João 21,1-14
É o Senhor! - Jo 21,1-14
Depois disso, Jesus apareceu de novo aos
discípulos, à beira do mar de Tiberíades. [...] “É o Senhor!” [...] Jesus
disse-lhes: “Trazei alguns dos peixes que apanhastes”. [...] Nenhum dos
discípulos se atrevia a perguntar quem era ele, pois sabiam que era o Senhor.
Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu a eles. E fez a mesma coisa com o peixe.
Esta foi a terceira vez que Jesus, ressuscitado dos mortos, apareceu aos
discípulos.
COMENTÁRIO
O evangelista João nos apresenta, no final de sua obra, um dos
mais lindos e emotivos relatos de aparição do Ressuscitado (Jo 21,1-14): Aos
discípulos que já não se encontram em Jerusalém porque fugiram da repressão,
Jesus se lhes aparece como sinal de que ainda seu projeto continua vigente e é
de vital importância para os seres humanos e que sua morte não significou um
fracasso. A princípio, parece que sua lembrança havia desaparecido; depois,
quando o descobrem, se surpreendem grandemente. Quem descobre que se trata de
Jesus é precisamente João, o discípulo amado. A aparição de Jesus faz renascer
a fé de seus discípulos, faz com que recuperem o tempo perdido e comecem a
pensar como irão se organizar novamente; entendendo que nesse momento, estão
dedicando sua vida unicamente para manter sua subsistência.
O Ressuscitado aparece a seus discípulos num dia comum e
eles não o reconhecem apesar de Jesus ter-lhes falado. Alguns dos apóstolos
estiveram pescando durante toda a noite, como fazem tantos pescadores mundo
afora, e voltam com as redes vazias. Entre a bruma do amanhecer, já perto da
praia, ouvem e vêem um desconhecido que lhes pergunta pela pesca. Tendo dado
uma resposta desanimada, recebem a sugestão de novamente lançar as redes ao
outro lado da barca, com tanto êxito que quase não podiam arrastá-las, depois
de apanhar uma enorme quantidade de peixes. É a pesca milagrosa que são Lucas
havia relatado como um episódio pré-pascal, no contexto da vocação dos
primeiros discípulos (Lc 5,1-11), e que aqui, no 4o. evangelho, aparece como um
milagre pós-pascal num contexto também vocacional: os apóstolos na barca, as
redes, a pesca abundante, são símbolos tradicionais da tarefa evangelizadora da
igreja ao longo de todos os séculos.
Quando o desconhecido da praia é identificado pelos
apóstolos, e quando se reúnem com ele, encontram já a comida preparada: o fogo,
o pão, o peixe assado. Jesus lhes convidou para comer dos peixes, cuja pesca
havia sido muito abundante. Posteriormente, os gestos e as palavras
pronunciadas dão a sensação de que estivesse fazendo alusão à eucaristia, pela
forma de partilhar a refeição unidos: Jesus tomou o pão e distribuiu-o por
eles. E fez a mesma coisa com o peixe. O Ressuscitado reitera os gestos da
eucaristia: partir o pão e reparti-lo. Acontece que a igreja se reúne ao redor
do Senhor ressuscitado, a sua eucaristia, para ser enviada a pescar nos mares
do mundo. Pescar filhos e filhas de Deus, que queiram servir aos demais como a
irmãos, que queiram dar testemunho do amor de Deus a todos os seres humanos.
A metáfora da pesca foi sempre na comunidade cristã um
motivo continuo de reflexão. Lembra a primeira experiência da Galiléia quando
os primeiros discípulos receberam o chamado e se começou a formar o primeiro
grupo de discípulos e discípulas. Após a ressurreição Jesus convoca a
comunidade e a alimenta, dando-lhe força para prosseguir com a tarefa
apostólica. A tarefa que nessa época lhes havia encomendado continua crescendo
sob a direção e apoio do Mestre. Eles o reconhecem ao compartilhar a refeição
do trabalho diário.
Deste modo, o evangelho de João junta dois motivos que,
apesar de sua distância no tempo, concentram todas as verdades que os cristãos
haviam compreendido por sua experiência pessoal e comunitária no ressuscitado.
João não se contenta com esta lembrança e faz uma segunda referência à época
quando foi escrito o evangelho ao nomear o peixe e o pão. O peixe havia se
convertido no símbolo do cristianismo no final do primeiro século. Os cristãos
viviam em pequenas comunidades quase no anonimato. A cruz ainda não havia
ganhado seu lugar como símbolo da redenção. Os cristãos, então, apelavam aos
símbolos do evangelho como o pastor de ovelhas, o pescador e o peixe. A palavra
peixe na língua grega era utilizada como acróstico do anúncio fundamental dos
primeiros cristãos. Com esta palavra comunicavam os aspectos essenciais do
mistério de salvação.
Para renascer, a comunidade cristã haverá de ser animada por
Jesus e seu Espírito, que se tornarão manifestos em cada ato comunitário.
Jesus, a pedra fundamental, rejeitada por muitos e aceita por tantos, continua
caminhando com sua comunidade nas tarefas do dia-a-dia e realizando gestos de
partilha e solidariedade. O renascimento da Igreja deixa de ser então um
capricho ou um simples esforço humano: é uma obra de Deus mesmo, que nos tira
da vida ordinária em que estamos, nos sacode, para fazer-nos entender e assumir
nosso papel no plano de Deus, o projeto que Jesus nos apresentou. A Igreja é
fruto do querer de Deus que contradiz os interesses humanos para colocar o
Ressuscitado na alma daqueles que o seguem, fazendo com que se sintam irmãos de
verdade.
Estas festas pascais que estamos celebrando não podem ficar
só nos aleluias. Devem despertar em nós um intenso desejo de comunicar a outros
a nossa fé, nossa alegria, o gozo de saber que fomos salvos em nome de Jesus e
convocados ao redor da ceia fraterna para testemunhar no mundo a possibilidade
de todos poderem viver como irmãos. Por isso, sabendo que não há outro nome
debaixo do céu pelo qual podemos ser salvos, invoquemos o nome do Senhor Jesus
sobre cada um dos nossos irmãos que luta pela vida.
Oração: Senhor Jesus, nossa única esperança, também nós, muitas vezes, nos
descobrimos de mãos vazias; recebei o pouco que temos e somos e, em troca,
dai-nos a vossa própria vida. Que a Sua presença reforce a comunhão com nossos
irmãos e irmãs de fé, a fim de podermos atrair para Vós muitas outras pessoas
de boa vontade. A Vós o louvor e a bênção pelos séculos dos séculos. Amém.
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