Com esse dado, Lucas reforça a concretude da
encarnação. O que está sendo evidenciado mesmo é o nome dado à criança: Jesus,
cujo significado é o “Senhor salva”. A Lei determinava que se desse o nome de
um parente próximo. Contudo, o nome Jesus fora indicado pelo anjo, no momento
do anúncio (cf. Lc 1,31). Com isso, Lucas mostra que, entre a Lei e o Espírito
Santo, Maria e José preferiram se orientar pelo Espírito Santo, prefigurando,
assim, mais uma característica da comunidade cristã. E Lucas faz essa
referência à circuncisão mais como dado cronológico do que mesmo identitário. O
importante aqui é o nome que sintetiza a missão de Jesus. E o conjunto dos
eventos, do anúncio do nascimento até aqui, mostra a atualidade desse nome.
O
significado do nome Jesus é “Deus salva”, porque agora a salvação entrou
definitivamente na história, como o anjo tinha anunciado aos pastores: «Hoje,
nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor» (cf. 2,11). Portanto, hoje,
especialmente, é mais do que justo recordarmos a Mãe desse Salvador, e seguir
seu exemplo de discípula fiel.
Já que os bons momentos da vida sempre passam
rápido, faço o possível para que sejam inesquecíveis e acompanhados de muitos
sorrisos.
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