FESTA DO BATISMO DO SENHOR
Tema da Festa
do Batismo do Senhor
A liturgia
deste domingo tem como cenário de fundo o projeto salvador de Deus. No baptismo
de Jesus nas margens do Jordão, revela-se o Filho amado de Deus, que veio ao
mundo enviado pelo Pai, com a missão de salvar e libertar os homens. Cumprindo
o projeto do Pai, Ele fez-se um de nós, partilhou a nossa fragilidade e
humanidade, libertou-nos do egoísmo e do pecado e empenhou-Se em promover-nos,
para que pudéssemos chegar à vida em plenitude.
A primeira leitura anuncia um misterioso “Servo”, escolhido por Deus e enviado
aos homens para instaurar um mundo de justiça e de paz sem fim… Investido do
Espírito de Deus, ele concretizará essa missão com humildade e simplicidade,
sem recorrer ao poder, à imposição, à prepotência, pois esses esquemas não são
os de Deus.
No Evangelho, aparece-nos a concretização da promessa profética: Jesus é o
Filho/”Servo” enviado pelo Pai, sobre quem repousa o Espírito e cuja missão é
realizar a libertação dos homens. Obedecendo ao Pai, Ele tornou-Se pessoa,
identificou-Se com as fragilidades dos homens, caminhou ao lado deles, a fim de
os promover e de os levar à reconciliação com Deus, à vida em plenitude.
A segunda leitura reafirma que Jesus é o Filho amado que o Pai enviou ao mundo
para concretizar um projeto de salvação; por isso, Ele “passou pelo mundo
fazendo o bem” e libertando todos os que eram oprimidos. É este o testemunho
que os discípulos devem dar, para que a salvação que Deus oferece chegue a
todos os povos da terra.
LEITURA I – Is
42,1-4.6-7
Leitura do
Livro de Isaías
Diz o Senhor:
«Eis o meu servo, a quem Eu protejo,
o meu eleito, enlevo da minha alma.
Sobre ele fiz repousar o meu espírito,
para que leve a justiça às nações.
Não gritará, nem levantará a voz,
nem se fará ouvir nas praças;
não quebrará a cana fendida,
nem apagará a torcida que ainda fumega:
proclamará fielmente a justiça.
Não desfalecerá nem desistirá,
enquanto não estabelecer a justiça na terra,
a doutrina que as ilhas longínquas esperam.
Fui Eu, o Senhor, que te chamei segundo a justiça;
tomei-te pela mão, formei-te
e fiz de ti a aliança do povo e a luz das nações,
para abrires os olhos aos cegos,
tirares do cárcere os prisioneiros
e da prisão os que habitam nas trevas».
AMBIENTE
O nosso texto
pertence ao “Livro da Consolação” do Deutero-Isaías (cf. Is 40-55).
“Deutero-Isaías” é um nome convencional com que os biblistas designam um
profeta anónimo da escola de Isaías, que cumpriu a sua missão profética na
Babilónia, entre os exilados judeus. Estamos na fase final do Exílio, entre 550
e 539 a.C.; os judeus exilados estão frustrados e desorientados pois, apesar
das promessas do profeta Ezequiel, a libertação tarda… Será que Deus se
esqueceu do seu Povo? Será que as promessas proféticas eram apenas “conversa
fiada”?
O Deutero-Isaías aparece então com uma mensagem destinada a consolar os
exilados. Começa por anunciar a iminência da libertação e por comparar a saída
da Babilónia ao antigo êxodo, quando Deus libertou o seu Povo da escravidão do
Egipto (cf. Is 40-48); depois, anuncia a reconstrução de Jerusalém, essa cidade
que a guerra reduziu a cinzas, mas à qual Deus vai fazer regressar a alegria e
a paz sem fim (cf. Is 49-55).
No meio desta proposta “consoladora” aparecem, contudo, quatro textos (cf. Is
42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que fogem um tanto a esta temática. São
cânticos que falam de uma personagem misteriosa e enigmática, que os biblistas
designam como o “Servo de Jahwéh”: ele é um predileto de Jahwéh, a quem Deus
chamou, a quem confiou uma missão profética e a quem enviou aos homens de todo
o mundo; a sua missão cumpre-se no sofrimento e numa entrega incondicional à
Palavra; o sofrimento do profeta tem, contudo, um valor expiatório e redentor,
pois dele resulta o perdão para o pecado do Povo; Deus aprecia o sacrifício
deste “Servo” e recompensá-lo-á, fazendo-o triunfar diante dos seus detratores
e adversários.
