18º Domingo do Tempo Comum - Ano B
1 Agosto 2021
Tema do 18º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 18º Domingo do Tempo Comum repete, no essencial, a
mensagem das leituras do passado domingo. Assegura-nos que Deus está empenhado
em oferecer ao seu Povo o alimento que dá a vida eterna e definitiva.
A primeira leitura dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo,
com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A acção de Deus não vai, apenas,
no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e
principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades
estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros
valores.
No Evangelho, Jesus apresenta-Se como o "pão" da vida que desceu do
céu para dar vida ao mundo. Aos que O seguem, Jesus pede que aceitem esse
"pão" - isto é, que escutem as palavras que Ele diz, que as acolham
no seu coração, que aceitem os seus valores, que adiram à sua proposta.
A segunda leitura diz-nos que a adesão a Jesus implica o deixar de ser homem
velho e o passar a ser homem novo. Aquele que aceita Jesus como o
"pão" que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma outra pessoa. O
encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical,
um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos,
face a si próprio e face ao mundo.
LEITURA I - Ex 16,2-4.12-15
Leitura do Livro do Êxodo
Naqueles dias,
toda a comunidade dos filhos de Israel
começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão.
Disseram-lhes os filhos de Israel:
«Antes tivéssemos morrido às mãos do Senhor na terra do Egipto,
quando estávamos sentados ao pé das panelas de carne
e comíamos pão até nos saciarmos.
Trouxestes-nos a este deserto,
para deixar morrer à fome toda esta multidão».
Então o Senhor disse a Moisés:
«Vou fazer que chova para vós pão do céu.
O povo sairá para apanhar a quantidade necessária para cada dia.
Vou assim pô-lo à prova,
para ver se segue ou não a minha lei.
Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel.
Vai dizer-lhes:
'Ao cair da noite comereis carne
e de manhã saciar-vos-eis de pão.
Então reconhecereis que Eu sou o Senhor, vosso Deus'».
Nessa tarde apareceram codornizes,
que cobriram o acampamento,
e na manhã seguinte havia uma camada de orvalho
em volta do acampamento.
Quando essa camada de orvalho se evaporou,
apareceu à superfície do deserto uma substância granulosa,
fina como a geada sobre a terra.
Quando a viram, os filhos de Israel perguntaram uns aos outros:
«Man-hu?», quer dizer: «Que é isto?»,
pois não sabiam o que era.
Disse-lhes então Moisés:
«É o pão que o Senhor vos dá em alimento».
AMBIENTE
A seção de Ex 15,22-18,27 desenvolve um dos grandes temas do Pentateuco:
a marcha pelo deserto. Aqui estamos, ainda, na primeira etapa dessa marcha - a
que vai desde a passagem do mar, até ao Sinai.
Três dos episódios apresentados nesta secção tratam o tema da murmuração do
Povo (cf. Ex 15,22-27; 16,1-21; 17,1-7). O esquema é simples e é sempre o
mesmo: o Povo desconfia e murmura diante das dificuldades, subleva-se contra
Moisés e chega a acusar Deus pelos desconfortos da caminhada; quando estão
prestes a sofrer o castigo pela sua revolta, Moisés intercede diante do Jahwéh
e o Senhor perdoa o pecado do Povo; finalmente, apesar do pecado, Jahwéh
concede ao Povo os bens de que este sente necessidade. Os relatos apresentam-se
sempre de uma forma dramática, com um crescendo de intensidade até ao desfecho
final, que se apresenta sempre na forma de uma intervenção prodigiosa de Deus,
em benefício do seu Povo.
