17 -
A comunhão da oração, depois da Eucaristia, é o ponto de fé mais consolador da
oração do Creio. Todos os demais nos fazem temer: este, ao
contrário, coloca em nossas mãos um meio poderoso para fazer violência, por
assim dizer, à misericórdia de Deus. (L 7). São Jose Marello
Jesus alimenta uma multidão. - Jo 6,1-15
Depois
disso, Jesus foi para o outro lado do mar da Galileia, ou seja, de Tiberíades.
Uma grande multidão o seguia, vendo os sinais que ele fazia a favor dos
doentes. Jesus subiu a montanha e sentou-se lá com os seus discípulos. Estava
próxima a Páscoa, a festa dos judeus. Levantando os olhos e vendo uma grande
multidão que vinha a ele, Jesus disse a Filipe: “Onde vamos comprar pão para
que estes possam comer[...] Jesus disse: “Fazei as pessoas sentar-se”. [...]
Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu aos que estavam sentados, tanto
quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes. [...].
Meditação:
Os
quatro Evangelhos seguem basicamente o mesmo fio da meada, com as divergências
próprias a cada tradição e teologia. O enfoque mais “sacramental” ou
“eucarístico” é do João, mostrando mais uma vez uma das características da
comunidade do Discípulo Amado: a de ter uma teologia eucarística mais
desenvolvida.
É
interessante observar que João, em seu Evangelho, ao narrar a última ceia de Jesus
destaca o gesto do lava-pés como o exemplo maior do serviço, sem menção à
partilha eucarística do pão e do vinho. No Evangelho de hoje (João 6,1-15), ele
nos apresenta um Jesus completamente encarnado e comprometido com a íntegra
realidade de seus seguidores. Ele é o paradigma do pregador para todos os
tempos. Nosso serviço da Palavra inclui também o interesse e o empenho por
tocar as dimensões todas da pessoa. Os ensinamentos que Jesus acaba de dar
tiveram a ver certamente com o projeto do reino, que é antes de tudo amor,
solidariedade, fraternidade, desprendimento, serviço de uns para com outros sem
nenhum tipo de separação.
Esta
passagem do Evangelho é particularmente problemática porque implicaria que quem
estivesse a serviço da Palavra teria também o compromisso de tirar a fome das
pessoas. A situação de fome que o evangelista nos descreve é apenas uma das
conseqüências que o povo sofre dentro de uma sociedade baseada em estruturas
injustas e que descuida dos direitos fundamentais de seus membros. Frente a
isto, que é o “pão nosso de cada dia”, poderíamos cair na tentação do
assistencialismo, de fazer-nos simples intermediários entre os
famintos/empobrecidos e os opulentos, conseguindo ajudas que tiram a fome de um
dia, porém deixando intactas as estruturas injustas e, o que é pior,
adormecendo tanto a consciência do opressor, castrador, ladrão, usurpador, como
a do indigente. O assistencialismo poderia ser compreendido (não justificado)
em pessoas ou grupos de voluntários (filantropos) não necessariamente crentes,
não, porém, em quem se confessa cristão, seguidor de Jesus. Nada tão contrário
ao Evangelho do Mestre!
Porém,
vejamos como foi o exemplo do Mestre. Jesus pergunta a seus discípulos sobre o
que deve fazer para dar de comer a tanta gente. Os discípulos, contudo, crêem
que a solução deve vir de fora. Entretanto, este é o momento no qual Jesus deve
ensinar a conjugar a mensagem, a palavra, com a ação. A comunidade que recebe a
mensagem deve aprender a aplicá-la a si mesma e a buscar dentro de si mesma os
mecanismos e linhas de ação orientados à solução momentânea de suas
dificuldades e problemas, porém ao mesmo tempo criando o impacto necessário
orientado a atacar e destruir as estruturas injustas que regem a sociedade.
Passa-se, pois, da mera filantropia ao compromisso realmente cristão.
Este
relato é identificado como o “milagre da multiplicação dos pães e dos peixes”.
Sem embargo, creio que o título não se adapta ao conteúdo. Mais que multiplicação,
aqui se fala de um problema tremendamente atual; tão atual que poderia dizer
eterno: se fala de repartir o pão para que tenha para todos e sobre. Fala-se
não de fazer o milagre da multiplicação de pães e peixes, dos alimentos
necessários para a vida – milagre que muito tem feito à ciência moderna, pois
há alimentos suficientes para todos os que habitam no planeta, senão, de um
convite a repartir o que cada um tem entre todos, de modo que haja para todos e
sobre; se fala de que todos possam exercer o direito de sentar-se a mesa e
participar dos dons que Deus nos tem dado, de modo que se acabe com esta
sociedade injusta em que uma minoria vergonhosa de famílias poderosas e países
ricos retenha o capital necessário para que o resto tenha o suficiente, ao menos
para viver. É o monopólio dos bens criados por parte de uns poucos, o sentido
de propriedade privada insolidária tem se fixado em nossa sociedade criando a
necessidade e a carência. Diante da sociedade injusta que provoca a miséria,
Jesus propõe sua alternativa: a abundância se consegue rompendo com o egoísmo
monopolizador e com a prática da solidariedade em partilhar.
