11 dezembro - Um
único bom propósito, fecundado, bem examinado, enriquecido, sempre lembrado,
serve a vida toda para fazer o bem. (S 35).
São Jose Marello
Mateus 11, 2-11
Quando João Baptista, que estava na
prisão, ouviu falar das obras de Cristo, enviou-lhe alguns dos seus discípulos
com esta pergunta: "És tu aquele que há-de vir, ou devemos esperar
outro?" Jesus deu-lhes esta resposta: "Vão contar a João aquilo que
vêem e ouvem: os cegos vêem, os coxos andam, os que têm lepra são curados, os
surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e aos pobres é anunciada a Boa Nova.
E feliz aquele que não se escandalizar comigo." Depois de os discípulos de
João se terem ido embora, Jesus começou a falar a respeito dele ao povo:
"Que é que foram ver no deserto? Uma cana abanada pelo vento? Que é que lá
foram ver? Um homem bem vestido? Bem sabem que os homens que andam bem vestidos
se encontram nos palácios reais. Mas, afinal, que é que lá foram ver? Um
profeta? Sim! E digo-vos ainda: ele é mais do que um profeta. Pois é aquele de
quem as Escrituras dizem: Enviarei o meu mensageiro à tua frente para te
preparar o caminho. E fiquem sabendo isto: entre os homens não houve ninguém
maior do que João Baptista. No entanto, o mais pequeno no Reino dos céus é
maior do que ele.
COMENTÁRIO
Neste terceiro domingo do advento, o
evangelho nos apresenta a figura de João, o Batista, como personagem importante
no caminho de preparação para o reconhecimento do Senhor que já veio, embora
estejamos empenhados ainda nos preparativos festivos do seu nascimento, visando
a solenidade do seu natal que se aproxima. O texto proposto para hoje, Mateus
11,2-11, apresenta a dúvida ou crise de João quanto à messianidade de Jesus
(vv. 2-3) e a resposta do próprio Jesus (vv. 5-6), seguida de um importante
testemunho a respeito do seu “precursor” (vv. 7-11). Alguns estudiosos,
inclusive, intitulam esta perícope de “A crise do Batista”
Para compreendermos a dúvida de João e
suas motivações, é necessário ter em mente o conteúdo do evangelho do segundo
domingo do advento (Mt 3,1-12), o qual foi saltado pela liturgia, infelizmente,
devido a coincidência com a data da solenidade da Imaculada Conceição. O texto
omitido (Mt 3,1-12) apresentava alguns traços das características da figura de
Batista, bem como o conteúdo do seu anúncio messiânico, ou seja, sua descrição
do messias por ele esperado. Portanto, a dúvida apresentada no Evangelho de
hoje deve-se ao fato de que Jesus não correspondeu, como Messias, às
expectativas alimentadas por João Batista.
Mas, quais foram as expectativas
alimentadas por João Batista? Ou melhor, que traços de messias ele descreveu?
Ora, assim como muitos de seu tempo, João esperava um messias potente,
guerreiro e juiz que, de fato, viesse para recompensar os bons e castigar os
maus; tinha usado imagens muito fortes como o machado na raiz das árvores,
pronto para cortar (cf. Mt 3,10), o fogo que queima a palha (cf. Mt 3,12). Ele
esperava um messias que viesse mais para condenar do que para salvar, por isso
frustrou-se, uma vez que Jesus veio somente para salvar (cf. Lc 19,10). Em outras
palavras, João anunciou um messias severo demais, enquanto Jesus veio
misericordioso demais.
Só podemos compreender bem o Evangelho
de hoje à luz destes aspectos introdutórios que recordamos. E iniciamos nossa
compreensão partindo das primeiras informações: “João estava na prisão” (v. 2a);
os motivos da prisão de João serão apresentados somente no capítulo quatorze,
embora já os conheçamos: a denúncia da relação ilegítima de Herodes com
Herodíades, a esposa de seu irmão Filipe (cf. Mt 14,1-12). Uma vez preso, João
poderia dar como cumprida a sua missão, uma vez que, ao contrário de todos os
profetas que vieram antes, ele conseguiu ver o messias com os próprios olhos,
inclusive o batizou (cf. Mt 3,14-15).
Houve, no entanto, uma inquietação em João: “tendo
ouvido falar das obras do Cristo” (v. 2b). De fato, as obras do Cristo eram
preocupantes para quem tinha idealizado nele o messias esperado pelas antigas
tradições judaicas, como apresentamos na introdução. Ao invés de condenação,
Jesus cumpria somente obras de salvação, como cura de doenças (cf. Mt 8,14-15;
9,27-31), inclusive de leprosos (cf. Mt 8,1-4), libertação de demônios (cf. Mt
8,28-34), e o pior: ao invés de condenar os pecadores, como João havia predito,
Jesus gostava era de misturar-se com eles.
Além de não cumprir certos ritos e práticas
devocionais caras a João e a muitos da sua época, Jesus ainda incentivava seus
discípulos a fazerem o mesmo, levando-os a uma discussão com os próprios
discípulos de João sobre o jejum (cf. Mt 9,14-17). Nessa ocasião da discussão
sobre o jejum, os discípulos de João preferiram se alinhar aos fariseus,
aqueles mesmos que tinham sido chamados de “cobras venenosas” por João (cf. Mt
3,7), o que vem a confirmar, ainda mais, a insatisfação de João e seus
discípulos com as atitudes de Jesus.