Provavelmente, estes relatos têm por base elementos de carácter histórico
(dificuldades reais sentidas pelos hebreus que saíram do Egito com Moisés, no
seu caminho para a Terra Prometida, através do deserto do Sinai) e que ficaram
na memória coletiva; no entanto, os catequistas bíblicos estão mais
interessados em fazer catequese, do que em apresentar uma reportagem
jornalística da viagem (o episódio mistura uma catequese "jahwista",
do séc. X a.C. com uma catequese "sacerdotal", do séc. VI a.C). A
catequese apresentada pretende sempre avisar o Povo contra a tentação de
procurar refúgio e segurança fora de Jahwéh... Aqui, Israel fala em regressar
ao Egito, onde eram escravos, mas tinham pão e carne em abundância: o Egito
representa a tentação que o Povo sentiu, em tantas situações da sua história,
de voltar atrás, de abandonar os valores e a vida de Deus, de se instalar
comodamente em esquemas à margem de Deus. O catequista jahwista garante ao seu
Povo que Deus o acompanha sempre ao longo da sua caminhada e que só ele oferece
a Israel vida em abundância.
O episódio que hoje nos é proposto - o episódio das codornizes e do maná - é
situado no deserto de Sin, "que está entre Elim e o Sinai, no décimo
quinto dia do segundo mês após a saída da terra do Egito" (Ex 16,1). O
deserto de Sin estende-se de Kadesh-Barnea para ocidente.
A história das codornizes tem por base um fenómeno que se observa, por vezes,
na Península do Sinai: a migração em massa de codornizes que, depois de
atravessar o mar, chegam ao Sinai muito cansadas da viagem, pousam junto das
tendas dos beduínos e deixam-se apanhar com facilidade. A história do maná deve
ter por base uma pequena árvore ("tamarix mannifera") existente em
certas zonas do Sinai que, após ser picada por um inseto, segrega uma
substância resinosa e espessa que logo se coagula; os beduínos recolhem, ainda
hoje, essa substância (que chamam "man"), derretem-na ao calor do sol
e passam-na sobre o pão.
Vai ser com estes elementos - elementos que o Povo conheceu e que o
impressionaram, ao longo da marcha pelo deserto - que os catequistas bíblicos
vão "amassar" a catequese que nos transmitem no texto que nos é
proposto.
MENSAGEM
1. O episódio começa com a murmuração do Povo "contra Moisés e
contra Aarão" (vers. 2). Por estranho que pareça, Israel sente saudades do
tempo em que passou no Egito pois, apesar da escravidão, estava sentado
"ao pé de panelas de carne" e comia "pão com fartura"
(vers. 3). Ao longo da caminhada, vêm ao de cima as limitações e as
deficiências de um grupo humano ainda com mentalidade de escravo, demasiado
"verde" e sem maturidade, agarrado à mesquinhez, ao egoísmo, ao
comodismo, que prefere a escravidão à liberdade. Por outro lado, é um Povo que
ainda não aprendeu a confiar no seu Deus, a segui-lo de olhos fechados, a
responder sem hesitações às suas propostas, a segui-lo incondicionalmente no
caminho da fé.
2. A resposta de Deus é "fazer chover pão do céu" (vers. 4) e dar ao
Povo carne em abundância (vers. 12). O objetivo de Deus é, não só satisfazer as
necessidades materiais do Povo, mas também revelar-Se como o Deus da bondade e
do amor, que cuida do seu Povo, que está sempre ao seu lado ao longo da
caminhada, que milagrosamente entrega de bandeja a Israel a possibilidade de
satisfazer as suas necessidades mais básicas e de vencer as forças da morte que
se ocultam nas areias do deserto. Dessa forma, o Povo pode fazer uma
experiência de encontro e de comunhão com Deus, que se traduzirá em confiança,
em amor, em entrega. O cuidado, a solicitude e o amor de Deus experimentados
nesta "crise", não só ajudarão o Povo a sobreviver, mas irão permitir-lhe,
também, superar mentalidades estreitas e egoístas, fazendo-o ver mais além,
alargar os horizontes, tornar-se mais adulto, mais consciente, mais responsável
e mais santo. Israel aprende, assim, a confiar em Deus, a entregar-se nas suas
mãos, a não duvidar do seu amor e fidelidade... Israel aprende, neste percurso,
que Jahwéh é a rocha segura em quem se pode confiar nas crises e dramas da
vida.
