02
- Voltemos neste mês à escola de Maria, nossa
Mestra piedosa e guia segura para o Céu. (S 232). São José
Marello
Jesus alimenta uma multidão. - Jo
6,1-15
Depois disso,
Jesus foi para o outro lado do mar da Galileia, ou seja, de Tiberíades. Uma
grande multidão o seguia, vendo os sinais que ele fazia a favor dos doentes.
Jesus subiu a montanha e sentou-se lá com os seus discípulos. Estava próxima a
Páscoa, a festa dos judeus. Levantando os olhos e vendo uma grande multidão que
vinha a ele, Jesus disse a Filipe: “Onde vamos comprar pão para que estes possam
comer[...] Jesus disse: “Fazei as pessoas sentar-se”. [...] Jesus tomou os pães,
deu graças e distribuiu aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o
mesmo com os peixes. [...].
Meditação:
Os quatro Evangelhos seguem basicamente o mesmo fio da
meada, com as divergências próprias a cada tradição e teologia. O enfoque mais
“sacramental” ou “eucarístico” é do João, mostrando mais uma vez uma das
características da comunidade do Discípulo Amado: a de ter uma teologia
eucarística mais desenvolvida.
É interessante observar que João, em seu Evangelho , ao
narrar a última ceia de Jesus destaca o gesto do lava-pés como o exemplo maior
do serviço, sem menção à partilha eucarística do pão e do vinho. No Evangelho de
hoje (João 6,1-15), ele nos apresenta um Jesus completamente encarnado e
comprometido com a íntegra realidade de seus seguidores. Ele é o paradigma do
pregador para todos os tempos. Nosso serviço da Palavra inclui também o
interesse e o empenho por tocar as dimensões todas da pessoa. Os ensinamentos
que Jesus acaba de dar tiveram a ver certamente com o projeto do reino, que é
antes de tudo amor, solidariedade, fraternidade, desprendimento, serviço de uns
para com outros sem nenhum tipo de separação.
Esta passagem do Evangelho é particularmente problemática
porque implicaria que quem estivesse a serviço da Palavra teria também o
compromisso de tirar a fome das pessoas. A situação de fome que o evangelista
nos descreve é apenas uma das conseqüências que o povo sofre dentro de uma
sociedade baseada em estruturas injustas e que descuida dos direitos
fundamentais de seus membros. Frente a isto, que é o “pão nosso de cada dia”,
poderíamos cair na tentação do assistencialismo, de fazer-nos simples
intermediários entre os famintos/empobrecidos e os opulentos, conseguindo ajudas
que tiram a fome de um dia, porém deixando intactas as estruturas injustas e, o
que é pior, adormecendo tanto a consciência do opressor, castrador, ladrão,
usurpador, como a do indigente. O assistencialismo poderia ser compreendido (não
justificado) em pessoas ou grupos de voluntários (filantropos) não
necessariamente crentes, não, porém, em quem se confessa cristão, seguidor de
Jesus. Nada tão contrário ao Evangelho do Mestre!
Porém, vejamos como foi o exemplo do Mestre. Jesus pergunta
a seus discípulos sobre o que deve fazer para dar de comer a tanta gente. Os
discípulos, contudo, crêem que a solução deve vir de fora. Entretanto, este é o
momento no qual Jesus deve ensinar a conjugar a mensagem, a palavra, com a ação.
A comunidade que recebe a mensagem deve aprender a aplicá-la a si mesma e a
buscar dentro de si mesma os mecanismos e linhas de ação orientados à solução
momentânea de suas dificuldades e problemas, porém ao mesmo tempo criando o
impacto necessário orientado a atacar e destruir as estruturas injustas que
regem a sociedade. Passa-se, pois, da mera filantropia ao compromisso realmente
cristão.
Este relato é identificado como o “milagre da multiplicação
dos pães e dos peixes”. Sem embargo, creio que o título não se adapta ao
conteúdo. Mais que multiplicação, aqui se fala de um problema tremendamente
atual; tão atual que poderia dizer eterno: se fala de repartir o pão para que
tenha para todos e sobre. Fala-se não de fazer o milagre da multiplicação de
pães e peixes, dos alimentos necessários para a vida – milagre que muito tem
feito à ciência moderna, pois há alimentos suficientes para todos os que habitam
no planeta, senão, de um convite a repartir o que cada um tem entre todos, de
modo que haja para todos e sobre; se fala de que todos possam exercer o direito
de sentar-se a mesa e participar dos dons que Deus nos tem dado, de modo que se
acabe com esta sociedade injusta em que uma minoria vergonhosa de famílias
poderosas e países ricos retenha o capital necessário para que o resto tenha o
suficiente, ao menos para viver. É o monopólio dos bens criados por parte de uns
poucos, o sentido de propriedade privada insolidária tem se fixado em nossa
sociedade criando a necessidade e a carência. Diante da sociedade injusta que
provoca a miséria, Jesus propõe sua alternativa: a abundância se consegue
rompendo com o egoísmo monopolizador e com a prática da solidariedade em
partilhar.
A partilha decorre da solidariedade. Alguém pôs seu pequeno
farnel à disposição de todos. Então, sob as ordens de Jesus e a intermediação
dos apóstolos, os grupos sentaram-se na relva. Depois, à medida que recebiam pão
e peixe, também os partilhavam com os que estavam ao redor. Desta forma, todos
puderam comer até ficarem saciados. E ainda sobraram doze cestos cheios. Quando
existe partilha, existe abundância!