A
partilha decorre da solidariedade. Alguém pôs seu pequeno farnel à disposição
de todos. Então, sob as ordens de Jesus e a intermediação dos apóstolos, os
grupos sentaram-se na relva. Depois, à medida que recebiam pão e peixe, também
os partilhavam com os que estavam ao redor. Desta forma, todos puderam comer
até ficarem saciados. E ainda sobraram doze cestos cheios. Quando existe partilha,
existe abundância!
"Cinco
não é suficiente", é símbolo do incompleto, mas falta muito pouco para
chegar à plenitude; e aí há também o número dois; o que é incompleto e
insuficiente pode chegar a sê-lo e sobrepujar, e muito, a plenitude, se todos
dermos, trouxermos, pusermos em comum o pouco ou muito quer tenhamos; dessa
forma, ficamos todos satisfeitos e ainda sobra. Jesus não utiliza de meios
divinos, senão de mediação puramente humana. Não há um maná caído do céu,
procurado milagrosamente, senão pão terrestre, feito pelo próprio ser humano e
distribuído por este. Tal episodio quer nos ensinar que, para resolver
problemas humanos, não é necessário requerer uma extraordinária intervenção
divina, bastando apenas à ação de uma pessoa humana coordenada com a de Deus.O
povo captou muito bem o sinal, mas em seguida desvirtuou também sua essência,
seu sentido último; maravilhado, pretendeu arrebatar Jesus para fazê-Lo rei.
Por isso, Ele teve de se retirar para o alto da colina.
Vale
lembrar que este é o único “milagre” contado nos quatro Evangelhos, tanto pela
tradição sinótica como da Comunidade do Discípulo Amado. Isso mostra claramente
que, para as primeiras comunidades cristãs de diversas tradições, a história
hoje relatada possuía um grande valor e uma mensagem muito importante.
Embora
seja este um dos relatos mais conhecidos dos Evangelhos, vale a pena sublinhar
um elemento que talvez possa parecer estranho: embora nós sempre nos refiramos
ao milagre da “multiplicação dos pães”, em nenhum dos quatro relatos usa-se o
verbo “multiplicar”! Usa-se outros termos nos quatro Evangelhos :“pegar”,
“distribuir”, “partilhar”! Não é o caso de discutir aqui o que foi que Jesus
fez! Nem teríamos condições de descobrir. O enfoque é outro. Se os evangelistas
tivessem colocado a ênfase sobre o “multiplicar”, ou seja sobre o estritamente
milagroso, então a história não teria grandes conseqüências para nós hoje, pois
nós não temos o poder de fazer milagres!! Mas, colocando a ênfase sobre a o
“partilhar” e o “distribuir”, então os evangelistas nos desafiam hoje! Pois
partilhar e distribuir está ao nosso alcance!
Assim,
podemos trazer este fato para a nossa realidade: No Brasil, no mundo assolado
pela injustiça e miséria, não precisamos multiplicar nada! O Brasil não precisa
multiplicar terras - somos um dos maiores países do mundo! Nem precisa
multiplicar a renda – somos a oitava ou nona potência econômica do mundo! Não,
o que precisamos é uma partilha e uma redistribuição das terras, e da renda. O
que precisamos é uma mudança de mentalidade, de coração e das estruturas, e não
milagres paliativos. Por outro lado, o que significa dar de comer diante da
grande pobreza? Hoje ficamos perdidos perante o escândalo de tanta miséria. Na
confusão, nasceram uma caridade e uma solidariedade esvaziadas, ideológicas,
institucionalizadas, sem relação direta com o pobre. A história de João e dos
outros evangelistas insiste que a solução para a carência se acha na
solidariedade, na partilha e na redistribuição, a partir da nossa fé no Deus da
Vida. A dificuldade está em muitos não quererem assumir sua parte de
responsabilidade na tarefa comum. Preferem uma figura de poder que lhes
assegure suas próprias vidas a solução da injustiça, sem apreensão, não se
encontra em poder de um só, mas no amor e na solidariedade de todos.
Ao
concluir o texto, fica o eco das palavras de Jesus no Evangelho, que terão
influído na decisão de Pedro: «As palavras que Eu disse são espírito e vida.
Mas, entre vós, há alguns que não acreditam.» Para que a História da Aliança
continue, só falta que nós, renovemos uma vez mais a nossa fé, atualizada pela
escuta-aceitação da Palavra de Deus. O discípulo não é somente o que
re-transmite a mensagem do mestre, mas o que procura por todos os meios
possíveis re-atualizar as atitudes e gestos de seu mestre. Somos convidados a
viver a eucaristia como partilha concreta, para que nada falte a ninguém.
De
acordo com o que acabamos de refletir, como fazer que uma necessidade geral se
torne contribuição de todos para todos? Lá haviam cinco pães e dois peixes,
números que são simbólicos; dão a entender que onde há sentido de
desprendimento, de solidariedade de uns para com outros, por pouco que seja,
alcança a todos. O dom de tudo o que se tem que aparece no episódio do Evangelho,
é uma formulação extrema. Ao ensiná-la Jesus nos diz que o amor não se põe
limites, expressa a disposição a procurar o bem da humanidade sem reservas.
Jesus dá um exemplo de solidariedade ilimitada para estimular a solução
generosa dos problemas do mundo. Por isso, devemos buscar através do
conhecimento da Palavra, capacitação para vivermos uma vida cristã renovada,
plena em unção e gozo da graça de Deus. Que Deus nos abençoe!
Propósito: Ter um olhar
de fé, para os outros, para as pessoas que encontrar no dia de hoje
Nenhum comentário:
Postar um comentário