3. O facto de se dizer que Deus apenas dava ao Povo a quantidade de maná
necessária "para cada dia" (vers. vers. 4) é uma bonita lição sobre
desprendimento e confiança em Deus. Ensina o Povo a não acumular bens, a não
viver para o "ter", a libertar o coração da ganância e do desejo de
possuir sempre mais, a não viver angustiado com o futuro e com o dia de amanhã;
ensina, também, a confiar em Deus, a entregar-se serenamente nas suas mãos, a
vê-lO como verdadeira fonte de vida.
ATUALIZAÇÃO
• Mais uma vez, a Palavra de Deus que nos é proposta dá-nos conta da
preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento
que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome
física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a
crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do
seu fechamento e a tomar consciência de outros valores. Para Deus,
"alimentar" o Povo é ajudá-lo a descobrir os caminhos que conduzem à
felicidade e à vida verdadeira. O Deus em quem nós acreditamos é o mesmo Deus
que, no deserto, ofereceu a Israel a possibilidade de libertar-se de uma
mentalidade de escravo e de descobrir o caminho para a vida nova da liberdade e
da felicidade... Ele vai conosco ao longo da nossa caminhada pelo deserto da
vida, vê as nossas necessidades, conhece os nossos limites, percebe a nossa
tendência para o egoísmo e o comodismo e, em cada dia, aponta-nos caminhos
novos, convida-nos a ir mais além, mostra-nos como podemos chegar à terra da
liberdade e da vida verdadeira. Este texto fala-nos da solicitude e do amor com
que Deus acompanha a nossa caminhada de todos os dias; convida-nos, também, a
escutar esse Deus, a aceitar as propostas de vida que Ele faz e a confiar
incondicionalmente n'Ele.
• As "saudades" que os israelitas sentem do Egito, onde
estavam "sentados junto de panelas de carne" e tinham "pão com
fartura", revelam a realidade de um Povo acomodado à escravidão, instalado
tranquilamente numa vida sem perspectivas e sem saída, incapaz de arriscar, de
enfrentar a novidade, de querer mais, de aceitar a liberdade que se constrói na
luta e no risco. Esta mentalidade de escravidão continua, bem viva, no nosso
mundo... É a mentalidade daqueles que vivem obcecados pelo "ter" e
que são capazes de renunciar à sua dignidade para acumular bens materiais; é a
mentalidade daqueles que trocam valores importantes pelos "cinco minutos
de fama" e de exposição mediática; é a mentalidade daqueles que têm como
único objetivo na vida a satisfação das suas necessidades mais básicas; é a
mentalidade daqueles que se instalam comodamente nos seus esquemas cómodos, nos
seus preconceitos e se recusam a ir mais além, a deixarem-se interpelar pela
novidade e pelos desafios de Deus; é a mentalidade daqueles que vivem voltados
para o passado, que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar os desafios
da história e a descobrir o que há de positivo e de desafiante nos novos
tempos; é a mentalidade daqueles que se resignam à mediocridade e que não fazem
nenhum esforço para que a sua vida faça sentido... A Palavra de Deus que nos é
proposta diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a
instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos e que nos impedem de
chegar à vida verdadeira, plenamente vivida e assumida; Ele vem ao nosso
encontro, desafia-nos a ir mais além, aponta-nos caminhos, convida-nos a
crescer e a dar passos firmes e seguros em direção à liberdade e à vida nova...
E, durante o caminho, nunca estaremos sozinhos, pois Ele vai ao nosso lado.