"Cinco não é suficiente", é símbolo do incompleto, mas
falta muito pouco para chegar à plenitude; e aí há também o número dois; o que é
incompleto e insuficiente pode chegar a sê-lo e sobrepujar, e muito, a
plenitude, se todos dermos, trouxermos, pusermos em comum o pouco ou muito quer
tenhamos; dessa forma, ficamos todos satisfeitos e ainda sobra. Jesus não
utiliza de meios divinos, senão de mediação puramente humana. Não há um maná
caído do céu, procurado milagrosamente, senão pão terrestre, feito pelo próprio
ser humano e distribuído por este. Tal episodio quer nos ensinar que, para
resolver problemas humanos, não é necessário requerer uma extraordinária
intervenção divina, bastando apenas à ação de uma pessoa humana coordenada com a
de Deus.O povo captou muito bem o sinal, mas em seguida desvirtuou também sua
essência, seu sentido último; maravilhado, pretendeu arrebatar Jesus para
fazê-Lo rei. Por isso, Ele teve de se retirar para o alto da colina.
Vale lembrar que este é o único “milagre” contado nos
quatro Evangelhos, tanto pela tradição sinótica como da Comunidade do Discípulo
Amado. Isso mostra claramente que, para as primeiras comunidades cristãs de
diversas tradições, a história hoje relatada possuía um grande valor e uma
mensagem muito importante.
Embora seja este um dos relatos mais conhecidos dos
Evangelhos, vale a pena sublinhar um elemento que talvez possa parecer estranho:
embora nós sempre nos refiramos ao milagre da “multiplicação dos pães”, em
nenhum dos quatro relatos usa-se o verbo “multiplicar”! Usa-se outros termos nos
quatro Evangelhos :“pegar”, “distribuir”, “partilhar”! Não é o caso de discutir
aqui o que foi que Jesus fez! Nem teríamos condições de descobrir. O enfoque é
outro. Se os evangelistas tivessem colocado a ênfase sobre o “multiplicar”, ou
seja sobre o estritamente milagroso, então a história não teria grandes
conseqüências para nós hoje, pois nós não temos o poder de fazer milagres!! Mas,
colocando a ênfase sobre a o “partilhar” e o “distribuir”, então os evangelistas
nos desafiam hoje! Pois partilhar e distribuir está ao nosso alcance!
Assim, podemos trazer este fato para a nossa realidade: No
Brasil, no mundo assolado pela injustiça e miséria, não precisamos multiplicar
nada! O Brasil não precisa multiplicar terras - somos um dos maiores países do
mundo! Nem precisa multiplicar a renda – somos a oitava ou nona potência
econômica do mundo! Não, o que precisamos é uma partilha e uma redistribuição
das terras, e da renda. O que precisamos é uma mudança de mentalidade, de
coração e das estruturas, e não milagres paliativos. Por outro lado, o que
significa dar de comer diante da grande pobreza? Hoje ficamos perdidos perante o
escândalo de tanta miséria. Na confusão, nasceram uma caridade e uma
solidariedade esvaziadas, ideológicas, institucionalizadas, sem relação direta
com o pobre. A história de João e dos outros evangelistas insiste que a solução
para a carência se acha na solidariedade, na partilha e na redistribuição, a
partir da nossa fé no Deus da Vida. A dificuldade está em muitos não quererem
assumir sua parte de responsabilidade na tarefa comum. Preferem uma figura de
poder que lhes assegure suas próprias vidas a solução da injustiça, sem
apreensão, não se encontra em poder de um só, mas no amor e na solidariedade de
todos.
Ao concluir o texto, fica o eco das palavras de Jesus no
Evangelho, que terão influído na decisão de Pedro: «As palavras que Eu disse são
espírito e vida. Mas, entre vós, há alguns que não acreditam.» Para que a
História da Aliança continue, só falta que nós, renovemos uma vez mais a nossa
fé, atualizada pela escuta-aceitação da Palavra de Deus. O discípulo não é
somente o que re-transmite a mensagem do mestre, mas o que procura por todos os
meios possíveis re-atualizar as atitudes e gestos de seu mestre. Somos
convidados a viver a eucaristia como partilha concreta, para que nada falte a
ninguém.
De acordo com o que acabamos de refletir, como fazer que
uma necessidade geral se torne contribuição de todos para todos? Lá haviam cinco
pães e dois peixes, números que são simbólicos; dão a entender que onde há
sentido de desprendimento, de solidariedade de uns para com outros, por pouco
que seja, alcança a todos. O dom de tudo o que se tem que aparece no episódio do
Evangelho, é uma formulação extrema. Ao ensiná-la Jesus nos diz que o amor não
se põe limites, expressa a disposição a procurar o bem da humanidade sem
reservas. Jesus dá um exemplo de solidariedade ilimitada para estimular a
solução generosa dos problemas do mundo. Por isso, devemos buscar através do
conhecimento da Palavra, capacitação para vivermos uma vida cristã renovada,
plena em unção e gozo da graça de Deus. Que Deus nos abençoe!
Oração: Pai, que a Páscoa de Jesus renove em nós a consciência de pertencer a
vosso povo, cuja existência deve se pautar pela caridade e pela partilha
solidária. Que vivamos, agora, o amor ao próximo que é um concentrado de todas
as Palavras. Guardai, ó Deus, no vosso constante amor aqueles que salvastes,
para que, redimidos pela paixão do vosso Filho, nos alegremos por sua
ressurreição. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito
Santo. Amém.
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