O texto que hoje nos é proposto é parte do primeiro cântico do “Servo” (cf. Is
42,1-9). É possível que a personagem referenciada neste primeiro cântico seja
Ciro, rei dos persas, o homem a quem Deus confiou a libertação do seu Povo…
MENSAGEM
O nosso texto
tem duas partes; ambas afirmam – como se estivéssemos diante de dois movimentos
concêntricos, que partem do mesmo lugar e terminam da mesma forma – a eleição
do “Servo” e a sua missão. No entanto, a primeira desenvolve mais o aspecto do
chamamento; a segunda define melhor a questão da missão.
Na primeira parte (vers. 1-4), afirma-se que o “Servo” é um “eleito” (“behir”)
de Deus, isto é, alguém que Deus se dignou “escolher” (“bahar”) entre muitos,
em vista de uma função ou missão especial (cf. Nm 16,5.7; 17,20; Dt 4,37;
7,6.7; 10,15; 14,2; 18,5; 21,5; 1 Sm 2,28; 10,24; 2 Sm 6,21; 1 Re 3,8; etc.).
Estamos no contexto da “eleição”, isto é, no contexto em que Deus destaca
alguém de entre muitos para o seu serviço.
A “ordenação” do “Servo” realiza-se através do dom do Espírito (“ruah”), que
dará ao “Servo” o alento de Jahwéh, a capacidade para levar a cabo a missão: é
o mesmo Espírito que Deus derrama sobre os chefes carismáticos do Povo de Deus
(cf. Jz 33,10; 1 Sm 9,17; 16,12-13). Animado por esse Espírito, o “Servo” irá
levar “a justiça (‘mishpat’) às nações”: será uma missão de âmbito universal,
que consistirá na implementação das decisões justas dos tribunais, base de uma
ordem social consentânea com os esquemas e os projetos de Deus. A implementação
dessa “nova ordem” não se dará com o recurso à força, à violência, ao espetáculo,
mas com a bondade, a mansidão, a simplicidade que definem a lógica de Deus.
Sobretudo, o “Servo” atuará com simplicidade, sem nada impor e sem desanimar
perante as dificuldades da missão.
Na segunda parte (vers. 6-7), começa-se por afirmar que o “Servo” foi “chamado”
pelo Senhor e, imediatamente, passa-se à finalidade desse chamamento: instaurar
“a justiça” (“tzedeq”) – isto é, a missão do “Servo” é o estabelecimento de uma
reta ordem social. Explicitando melhor a missão do “Servo”, Deus convida-o a
ser “a luz das nações; e, em concreto, a abrir os olhos aos cegos, a tirar do
cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas. É, portanto, uma
missão de libertação e de salvação.
Nas duas partes fica claro que o “Servo” é um instrumento através do qual Deus atua
no mundo para levar a salvação aos homens: Ele é alguém que Deus escolheu entre
muitos, a quem chamou e a quem confiou uma missão – trazer a justiça, propor a
todas as nações uma nova ordem social da qual desaparecerão as trevas que
alienam e impedem de caminhar e oferecer a todos os homens a liberdade e a paz.
Deus não só está na origem (escolha, chamamento e envio) da missão do “Servo”,
mas acompanhará a concretização da missão e possibilitará o seu êxito: para
levar a cabo a missão, o “Servo” contará com a ajuda do Espírito de Deus, que
lhe dará a força de assumir a missão e de concretizá-la.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão
pode partir das seguintes questões:
• A figura
misteriosa e enigmática do “Servo” de que fala o Deutero-Isaías apresenta
evidentes pontos de contacto com a figura de Jesus… Os primeiros cristãos –
colocados perante a dificuldade de explicar como é que o Messias tinha sido
condenado pelos homens e pregado na cruz – irão utilizar os cânticos do “Servo”
para justificar o sofrimento e o aparente fracasso humano de Jesus: Ele é esse
“eleito de Deus”, que recebeu a plenitude do Espírito, que veio ao encontro dos
homens com a missão de trazer a justiça e a paz definitivas, que sofreu e
morreu para ser fiel a essa missão que o Pai lhe confiou.
• A história
do “Servo” mostra-nos, desde já, que Deus atua através de instrumentos a quem Ele
confia a transformação do mundo e a libertação dos homens. Tenho consciência de
que cada batizado é um instrumento de Deus na renovação e transformação do
mundo? Estou disposto a corresponder ao chamamento de Deus e a assumir os meus
compromissos quanto a esta questão, ou prefiro fechar-me no meu canto e
demitir-me da minha responsabilidade profética? Os pobres, os oprimidos, todos
os que “jazem nas trevas e nas sobras da morte” podem contar com o meu apoio e
empenho?