• A ideia de que Deus dá ao seu Povo, dia a dia, o pão necessário para a
subsistência (proibindo "juntar" mais do que o necessário para cada
dia) pretende ajudar o Povo a libertar-se da tentação do "ter", da
ganância, da ambição desmedida. É um convite, também a nós, a não nos deixarmos
dominar pelo desejo descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o nosso
coração da ganância que nos torna escravos das coisas materiais, a não vivermos
obcecados e angustiados com o futuro, a não colocarmos na conta bancária a
nossa segurança e a nossa esperança. Só Deus é a nossa segurança, só nele devemos
confiar, pois só Ele (e não os bens materiais) nos liberta e nos leva ao
encontro da vida definitiva.
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 77 (78)
Refrão: O Senhor deu-lhes o pão do céu.
Nós ouvimos e aprendemos,
os nossos pais nos contaram
os louvores do Senhor e o seu poder
e as maravilhas que Ele realizou.
Deus ordens às nuvens do alto
e abriu as portas do céu;
para alimento fez chover o maná,
deu-lhes o pão do céu.
O homem comeu o pão dos fortes!
Mandou-lhes comida com abundância
e introduziu-os na sua terra santa,
na montanha que a sua direita conquistou.
LEITURA II - Ef 4,17.20-24
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
Irmãos:
Eis o que vos digo e aconselho em nome do Senhor:
Não torneis a proceder como os pagãos,
que vivem na futilidade dos seus pensamentos.
Não foi assim que aprendestes a conhecer a Cristo,
se é que d'Ele ouvistes pregar e sobre Ele fostes instruídos,
conforme a verdade que está em Jesus.
É necessário abandonar a vida de outrora
e pôr de parte o homem velho,
corrompido por desejos enganadores.
Renovai-vos pela transformação espiritual da vossa inteligência
e revesti-vos do homem novo, criado á imagem de Deus
na justiça e santidade verdadeiras.
AMBIENTE
Continuamos a ler a Carta aos Efésios, essa "carta circular"
que Paulo escreve enquanto está na prisão (em Roma, durante os anos 61-63?) e
que envia a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor. É uma
carta (já o dissemos atrás) onde Paulo apresenta, de forma extremamente serena
e refletida, uma teologia amadurecida, completa, bem elaborada, sobre as
exigências da vida nova em Cristo.
A secção da Carta aos Efésios que vai de 4,1 a 6,20 (já o dissemos também no
passado domingo) é um texto parenética, que tem por objetivo principal exortar
os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Baptismo e com o seu
compromisso com Cristo. Depois de convidar os crentes a viverem na unidade do
amor (cf. Ef 4,1-6) e de lhes apresentar uma reflexão sobre a comunidade, Corpo
de Cristo formado por muitos membros (cf. Ef 4,7-13), Paulo exorta os cristãos
a viverem de acordo com a sua condição de Homens Novos em Cristo (cf.
4,14-5,14). O texto que nos é hoje proposto como segunda leitura é parte dessa
exortação.
MENSAGEM
O nosso texto é, fundamentalmente, um convite - feito com a veemência
que Paulo usava sempre nas suas exortações - a deixar a vida antiga e os
esquemas do passado, para abraçar definitivamente a vida nova que Cristo veio
propor.
Paulo usa duas expressões opostas para definir a realidade do homem antes do
encontro com Cristo e depois do encontro com Cristo. O homem que ainda não
aderiu a Cristo é, para Paulo, o homem velho, cuja vida é marcada pela
mediocridade, pela futilidade (vers. 17), pela corrupção, pela escravidão aos
"desejos enganadores" (vers. 22). O homem que já encontrou Cristo e
que aderiu à sua proposta é o homem novo, que vive na verdade (vers. 21), na
justiça e na santidade verdadeiras (vers. 24).
O Baptismo - o momento da adesão a Cristo - é o momento decisivo da
transformação do homem velho em homem novo. O próprio rito do Baptismo (o
imergir na água significa o morrer para a vida antiga de pecado; o emergir da
água significa o nascimento de um outro homem, purificado do egoísmo, do
orgulho, da auto - suficiência, do pecado) sugere a transformação e a
ressurreição do homem para uma vida nova - a vida em Cristo. A partir daí, o
homem devia adoptar uma nova maneira de pensar e de agir, consequência do seu
compromisso com Cristo e com a proposta de vida que Cristo veio apresentar.