E, se as obras de Jesus deixaram João embaraçado,
muito mais ainda deve ter ficado com as palavras dele, como: “Felizes os
mansos, felizes os misericordiosos, felizes os que promovem a paz” (Mt
5,4.7.8), “amai os vossos inimigos” (Mt 5,43), “não julgueis para não serdes
julgados” (Mt 7,1). Foi ouvindo falar sobre isso, e muito mais, que João enviou
alguns discípulos para fazer uma pergunta decisiva a Jesus.
A pergunta de João deixa muito clara a
sua preocupação: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (v.
3). Mais que preocupação, essa pergunta reflete angústia e decepção. Realmente,
pela prática de Jesus, as informações que chegavam até João não poderiam
animá-lo; na verdade, ele tinha dado características messiânicas que Jesus não
tinha. Ao invés do rigorismo predito pelo Batista, Jesus apresentou-se cheio de
amor e misericórdia, não aplicando os terríveis castigos aos pecadores, como
esperava João. Portanto, a crise do Batista tornou-se inevitável.
João não foi o primeiro e nem o último
a se decepcionar com o nazareno. Por isso, a resposta de Jesus foi muito
serena, mas cheia de vida e de convicção: “Ide contar a João o que estais
ouvindo e vendo: os cegos recuperaram a vista, os paralíticos andam, os
leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são
evangelizados” (vv. 4-5). Jesus não responde com o tradicional “sim ou não”;
mas responde com o seu legado, o resultado das suas obras, sobre as quais João
ouviu falar e ficou preocupado (v. 2). Aqui, não entra em discussão a
autenticidade dos milagres e curas de Jesus, mas o que, de fato, estes sinais
representam: a renovação completa da humanidade. Com estas categorias de
pessoas sendo reabilitadas, Jesus está afirmando que o seu messianismo consiste
em restaurar, resgatar o que parecia perdido, ao invés de destruir com o fogo,
como tinha anunciado o Batista (cf. Mt 3,10.12).
Nessa resposta de Jesus está a certeza
de que o Reino dos céus que estava próximo, segundo João (cf. Mt 3,2), tinha,
finalmente, chegado. E, esse Reino é de inclusão e vida nova. Diante disso,
Jesus proclama uma bem-aventurança: “Feliz aquele que não se escandaliza por
causa de mim!” (v. 6); é provável que a desconfiança de João a seu respeito lhe
entristeceu um pouco, mas Jesus tinha consciência de que o Batista era fruto do
seu tempo e carregava em si os anseios de um povo e de uma tradição.
Assim, passado o desconforto inicial,
Jesus faz um grande elogio a João Batista, quando seus discípulos foram embora
levando a resposta. Nesse testemunho elogioso a respeito do Batista, Jesus
exalta suas qualidades de profeta, ressaltando seu testemunho, integridade,
honestidade e austeridade (v. 7-9). Para Jesus, João foi até maior do que todos
os antigos profetas. Nisso, é perceptível o afeto que unia os dois, apesar da
inegável crise. Se houve um pouco de angústia em Jesus ao receber o “ultimato”
dos discípulos de João, muito mais deve ter tido o próprio João pois,
encarcerado, não podia ver o que Jesus fazia, apenas ouvia falar a seu respeito
e, certamente, com distorções.
Jesus reconheceu a importância de João
Batista, interpretando-o, inclusive, à luz da Escritura, através da profecia de
Malaquias (cf. Ml 3,1): “É dele que está escrito: ‘eis que envio o meu
mensageiro à tua frente...” (v. 10). Fez-lhe um elogio tão grande, a ponto de
considerá-lo o maior dos seres humanos até então: “Em verdade vos digo, de todos
os homens que já nasceram, nenhum é maior do João Batista” (v. 11a). No
entanto, João pertence a uma ordem antiga, cujos esquemas não coincidem com a
nova ordem que Jesus veio inaugurar, o Reino dos céus. Esse Reino é uma
sociedade alternativa, incompatível com todas as formas de organização social
até então experimentadas. Para entrar nesse Reino, não contam os títulos de
honra e grandeza, mas apenas a adesão livre ao projeto libertador de Jesus,
cujo critério principal de pertença é a capacidade de fazer-se pequeno (cf. Mt
18,3; 19,14). Por isso, “o menor no Reino dos céus é maior do que ele” (v.
11b). Não se trata de uma desvalorização do Batista, mas de evidenciar que
Jesus inaugura uma nova humanidade em todos os sentidos.
Diante de tudo isso, queremos aprender
com o Batista a não ter medo de duvidar; é na dúvida que a fé autêntica pode
crescer e se tornar sólida. Mas, o que queremos, sobretudo, é abraçar o Reino
com seus valores e a humanidade nova proposta por Jesus, da qual somos
construtores. É assim que podemos perceber o Senhor que já está aqui, no meio
de nós!
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