Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo Mateus
Neste Domingo de Ramos, a Liturgia da
Santa Missa tem dois Evangelhos: o da entrada de Jesus em Jerusalém [1] e o
Evangelho em que Jesus é condenado e crucificado no Calvário. Olhando para
Jesus como sumo e eterno sacerdote, é possível perceber a grande ligação entre
essas duas passagens: a entrada de Cristo em Jerusalém é como a procissão do
sacerdote que se dirige ao altar, a fim de oferecer um sacrifício.
E qual é a importância do sacrifício
na teologia cristã? Por que é preciso que os homens ofereçam sacrifícios a
Deus? Essa necessidade está inscrita na própria natureza humana. Ao sacrificar
coisas à divindade, o homem adora a Deus (reconhecendo o tudo d’Ele e o próprio
nada); rende-Lhe ação de graças, em gratidão por tudo o que recebe; e suplica
as graças necessárias para continuar servindo-O. Com o drama da queda,
acrescenta-se a esses três fins a reparação pelos pecados cometidos contra
Deus.
Mas, por que o culto de adoração a
Deus deve ser feito exteriormente, por meio de um sacrifício? Isso não é coisa
do Antigo Testamento? Jesus não quer, ao contrário, “verdadeiros adoradores”,
“em espírito e verdade” [2]? A essas indagações Santo Tomás responde do
seguinte modo:
“Como escreve São João Damasceno, já
que somos compostos por duas naturezas – a intelectual e a sensível –,
oferecemos dupla adoração a Deus: uma espiritual, que consiste na devoção
interna de nossa mente, e outra corporal, que consiste na humilhação exterior
de nosso corpo. E porque em todos os atos de latria o exterior se refere ao
interior como o secundário ao principal, a mesma adoração exterior se subordina
à interior, para que, mediante os atos corporais de humildade, o nosso afeto se
sinta impelido a submeter-se a Deus, pois o natural em nós é chegar ao sensível
pelo inteligível” [3].
Pegue-se como exemplo uma genuflexão.
Quando se faz uma genuflexão diante do Santíssimo Sacramento, diz-se com o
corpo: “Meu Deus, eu não sou nada, eu me rebaixo e me aniquilo diante de Vós”.
Mas essa genuflexão, que é um ato externo, só tem verdadeiro sentido se
acompanhada pela disposição interior. A adoração externa só tem significado se
houver, junto, uma alma, um amor que reconhece a grandeza de Deus.
E é isto o que se faz nos sacrifícios:
no Antigo Testamento, os animais perfeitos eram oferecidos e queimados (por
isso, a palavra “holocausto”) como ato externo de adoração a Deus. Esse culto
deveria conduzir os sacerdotes a um ato interno, a reconhecer diante de Deus o
seu nada. E que ninguém se impressione com o uso insistente desta palavra:
nada. Quando Deus criou o homem, isso não enriqueceu em nada Seu ser. Em outras
palavras, Ele – sabedoria, bondade e beleza infinitas –, ao criar outros seres
– também sábios, bons e belos –, não aumentou a sabedoria, a bondade e a
beleza. Aquilo que as criaturas receberam nada mais é que participação de algo
que já existia, desde sempre. Então, na verdade, o homem não faz falta nenhuma:
Deus criou-o por pura gratuidade. Por isso, quando se adora a Deus,
reconhece-se o próprio nada diante d’Ele.
A vida de Jesus foi uma entrega do
começo ao fim. O Seu sacrifício e sacerdócio não começaram na Cruz: antes de
entrar em Jerusalém, Ele entrou no mundo; antes de ascender ao Calvário, Ele desceu
à humanidade, fazendo-se homem. A Carta aos Hebreus diz, citando o Salmo 39:
“Eis por que, ao entrar no mundo,
Cristo diz: Não quiseste sacrifício nem oblação, mas me formaste um corpo.
Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não te agradam. Então eu disse: Eis que
venho (porque é de mim que está escrito no rolo do livro), venho, ó Deus, para
fazer a tua vontade” [4].
Os “holocaustos e sacrifícios” de
bodes e touros não agradaram a Deus, porque não havia uma alma para fazer a Sua
vontade. Então o Verbo se fez carne e ofereceu a adoração verdadeiramente
agradável a Ele, na gruta em Belém, na Sua apresentação diante do velho Simeão,
em sua perda e encontro no Templo, na carpintaria de Nazaré e em toda a sua
vida humana. Ele veio a este mundo para amar a Deus e incendiar os corações dos
homens [5], a fim de que eles também O amem.