Contudo, mesmo depois de ter optado por Cristo, o homem continua marcado pela
sua condição de debilidade e de fragilidade... Essa condição faz com que, por
vezes, sinta a tentação de regressar ao homem velho do egoísmo, do orgulho, do
pecado... O crente, animado pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada
dia a sua adesão a Cristo e a construir a sua existência de forma coerente com
os compromissos que assumiu no dia do seu Baptismo. O homem novo não é uma
realidade adquirida de uma vez por todas, no dia em que se optou por Cristo;
mas é uma realidade continuamente a fazer-se, que exige um trabalho contínuo e
uma constante renovação.
ATUALIZAÇÃO
• O cristão é, antes de mais, alguém que encontrou Cristo, que escutou o
seu chamamento, que aderiu à sua proposta. A consequência dessa adesão é passar
a viver de uma forma diferente, de acordo com valores diferentes, e com uma
outra mentalidade. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem,
uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus,
face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo. Antes de mais devemos tomar
consciência de que também nós encontrámos Cristo, fomos chamados por Ele,
aderimos à sua proposta e assumimos com Ele um compromisso. O momento do nosso
Baptismo não foi um momento de folclore religioso ou uma ocasião para cumprir
um rito cultural qualquer; mas foi um verdadeiro momento de encontro com
Cristo, de compromisso com Ele e o início de uma caminhada que Deus nos chama a
percorrer, com coerência, pela vida fora, até chegarmos ao homem novo.
• Paulo convida insistentemente os crentes a deixar a vida do homem
velho... O homem velho é o homem dominado pelo egoísmo, pelo orgulho, que vive
de coração fechado a Deus e aos irmãos, que vive instalado em esquemas de
opressão e de injustiça, que gasta a vida a correr atrás dos deuses errados (o
dinheiro, o poder, o êxito, a moda...), que se deixa dominar pela cobiça, pela
corrupção, pela concupiscência, pela ira, pela maldade e se recusa a escutar a
proposta libertadora que Deus lhe apresenta. Provavelmente, não nos revemos na
totalidade deste quadro; mas não teremos momentos em que construímos a nossa
vida à margem das propostas de Deus e em que negligenciamos os valores de Deus
para abraçar outros valores que nos escravizam?
• Paulo apela a que os crentes vivam a vida do homem novo. O homem novo
é o homem continuamente atento às propostas de Deus, que aceita integrar a
família de Deus, que não se conforma com a maldade, a injustiça, a exploração,
a opressão, que procura viver na verdade, no amor, na justiça, na partilha, no
serviço, que pratica obras de bondade, de misericórdia, de humildade, que dia a
dia dá testemunho, com alegria e simplicidade, dos valores de Deus. É este o
meu "projeto" de vida? Os meus gestos e atitudes de cada dia
manifestam a realidade de um homem novo, que vive em comunhão com Deus e no
amor aos irmãos?
• Todos nós, no dia do nosso Baptismo, optámos pelo homem novo... É
preciso, no entanto, termos consciência que a construção do homem novo nunca é
um processo acabado... A monotonia, o cansaço, os problemas da vida, as
influências do mundo, a nossa preguiça e o nosso comodismo levam-nos, muitas
vezes, a instalarmo-nos na mediocridade, nas "meias tintas", na não
exigência, na acomodação; então, o homem velho espreita-nos a cada esquina e
toma conta de nós... Precisamos de ter consciência de que em cada minuto que
passa tudo começa outra vez; precisamos de renovar continuamente as nossas
opções e o nosso compromisso, numa atenção constante ao chamamento de Deus. O
cristão não cruza os braços considerando que já atingiu um nível satisfatório
de perfeição; mas está sempre numa atitude de vigilância e de conversão, para
poder responder adequadamente, em cada instante, aos desafios sempre novos de
Deus.