• Convém não
esquecer que a missão profética só faz sentido à luz de Deus e que tudo parte
da iniciativa de Deus: é Ele que escolhe, que chama, que envia e que capacita
para a missão… Aquilo que eu faço, por mais válido que seja, não é obra minha,
mas sim de Deus; o meu êxito na missão não resulta das minhas qualidades, mas
da iniciativa de Deus que age em mim e através de mim.
• Atentemos
ainda na forma de atuar do “Servo”: ele não se impõe pela força, pela
violência, pelo dinheiro, ou pelos amigos poderosos; mas atua com suavidade,
com mansidão, no respeito pela liberdade dos outros… É esta lógica – a lógica
de Deus – que eu utilizo no desempenho da missão profética que Deus me confiou?
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 28 (29)
Refrão: O
Senhor abençoará o seu povo na paz.
Tributai ao
Senhor, filhos de Deus,
tributai ao Senhor glória e poder.
Tributai ao Senhor a glória do seu nome,
adorai o Senhor com ornamentos sagrados.
A vos do
Senhor ressoa sobre as nuvens,
o Senhor está sobre a vastidão das águas.
A voz do Senhor é poderosa,
a voz do Senhor é majestosa.
A majestade de
Deus faz ecoar o seu trovão
e no seu templo todos clamam: Glória!
Sobre as águas do dilúvio senta-Se o Senhor,
o Senhor senta-Se como rei eterno.
LEITURA II – Atos
10,34-38
Leitura dos Atos
dos Apóstolos
Naqueles dias,
Pedro tomou a palavra e disse:
«Na verdade,
eu reconheço que Deus não faz acepção de pessoas,
mas, em qualquer nação,
aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável.
Ele enviou a sua palavra aos filhos de Israel,
anunciando a paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos.
Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia,
a começar pela Galileia,
depois do baptismo que João pregou:
Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré,
que passou fazendo o bem
e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio,
porque Deus estava com Ele».
AMBIENTE
Os “Atos dos
Apóstolos” são uma catequese sobre a “etapa da Igreja”, isto é, sobre a forma
como os discípulos assumiram ou continuaram o projeto salvador do Pai e o
levaram – após a partida de Jesus deste mundo – a todos os homens.
O livro divide-se em duas partes. Na primeira (cf. Act 1-12), a reflexão
apresenta-nos a difusão do Evangelho dentro das fronteiras palestinas, por ação
de Pedro e dos Doze; a segunda (cf. Act 13-28) apresenta-nos a expansão do
Evangelho fora da Palestina (até Roma), sobretudo por ação de Paulo.
O nosso texto de hoje está integrado na primeira parte dos “Atos”. Insere-se
numa perícopa que descreve a atividade missionária de Pedro na planície do
Sharon (cf. Act 9,32-11,18) – isto é, na planície junto da orla mediterrânica
palestina. Em concreto, o texto propõe-nos o testemunho e a catequese de Pedro
em Cesareia, em casa do centurião romano Cornélio. Convocado pelo Espírito (cf.
Act 10,19-20), Pedro entra em casa de Cornélio, expõe-lhe o essencial da fé e batiza-o,
bem como a toda a sua família (cf. Act 10,23b-48). O episódio é importante
porque Cornélio é o primeiro pagão a cem por cento a ser admitido ao
cristianismo por um dos Doze: significa que a vida nova que nasce de Jesus se
destina a todos os homens.
MENSAGEM
No seu
discurso, Pedro começa por reconhecer que a proposta de salvação oferecida por
Deus e trazida por Cristo é universal e se destina a todas as pessoas, sem
distinção de qualquer tipo (vers. 34-36). Israel foi, na verdade, o primeiro
receptor privilegiado da Palavra de Deus; mas Cristo veio trazer a “boa nova da
paz” (salvação) a todos os homens; e agora, por intermédio das testemunhas de
Jesus, essa proposta de salvação que o Pai faz chegar “a qualquer nação que o
teme e põe em prática a justiça” – ou seja, a todo o homem e mulher, sem
distinção de raça, de cor, de estatuto social, que aceita a proposta e adere a
Jesus.