Por
isso, ao subir a Jerusalém para oferecer-se em sacrifício, Jesus quer que
subamos com Ele. Assim como se elevou ao Pai, Ele quer que elevemos os nossos
corações a Ele, como diz a Oração Eucarística: “Sursum corda – corações ao alto!”. O Papa Bento
XVI, meditando sobre estas palavras, ensinou:
“O coração, segundo a concepção
bíblica e na visão dos Padres, é aquele centro do homem onde se unem o
intelecto, a vontade e o sentimento, o corpo e a alma; é aquele centro, onde o
espírito se torna corpo e o corpo se torna espírito, onde vontade, sentimento e
intelecto se unem no conhecimento de Deus e no amor a Ele. Este ‘coração’ deve
ser elevado. Mas, também aqui, sozinhos somos demasiado frágeis para elevar o
nosso coração até à altura de Deus; não somos capazes disso. É precisamente a
soberba de o podermos fazer sozinhos que nos puxa para baixo e afasta de Deus.
O próprio Deus tem de puxar-nos para o alto; e foi isto que Cristo começou a
fazer na Cruz. Desceu até à humilhação extrema da existência humana, a fim de
nos puxar para o alto rumo a Ele, rumo ao Deus vivo. Jesus humilhou-Se: diz
hoje a segunda leitura. Só assim podia ser superada a nossa soberba: a
humildade de Deus é a forma extrema do seu amor, e este amor humilde atrai para
o alto.” [6].
É preciso esclarecer que a morte de
Cristo, considerada em si mesma, ou seja, as ações das autoridades civis e
religiosas para matar Jesus, foram criminosas. O que praticaram foi um
verdadeiro deicídio, uma ofensa a Deus. Ao celebrar a Missa, o sacerdote não
intenta repetir isso, ele não pretende “matar Deus” de novo. O que constituiu o
sacrifício de Cristo foi o fato de Ele ter aceitado interiormente a Cruz; foi a
sua disposição interior que transformou aquele madeiro infame em sacrifício
agradável a Deus.
Quando Jesus é preso e um de seus
companheiros desembainha a espada para tentar impedir que O levem, Ele diz-lhe:
“Crês tu que não posso invocar meu Pai e ele não me enviaria imediatamente mais
de doze legiões de anjos?” [7]. Ou seja, se Cristo quisesse, poderia pedir que
o Pai lhe enviasse “mais de doze legiões de anjos” para tirá-lo da morte. Mas,
como Ele diz noutro lugar: “Ninguém Me tira a vida; Eu dou-a livremente” [8].
Jesus aceita o crime e o pecado que cometem contra Ele e transforma-o livre e
generosamente em amor e sacrifício. Ele demonstrou essa liberdade interior na
noite da Última Ceia, quando disse: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós”;
“Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado por vós” [9].
O que torna a Cruz redentora é o amor
com que Cristo nos amou. Na Missa, ocorre, substancialmente, o mesmo
sacrifício, como assegura o Concílio de Trento: “Uma e mesma é a vítima: e
aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que, outrora,
se ofereceu na Cruz, divergindo, apenas, o modo de oferecer” [10]. Então, no
altar, o mesmo Jesus que se entregou na Cruz adora a Deus, aniquilando-se e
dizendo: “Vós sois Deus e eu sou nada”. É claro que Jesus é Deus, mas é como
diz a segunda leitura:
“Jesus Cristo, existindo em condição
divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si
mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens.
Encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até
a morte, e morte de cruz” [11].
Ao participarmos da Santa Missa, é
importante que o façamos com esta disposição interior de entregarmo-nos a
Cristo. Na consagração, o momento mais sublime da Missa, em que Jesus, vivo e
glorioso, é sacramentalmente representado como morto [12], somos chamados a
unir-nos a Ele, adorando, dando ação de graças, suplicando e reparando os
nossos pecados.
Para concluir esta meditação,
propõe-se uma oração de São Nicolau de Flüe, que está no Catecismo da Igreja
Católica. Segundo a tradição, estas palavras eram repetidas por ele todos os
dias:
“Mein
Herr und mein Gott, nimm alles mir, was mich hindert zu dir. Mein Herr und mein
Gott, gib alles mir, was mich führet zu dir. Mein Herr und mein Gott, nimm
mich mir und gib mich ganz zu eigen dir. – Meu Senhor e
meu Deus, retira tudo de mim, o que me separa de ti. Meu Senhor e meu Deus, dá
tudo a mim, o que me conduz para Ti. Meu Senhor e meu Deus, retira-me de mim e
dá-me todo inteiro a Ti” [13].
“Retira-me de mim e dá-me todo inteiro
a Ti”: que Deus nos ajude a fazer esse sacrifício. Subamos ao altar, neste
domingo, junto com o sumo e eterno sacerdote, Jesus Cristo, a fim de oferecer a
Deus o único sacrifício verdadeiramente digno d’Ele: a Santa Missa.
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