ALELUIA - Mt 4,4b
Aleluia. Aleluia.
Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
EVANGELHO - Jo 6,24-35
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
quando a multidão viu
que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago,
subiram todos para as barcas
e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus.
Ao encontra- lo no outro lado do mar, disseram-Lhe:
«Mestre, quando chegaste aqui?»
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
vós procurais-Me, não porque vistes milagres,
mas porque comestes dos pães e ficastes saciados.
Trabalhai, não tanto pela comida que se perde,
mas pelo alimento que dura até à vida eterna
e que o Filho do homem vos dará.
A Ele é que o Pai, o próprio Deus,
marcou com o seu selo».
Disseram-Lhe então:
«Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?»
Respondeu-lhes Jesus:
«A obra de Deus
consiste em acreditar n'Aquele que Ele enviou».
Disseram-Lhe eles:
«Que milagres fazes Tu,
para que nós vejamos e acreditemos em Ti?
Que obra realizas?
No deserto os nossos pais comeram o maná,
conforme está escrito:
'Deu-lhes a comer um pão que veio do céu'».
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu;
meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu.
O pão de Deus é o que desce do Céu
para dar a vida ao mundo».
Disseram-Lhe eles:
«Senhor, dá-nos sempre desse pão».
Jesus respondeu-lhes:
«Eu sou o pão da vida:
quem vem a Mim nunca mais terá fome,
quem acredita em Mim nunca mais terá sede».
AMBIENTE
No passado domingo, João contou-nos como Jesus alimentou a multidão com
cinco pães e dois peixes, na "outra" margem do Lago de Tiberíades
(cf. Jo 6,1-15). Ao "cair da tarde" desse dia, Jesus e os discípulos
voltaram a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21).
O episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta situa-nos em Cafarnaum, no
"dia seguinte" ao episódio da multiplicação dos pães e dos peixes.
Nessa manhã, a multidão que tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes
multiplicados e que ainda estava do "outro lado" do lago apercebeu-se
de que Jesus tinha regressado a Cafarnaum e dirigiu-se ao seu encontro.
A multidão encontra Jesus na sinagoga de Cafarnaum - uma cidade situada na
margem ocidental do Lago e à volta da qual se desenrola uma parte significativa
da atividade de Jesus na Galileia. Confrontado com a multidão, Jesus profere um
discurso (cf. Jo 6,22-59) que explica o sentido do gesto precedente (a
multiplicação dos pães e dos peixes).
MENSAGEM
A cena inicial (vers. 24) parece sugerir, à primeira vista, que a
pregação de Jesus alcançou um êxito total: a multidão está entusiasmada,
procura Jesus com afã e segue-O para todo o lado. Aparentemente, a missão de
Jesus não podia correr melhor.
Contudo, Jesus percebe facilmente que a multidão está equivocada e que O
procura pelas razões erradas. Na verdade, a multiplicação dos pães e dos peixes
pretendeu ser, por parte de Jesus, uma lição sobre amor, partilha e serviço;
mas a multidão não foi sensível ao significado profundo do gesto, ficou-se
pelas aparências e só percebeu que Jesus podia oferecer-lhe, de forma gratuita,
pão em abundância. Assim, o facto de a multidão procurar Jesus e Se dirigir ao
seu encontro não significa que tenha aderido à sua proposta; significa, apenas,
que viu em Jesus um modo fácil e barato de resolver os seus problemas
materiais.