Depois de definir os contornos universais da proposta salvadora de Deus, Pedro
apresenta uma espécie de resumo da fé primitiva (vers. 37-38). É, nem mais nem
menos, do que o pôr em ato a missão fundamental dos discípulos: anunciar Jesus
e testemunhar essa salvação que deve chegar a todos os homens. A leitura que
nos é proposta
a conserva apenas a parte inicial do “kerigma” primitivo e resume a atividade
de Jesus que “passou pelo mundo fazendo o bem e curando todos os que eram
oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele” (vers. 38). No entanto, o
anúncio de Pedro continua (embora a nossa leitura de hoje não o refira) com a
catequese sobre a morte (vers. 39), sobre a ressurreição (vers. 40) e sobre a
dimensão salvífica da vida de Jesus (vers. 43).
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão e
partilha, considerar os seguintes elementos:
• Jesus de
Nazaré “passou pelo mundo fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos
pelo demónio”. Nos seus gestos de bondade, de misericórdia, de perdão, de
solidariedade, de amor, os homens encontraram o projeto libertador de Deus em ação…
Esse projeto continua hoje em ação no mundo? Nós, cristãos, comprometidos com
Cristo e com a sua missão desde o nosso baptismo, testemunhamos, em gestos
concretos, a bondade, a misericórdia, o perdão e o amor de Deus pelos homens?
Empenhamo-nos em libertar todos os que são oprimidos pelo demónio do egoísmo,
da injustiça, da exploração, da solidão, da doença, do analfabetismo, do
sofrimento?
• “Reconheço
que Deus não faz acepção de pessoas” – diz Pedro no seu discurso em casa de
Cornélio. E nós, filhos deste Deus que ama a todos da mesma forma e que a todos
oferece igualmente a salvação, aceitamos todos os irmãos da mesma forma,
reconhecendo a igualdade fundamental de todos os homens em direitos e
dignidade? Que sentido fazem então as discriminações por causa da cor da pele,
da raça, do sexo, da orientação sexual ou do estatuto social?
ALELUIA – cf.
Mc 9,6
Aleluia.
Aleluia.
Abriram-se os
céus e ouviu-se a voz do Pai:
«Este é o meu Filho muito amado: escutai-O».
EVANGELHO – Mc 1,7-11
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo,
João começou a pregar, dizendo:
«Vai chegar depois de mim
quem é mais forte do que eu,
diante do qual eu não sou digno de me inclinar
para desatar as correias das suas sandálias.
Eu batizo na água,
mas Ele batizar-vos-á no Espírito Santo».
Sucedeu que,
naqueles dias,
Jesus veio de Nazaré da Galileia
e foi batizado por João no rio Jordão.
Ao subir da água, viu os céus rasgarem-se
e o Espírito, como uma pomba, descer sobre ele.
E dos céus ouviu-se uma voz:
«Tu és o meu Filho muito amado,
em Ti pus toda a minha complacência».
AMBIENTE
O Evangelho
deste domingo apresenta o encontro entre Jesus e João Baptista, nas margens do
rio Jordão. Na circunstância, Jesus foi batizado por João.
João Baptista foi o guia carismático de um movimento de cariz popular, que
anunciava a proximidade do “juízo de Deus”. A sua mensagem estava centrada na
urgência da conversão (pois, na opinião de João, a intervenção definitiva de
Deus na história para destruir o mal estava iminente) e incluía um rito de
purificação pela água.
O “baptismo” proposto por João não era, na verdade, uma novidade insólita. O
judaísmo conhecia ritos diversos de imersão na água, sempre ligados a contextos
de purificação ou de mudança de vida. Era, inclusive, um rito usado na
integração dos “prosélitos” (os pagãos que aderiam ao judaísmo) na comunidade
do Povo de Deus.
Na perspectiva de João, provavelmente, este “baptismo” é um rito de iniciação à
comunidade messiânica: quem aceitava este “baptismo”, renunciava ao pecado,
convertia-se a uma vida nova e passava a integrar a comunidade do Messias.
O que é que Jesus tem a ver com isto? Que sentido faz ele apresentar-Se a João
para receber este “baptismo” de purificação, de arrependimento e de perdão dos
pecados?
O texto que hoje nos é proposto faz parte de um conjunto de três cenas iniciais
(cf. Mc 1,2-8; 1,9-11; 1,12-13) nas quais Marcos apresenta Jesus como o
Messias, Filho de Deus. Nesse tríptico, fica desde logo definida a missão
específica e a verdadeira identidade de Jesus. Estas indicações iniciais irão
depois ser desenvolvidas e completadas ao longo do Evangelho.