Na verdade, o gesto de repartir pela multidão os pães e os peixes gerou um
perigoso equívoco. Jesus está consciente de que é preciso desfazer, quanto antes,
esse mal-entendido. Por isso, nem sequer responde à pergunta inicial que Lhe
põem ("Mestre, quando chegaste aqui?" - vers. 25); mas, mal se
encontra diante da multidão, procura esclarecer coisas bem mais importantes do
que a hora da sua chegada a Cafarnaum... As palavras que Jesus dirige àqueles
que O rodeiam põem o problema da seguinte forma: eles não procuram Jesus, mas
procuram a resolução dos seus problemas materiais (vers. 26). Trata-se de uma
procura interesseira e egoísta, que é absolutamente contrária à mensagem que
Jesus procurou passar-lhes. Depois de identificar o problema, Jesus deixa-lhes
um aviso: é preciso esforçar-se por conseguir, não só o alimento que mata a
fome física, mas sobretudo o alimento que sacia a fome de vida que todo o homem
tem. A multidão, ao preocupar-se apenas com a procura do alimento material,
está a esquecer o essencial - o alimento que dá vida definitiva. Esse alimento
que dá a vida eterna é o próprio Jesus que o traz (vers. 27).
O que é preciso fazer para receber esse pão? - pergunta-se a multidão (vers.
28). A resposta de Jesus é clara: é preciso aderir a Jesus e ao seu projeto
(vers. 28). Na cena da multiplicação dos pães, a multidão não aderiu ao projeto
de Jesus (que falava de amor, de partilha, de serviço); apenas correu atrás do
profeta milagreiro que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância...
Mas, para receber o alimento que dá vida eterna e definitiva, é preciso, que a
multidão acolha as propostas de Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na
partilha daquilo que se tem com os irmãos, no serviço simples e humilde aos
outros homens. É acolhendo e interiorizando esse "pão" que se adquire
a vida que não acaba.
Os interlocutores de Jesus não estão, no entanto, convencidos de que esse
"pão" garanta a vida definitiva. Custa-lhes a aceitar que a vida
eterna resulte do amor, do serviço, da partilha. O que é que garante, perguntam
eles, que esse seja um caminho verdadeiro para a vida definitiva (vers. 30)?
Qual a prova de que a realização plena do homem passe pelo dom da própria vida
aos demais? Porque é que Jesus não realiza um gesto espetacular - como Moisés,
que fez chover do céu o maná, não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo
o Povo e de forma continuada - para provar que a proposta que Ele faz é
verdadeiramente uma proposta geradora de vida (vers. 31)?
Jesus responde pondo a questão da seguinte forma: o maná foi um dom de Deus
para saciar a fome material do seu Povo; mas o maná não é esse "pão"
que sacia a fome de vida eterna do homem. Só Deus dá aos homens, de forma
contínua, a vida eterna; e esse dom do Pai não veio ao encontro dos homens
através de Moisés, mas através de Jesus (vers. 32-33). Portanto, o importante
não é testemunhar gestos espetaculares, que deslumbram e impressionam mas não
mudam nada; mas é acolher a proposta que Jesus faz e vivê-la nos gestos simples
de todos os dias.
A última frase do nosso texto identifica o próprio Jesus, já não com o
"portador" do pão, mas como o próprio pão que Deus quer oferecer ao
seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de vida (vers. 35).
"Comê-lo" será escutar a sua Palavra, acolher a sua proposta,
assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de viver, fazer da vida
(como Jesus fez) um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus, acolhendo a
sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em gestos concretos de
amor, de partilha, de serviço, o homem encontrará essa "qualidade" de
vida que o leva à sua realização plena, à vida eterna.
ATUALIZAÇÃO
• O caminho que percorremos nesta terra é sempre um caminho marcado pela
procura da nossa realização, da nossa felicidade, da vida plena e verdadeira.
Temos fome de vida, de amor, de felicidade, de justiça, de paz, de esperança,
de transcendência e procuramos, de mil formas, saciar essa fome; mas
continuamos sempre insatisfeitos, tropeçando na nossa finitude, em respostas
parciais, em tentativas falhadas de realização, em esquemas equívocos, em
falsas miragens de felicidade e de realização, em valores efémeros, em
propostas que parecem sedutoras mas que só geram escravidão e dependência... Na
verdade, o dinheiro, o poder, a realização profissional, o êxito, o
reconhecimento social, os prazeres, os amigos são valores efémeros que não
chegam para "encher" totalmente a nossa vida e para lhe dar um
sentido pleno. Como podemos "encher" a nossa vida e dar-lhe pleno
significado? Onde encontrar o "pão" que mata a nossa fome de vida?