MENSAGEM
Quem é, pois,
Jesus e qual a sua missão, de acordo com a mensagem do episódio que a liturgia
de hoje nos propõe?
Na primeira parte do nosso texto (vers. 7-8), Marcos apresenta o testemunho de
João Baptista sobre Jesus. Aí, Jesus é definido por João como “Aquele que é
mais forte do que eu, diante do qual não sou digno de me inclinar para lhe
desatar as correias das sandálias” e como “Aquele que há de batizar-vos no
Espírito Santo”. Tanto a fortaleza como o baptismo no Espírito são
prerrogativas que caracterizam o Messias que Israel esperava (cf. Is 9,5-6;
11,2). O testemunho de João não oferece dúvidas: Jesus é esse Messias anunciado
pelos profetas, que Deus vai enviar para libertar o seu Povo e para lhe dar a
vida definitiva.
O testemunho de João irá, logo, ser confirmado pelo testemunho do próprio Deus.
Na cena do baptismo, Marcos faz referência a uma voz vinda do céu que apresenta
Jesus como “o meu Filho muito amado” (vers. 11). Esse Messias esperado é também
o Filho amado de Deus, enviado aos homens para os “batizar no Espírito” e para
os inserir numa dinâmica de vida nova – a vida no Espírito.
O testemunho de Deus é acompanhado por três factos estranhos que, no entanto,
devem ser entendidos em referência a factos e símbolos do Antigo Testamento…
Assim, a abertura do céu significa a união da terra e do céu. A imagem
inspira-se, provavelmente, em Is 63,19, onde o profeta pede a Deus que “abra os
céus” e desça ao encontro do seu Povo, refazendo essa relação que o pecado do
Povo interrompeu. Desta forma, Marcos anuncia que a atividade de Jesus vai
reconciliar o céu e a terra, vai refazer a comunhão entre Deus e os homens.
O símbolo da pomba não é imediatamente claro… Provavelmente, não se trata de
uma alusão à pomba que Noé libertou e que retornou à arca (cf. Gn 8,8-12); é
mais provável que a pomba (em certas tradições judaicas, símbolo do Espírito de
Deus que, no início, pairava sobra as águas – cf. Gn 1,2) evoque a nova criação
que terá lugar a partir da atividade que Jesus vai iniciar.
Temos, finalmente, a voz do céu. Trata-se de uma forma muito usada pelos rabbis
para expressar a opinião de Deus acerca de uma pessoa ou de um acontecimento.
Essa voz declara que Jesus é o Filho de Deus; e fá-lo com uma fórmula tomada
desse cântico do “Servo de Jahwéh” que vimos
na primeira leitura de hoje (cf. Is 42,1)… Afirma-se, de forma clara, que Jesus
é o Filho de Deus… Mas a referência ao Servo de Jahwéh sugere que a missão de
Jesus não se desenrolará no triunfalismo, mas na obediência total ao Pai; não
se cumprirá com poder e prepotência, mas na suavidade, na simplicidade, no
respeito pelos homens (“não gritará, nem levantará a voz; não quebrará a cana
fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega” – Is 42,2-3).
Porque é que Jesus quis ser batizado por João? Jesus necessitava de um baptismo
cujo significado primordial estava ligado à penitência, ao perdão dos pecados e
à mudança de vida? Ao receber este baptismo de penitência e de perdão dos
pecados (do qual não precisava, porque Ele não conheceu o pecado), Jesus
solidarizou-Se com o homem limitado e pecador, assumiu a sua condição,
colocou-Se ao lado dos homens para os ajudar a sair dessa situação e para
percorrer com eles o caminho da libertação, o caminho da vida plena. Esse era o
projeto do Pai, que Jesus cumpriu integralmente.
A cena do baptismo de Jesus revela portanto, essencialmente, que Jesus é o
Filho de Deus, que o Pai envia ao mundo a fim de cumprir um projeto de
libertação em favor dos homens. Como verdadeiro Filho, Ele obedece ao Pai e
cumpre o plano salvador do Pai; por isso, vem ao encontro dos homens,
solidariza-Se com eles, assume as suas fragilidades, caminha com eles, refaz a
comunhão entre Deus e os homens que o pecado havia interrompido e conduz os
homens ao encontro da vida em plenitude. Da atividade de Jesus, o Filho de Deus
que cumpre a vontade do Pai, resultará uma nova criação, uma nova humanidade.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão,
ter em conta as seguintes questões:
• No episódio
do baptismo, Jesus aparece como o Filho amado, que o Pai enviou ao encontro dos
homens para os libertar e para os inserir numa dinâmica de comunhão e de vida
nova. Nessa cena revela-se, portanto, a preocupação de Deus e o imenso amor que
Ele nos dedica… É bonita esta história de um Deus que envia o próprio Filho ao
mundo, que pede a esse Filho que Se solidarize com as dores e limitações dos
homens e que, através da ação do Filho, reconcilia os homens consigo e fá-los
chegar à vida em plenitude. Aquilo que nos é pedido é que correspondamos ao
amor do Pai, acolhendo a sua oferta de salvação e seguindo Jesus no amor, na
entrega, no dom da vida. Ora, no dia do nosso baptismo, comprometemo-nos com
esse projeto… Temos, depois disso, renovado diariamente o nosso compromisso e
percorrido, com coerência, esse caminho que Jesus veio propor-nos?
• A celebração
do baptismo do Senhor leva-nos até um Jesus que assume plenamente a sua
condição de “Filho” e que se faz obediente ao Pai, cumprindo integralmente o
projeto do Pai de dar vida ao homem. É esta mesma atitude de obediência
radical, de entrega incondicional, de confiança absoluta que eu assumo na minha
relação com Deus? O projeto de Deus é, para mim, mais importante de que os meus
projetos pessoais ou do que os desafios que o mundo me faz?
• O episódio
do baptismo de Jesus coloca-nos frente a frente com um Deus que aceitou
identificar-Se com o homem, partilhar a sua humanidade e fragilidade, a fim de
oferecer ao homem um caminho de liberdade e de vida plena. Eu, filho deste
Deus, aceito ir ao encontro dos meus irmãos mais desfavorecidos e estender-lhes
a mão? Partilho a sorte dos pobres, dos sofredores, dos injustiçados, sofro na
alma as suas dores, aceito identificar-me com eles e participar dos seus
sofrimentos, a fim de melhor os ajudar a conquistar a liberdade e a vida plena?
Não tenho medo de me sujar ao lado dos pecadores, dos marginalizados, se isso
contribuir para os promover e para lhes dar mais dignidade e mais esperança?
• No baptismo,
Jesus tomou consciência da sua missão (essa missão que o Pai Lhe confiou),
recebeu o Espírito e partiu em viagem pelos caminhos poeirentos da Palestina, a
testemunhar o projeto libertador do Pai. Eu, que no baptismo aderi a Jesus e
recebi o Espírito que me capacitou para a missão, tenho sido uma testemunha
séria e comprometida desse programa em que Jesus Se empenhou e pelo qual Ele
deu a vida?
ALGUMAS
SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DO BAPTISMO DO SENHOR
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA
MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo do Baptismo do Senhor, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. PALAVRA DE
VIDA.
Rosto de Deus, de Cristo, da Igreja… Acolhemos o Rosto de Deus que está acima
de tudo e está tão próximo de nós, que nos dá gratuitamente todos os seus dons.
Acolhemos o Rosto do Filho bem-amado, revelação da ternura e do amor do Pai,
saboreando com Cristo o gosto infinito da relação íntima e única que O une ao
Abba, Pai. Acolhemos na nossa fé no Rosto da Palavra, que nos empenha ao
compromisso e ao anúncio.
3. UM PONTO DE
ATENÇÃO.
Neste dia tão significativo em que as comunidades vivem este sacramento da
iniciação cristã, pode-se aproveitar para apelar à presença das famílias que
celebraram baptismos durante o ano. Depois, valorizar alguns momentos da
celebração: rito penitencial com a aspersão da água; acompanhar gestualmente
(um grupo de crianças e jovens) a cena do Baptismo de Jesus no Evangelho;
procurar partilhar sobre a forma como vivemos o nosso Baptismo (homilia
partilhada, se possível); escolher a oração eucarística para celebrações com
crianças, envolvendo a assembleia nas respostas previstas; colocar as crianças
junto do altar do Pai Nosso até à comunhão, onde reconhecemos a presença de
Cristo no sinal do Pão partilhado.
4. PARA A
SEMANA QUE SE SEGUE…
Um tempo novo abre-se diante de nós: Jesus vai seguir, com toda a liberdade, o
caminho de Jerusalém e nós iremos acompanhar, ao longo do ano litúrgico, o seu
ensino e redescobrir os sinais que Ele realiza. Fazendo memória dos baptismos
que a Igreja celebra e do nosso próprio baptismo, somos convidados a seguir os
passos de Cristo. Que Ele nos envolva no seu seguimento e nos leve a viver
juntos como irmãos!
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