• Jesus de Nazaré é o "pão de Deus que desce do céu para dar a vida
ao mundo". É esta a questão central que o Evangelho deste domingo nos
propõe. É em Jesus e através de Jesus que Deus sacia a fome e a sede dos homens
e lhes oferece a vida em plenitude. Isto leva-nos às seguintes questões: que
lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? Ele é, verdadeiramente, a coordenada fundamental
à volta da qual construímos a nossa existência? Para nós, Jesus é uma figura do
passado (embora tenha sido um homem excepcional) que a história absorveu e
digeriu, ou é o Deus que continua vivo e a caminhar ao nosso lado,
oferecendo-nos vida em plenitude? Ele é "mais uma" das nossas
referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência fundamental? Ele é
alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o irmão que nos indica o
caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa atitude face a Deus,
face aos irmãos e face ao mundo?
• O que é preciso fazer para ter acesso a esse "pão de Deus que
desce do céu para dar a vida ao mundo"? De acordo com o Evangelho deste
domingo, a resposta é clara: é preciso aderir ("acreditar") a Jesus,
o "pão" que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome dos homens.
Aderir a Jesus é escutar o seu chamamento, acolher a sua Palavra, assumir e
interiorizar os seus valores, segui-lo no caminho do amor, da partilha, do
serviço, da entrega da vida a Deus e aos irmãos. Trata-se de uma adesão que
deve ser consequente e traduzir-se em obras concretas. Não chegam declarações
de boas intenções, ou atos institucionais que nos fazem constar dos livros de
registo da nossa paróquia; aderir a Jesus é assumir o seu estilo de vida e
fazer da própria vida um dom de amor, até à morte.
• No Evangelho deste domingo, Jesus mostra-Se profundamente incomodado
quando constata que a multidão o procura pelas razões erradas e, sem
preâmbulos, apressa-Se em desfazer os equívocos. Ele não quer, de forma
nenhuma, que as pessoas O sigam por engano, ou iludidas. Há, aqui, um convite
implícito a repensarmos as razões porque nos envolvemos com Cristo... É um
equívoco procurar o Baptismo porque é uma tradição da nossa cultura; é um equívoco
celebrar o matrimónio na Igreja porque, assim, a cerimónia é mais espetacular e
proporciona fotografias mais bonitas; é um equívoco assumir tarefas na
comunidade cristã para nos auto - promovermos ou para resolvermos os nossos
problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento da Ordem porque o
sacerdócio nos proporciona uma vida cómoda e tranquila; é um equívoco
praticarmos certos atos de piedade para que Jesus nos recompense, nos livre de
desgraças, nos pague resolvendo algumas das nossas necessidades materiais... A
nossa adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção de que só Ele é o
"pão" que nos dá vida.
• A recusa de Jesus em realizar gestos espetaculares (como fazer o maná
cair do céu), mostra que, normalmente, Deus não vem ao encontro do homem para
lhe oferecer a sua vida em gestos portentosos, que deixam toda a gente
espantada e que testemunham, de forma inequívoca, a sua presença no mundo; mas
Deus atua na vida do homem de forma discreta, embora duradoura e permanente.
Deus vem, todos os dias, ao encontro do homem e, sem forçar nem se impor,
convida-o a escutar a Palavra de Jesus, propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu
projeto, ensina-lhe os caminhos do amor, da partilha, do serviço. Convém que
nos familiarizemos com os métodos de Deus, para o conseguirmos perceber e
encontrar, no caminho da nossa vida.
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